16 de out. de 2007

[Ocupação] CARTA À SOCIEDADE BRASILEIRA (do Movimento de Ocupação da Reitoria da UFBA)

CARTA À SOCIEDADE BRASILEIRA

Nós, estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), estamos desde o dia primeiro de outubro ocupando a nossa Reitoria na luta pela Assistência Estudantil, pela construção de uma outra Universidade verdadeiramente democrática e popular, contra o REUNI e contra a postura autoritária do atual reitorado desta universidade.
A ocupação se iniciou com @s estudantes residentes e bolsistas da universidade que, mais uma vez, rebelaram-se indignad@s com a política de "Desassistência Estudantil". Dado o perigo iminente de uma explosão por conta de um vazamento de gás conhecido há mais de um ano, os estudantes em consenso com @s funcionári@s paralisaram o Restaurante Universitário naquele dia (sendo que no dia anterior já havia ocorrido um princípio de incêndio). Assim, fazendo um bandejaço, caminharam do Corredor da Vitória (local onde se situa a Residência I) até a Reitoria da UFBA, onde foi apresentada uma pauta emergencial ao vice-reitor, Francisco Mesquita, e também ao pró-reitor de Assistência Estudantil, Álamo Pimentel. A indignação com o autoritarismo e a "Desassistência Estudantil" fez com que o movimento imediatamente crescesse e expandisse sua frente de lutas. Compreendemos que debater Assistência Estudantil é debater que Universidade queremos. E discutir a Universidade que queremos, com uma política digna de Assistência Estudantil, nesse momento, não poderia nos levar a outro caminho, a não ser o de nos posicionarmos contra o Decreto 6.096 de 24 de abril de 2007, intitulado REUNI (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). O REUNI traz consigo a mesma lógica precarizadora e desqualificadora da educação imposta ao ensino fundamental e médio públicos, onde a aprovação automática é a regra. O decreto ainda fere a autonomia universitária ao condicionar a liberação de verbas para as universidades federais ao cumprimento de metas absurdas e que não demonstram nenhum cuidado com a qualidade de ensino, nem com a permanência do estudante dentro da universidade. Dessa forma, o ensino superior de qualidade ficará restrito a quem puder pagá-lo. Em troca de algumas migalhas está decretado o fim da Universidade Pública brasileira.
Temos sido acusad@s de ilegitimidade pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e pela Reitoria, que sustentam uma concepção anacrônica e falida, onde a legitimidade é exclusiva das entidades, das instituições e dos partidos políticos. Acreditamos que qualquer estudante, qualquer trabalhador, sem-terra, sem-teto, qualquer pessoa, fazendo ou não parte de uma entidade e que se sinta oprimida e explorada tem o direito de se levantar; de se rebelar sem pedir licença ao DCE, à Reitoria ou a quem quer que seja. Não desejamos falar em nome de tod@s estudantes da UFBA, o que desejamos é a cabeça, o braço e o peito de todas as pessoas que acreditam que vale a pena resistir e construir uma universidade e uma sociedade que nos encante e nos aqueça. Aqui na ocupação da Reitoria da UFBA, falamos em nossos próprios nomes. Estamos dispostos a construir novas práticas, novas sociabilidades, novas formas de fazer política e de reagir ao que nos violenta.
Nas atividades realizadas nesta ocupação, que contaram com a participação de diversos movimentos sociais (MSTS – Movimento dos Sem Teto de Salvador, MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, MNU – Movimento Negro Unificado, MPL – Movimento Passe Livre, Reaja ou Será Morto Reaja ou Será Morta, CMI – Centro de Mídia Independente etc) percebemos que a fragmentação das lutas é um dos principais motivos para suas derrotas.
Com estas convicções, convocamos tod@s a se levantarem e de alguma forma fazerem parte deste movimento. Estamos construindo diversos canais de diálogo com variados setores da universidade e de toda a sociedade, assim como movimentos sociais, e já contamos com o apoio fundamental da ADUNEB – Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia; da Conlutas; do ANDES; do CRPBahia – Conselho Regional de Psicologia; de diversas Executivas Nacionais de Estudantes e DA's e CA's de todo o Brasil que nos enviam suas manifestações de apoio.
Às pessoas de longe pedimos o apoio declarado, o auxílio na divulgação da nossa luta, a ajuda para formar nossa rede de difusão de informações (blog, youtube, orkut, grupos de email, fóruns eletrônicos, informes em reuniões e assembléias, etc) e pedimos também doações (dinheiro através da conta que está no blog, materiais, alimentos, etc). Se temos conseguido nos organizar até agora, isso se deve em grande parte à rede de solidariedade que nos tem ajudado e fortalecido. Aos de perto, estudantes ou não, reiteramos os mesmos pedidos, mas gostaríamos principalmente de convidál@s à participação ativa, ao engajamento, a dizerem o que pensam e sobretudo fazerem o que lhes toca nesta ocupação. Façamos dela uma vitrine viva da universidade que defendemos. "Sejam bem-vindos à dignidade rebelde".
Salvador, 16 de outubro de 2007

MORU – Movimento de Ocupação da Reitoria da UFBA
http://www.ocupacaoufba.blogspot.com
Obs.: Pedimos que as pessoas que já passaram pela situação de uma ocupação nos enviem e-mails contando como lidaram com a repressão policial, com a pós-ocupação etc.Tenham certeza de que nos ajudará bastante.

[Poesia] Mensagem à Poesia - Vinicius de Moraes

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo 
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso 
reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou 
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem 
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada 
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la 
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento 
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem 
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite 
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso 
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale 
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.
Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência. 
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha 
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus 
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva 
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela 
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho 
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora 
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

Mensagem à Poesia - Vinicius de Moraes

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Vagner Boni
Estudante de Ciências Sociais - UFSC;
Bolsista do Laboratório de Etnologia Indígena - Museu Universitário;