11 de mai. de 2009

[Textos] A Gripe dos Porcos e a Mentira dos Homens

antes que comecem a culpar os porcos...(ou os mexicanos)
eduardo perondi


A GRIPE DOS PORCOS E A MENTIRA DOS HOMENS

 Mauro Santayana


 (Jornal do Brasil  - Rio de Janeiro, 05 de Maio de 2009)


 O  governo do México e a agroindústria procuram desmentir o óbvio: a gripe que assusta o mundo se  iniciou  em  La  Glória,  distrito  de  Perote, a 10 quilômetros da criação de porcos das Granjas  Carroll,  subsidiária  de poderosa multinacional do ramo, a Smithfield Foods. La Glória é uma das  mais  pobres  povoações  do país.
 
O primeiro a contrair a enfermidade (o paciente zero, de acordo  com  a linguagem médica) foi o menino Edgar Hernández, de 4 anos, que conseguiu sobreviver depois  de  medicado.  Provavelmente seu organismo tenha servido de plataforma para a combinação genética  que  tornaria o vírus mais poderoso. Uma gripe estranha já havia sido constatada em La Glória, em  dezembro do ano passado e, em março, passou a disseminar-se rapidamente.


 Os  moradores  de  La Glória – alguns deles trabalhadores da Carroll – não têm dúvida: a fonte da  enfermidade  é  o  criatório  de porcos, que produz quase 1 milhão de animais por ano. Segundo as  informações, as fezes e a urina dos animais são depositadas em tanques de oxidação, a céu aberto,
 sobre  cuja  superfície densas nuvens de moscas se reproduzem. A indústria tornou infernal a vida  dos moradores de La Glória, que, situados em nível inferior na encosta da serra, recebem as águas  poluídas  nos  riachos  e  lençóis  freáticos.  A  contaminação  do  subsolo pelos tanques já foi
 denunciada  às  autoridades,  por  uma  agente  municipal  de  saúde, Bertha Crisóstomo, ainda em  fevereiro,  quando  começaram  a  surgir  casos  de  gripe  e diarreia na comunidade, mas de nada  adiantou.  Segundo o deputado Atanásio Duran, as Granjas Carroll haviam sido expulsas da Virgínia
 e  da  Carolina do Norte por danos ambientais. Dentro das normas do Nafta, puderam transferir-se,  em  1994,  para  Perote, com o apoio do governo mexicano. Pelo tratado, a empresa norte-americana  não  está  sujeita  ao  controle  das  autoridades  do  país. É o drama dos países dominados pelo
 neoliberalismo: sempre aceitam a podridão que mata.


 O  episódio  conduz a algumas reflexões sobre o sistema agroindustrial moderno. Como a finalidade  das empresas é o lucro, todas as suas operações, incluídas as de natureza política, se subordinam  a  essa  razão.  A  concentração da indústria de alimentos, com a criação e o abate de animais em
 grande  escala,  mesmo  quando  acompanhada  de  todos  os  cuidados,  é  ameaça  permanente  aos  trabalhadores  e  aos  vizinhos.  A criação em pequena escala – no nível da exploração familiar –  tem,  entre  outras  vantagens,  a de limitar os possíveis casos de enfermidade, com a eliminação
 imediata do foco.


 Os  animais  são  alimentados  com  rações  que levam 17% de farinha de peixe, conforme a Organic  Consumers  Association,  dos  Estados  Unidos,  embora  os porcos não comam peixe na natureza. De  acordo  com  outras fontes, os animais são vacinados, tratados preventivamente com antibióticos e
 antivirais,  submetidos  a hormônios e mutações genéticas, o que também explica sua resistência a  alguns  agentes infecciosos. Assim sendo, tornam-se hospedeiros que podem transmitir os vírus aos  seres humanos, como ocorreu no México, segundo supõem as autoridades sanitárias.


 As  Granjas  Carroll  – como ocorre em outras latitudes e com empresas de todos os tipos – mantêm  uma  fundação  social  na  região,  em  que aplicam parcela ínfima de seus lucros. É o imposto da  hipocrisia.  Assim,  esses  capitalistas engambelam a opinião pública e neutralizam a oposição da
 comunidade.  A ação social deve ser do Estado, custeada com os recursos tributários justos. O que  tem  ocorrido  é  o  contrário  disso:  os  estados  subsidiam grandes empresas, e estas atribuem  migalhas  à  mal  chamada  `ação  social`.  Quando  acusadas  de  violar  as leis, as empresas se
 justificam  –  como  ocorre, no Brasil, com a Daslu – argumentando que custeiam os estudos de uma  dezena  de  crianças,  distribuem  uma centena de cestas básicas e mantêm uma quadra de vôlei nas  vizinhanças.


 O  governo  mexicano  pressionou,  e  a Organização Mundial de Saúde concordou em mudar o nome da  gripe  suína  para  Gripe-A.  Ao  retirar  o  adjetivo  que identificava sua etiologia, ocultou a  informação  a  que os povos têm direito. A doença foi diagnosticada em um menino de La Glória, ao
 lado das águas infectadas pelas Granjas Carroll, empresa norte-americana criadora de porcos, e no  exame  se encontrou a cepa da gripe suína. O resto, pelo que se sabe até agora, é o conluio entre  o governo conservador do México e as Granjas Carroll – com a cumplicidade da OMS.

 Publicado originalmente: Jornal do Brasil - 1º de Maio de 2009.