17 de ago. de 2010
[Textos] Por que a Geração Y vai mal no ENEM?
Para todo lugar que se olha, há um inveterado leitor adulto condenando nossa juventude perdida por conta do resultado do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, que serve, digamos assim, para medir as habilidades de nossos não-leitores em relação à língua portuguesa.
A "mídia", esteja ela onde estiver (digo, no papel, na internet, no rádio), parece reagir à mesma pauta. Todos urubuzando o sucesso do desastre, como diria Renato Russo, em uma de suas músicas menos comentadas. Ordens são ordens, afinal. Diga aí, para a sociedade, que nossos jovens não leem nada e foram supermal na prova de português que o governo brasileiro aplicou.
Raramente se vê algum jornal ou coisa assim explicar, direitinho, como o ENEM é feito, para que ele serve, quem o patrocina, essas coisas que, afinal, interessam menos do que os gráficos dos resultados brutos. É chato ficar lendo explicações. Muito mais legal ler só a caixinha de texto da matéria. Já inspira bastante conversa de boteco, né não?
Sim, é verdade, o jovem brasileiro tem dificuldades para ler. Ah, só para lembrar de associar estes últimos dados a outros, os pais dos mesmos garotos têm as mesmas dificuldades. Dorme com essa.
O escopo do ENEM são os jovens concluintes do Ensino Médio. Na média, uma turma aí pelos 17 anos (se estiverem regulares na escola brasileira), com uns 11 anos de escolaridade (o tal Ensino Básico, que é Fundamental + Médio) e, atualmente, habituês desta tal Sociedade da Informação e do Conhecimento. Uma parte dessa turma teve acesso ao computador e à Web já na barriga de mamãe. Mas parece não ter tido acesso a outras coisinhas. Vamos lá: informação não garante conhecimento; acesso não garante habilidade.
O mesmo governo que mede as habilidades de leitura da turma é este (seja ele qual for, não me refiro ao governo Lula ou a qualquer outro especificamente, ok?) que desmontou a escola básica. E não apenas a pública, que levou a fama toda (você não se lembra, mas a escola pública já foi de dar orgulho à família inteira ― e elas ainda existem, em algumas ilhas). Desmontou também a escola privada, que não passa, na maioria das vezes, de uma empresa vendendo serviços, como qualquer outra. Educação, na boca de certos empresários, é palavrão. Para quê isso?
O ENEM é uma prova feita com base em matrizes de habilidades. O modelo de avaliação desse exame é importado. O Brasil é um dos países que mais recentemente aderiu a esse tipo de avaliação ou controle massivo dos níveis de desenvolvimento da população. O Banco Mundial está sempre envolvido nessas histórias, claro, mas o ENEM, assim como muitas outras avaliações, tem um lado muito positivo. Ao menos, hoje, a gente pode saber em que ponto da escala estamos, não é mesmo?
Habilidades são relacionadas a desenvolvimento cognitivo. Os exames do ENEM avaliam como os estudantes (em massa) se desenvolveram em português e em matemática. No português, aborda-se a leitura, em níveis de habilidades que vão ficando cada vez mais complexos. Ou... deveriam ficar. O que se nota, nos resultados da avaliação, é que os estudantes brasileiros desenvolvem apenas habilidades mais básicas para a leitura e não alcançam aquelas que dependem de um jogo mais complexo. Localizar uma informação explícita em um texto, por exemplo, é uma habilidade basicona. Nossos estudantes vão muito bem nela. Parabéns para nós, que ensinamos todo mundo a achar direitinho e rapidinho uma data, um nome de personagem, a cor do cavalo branco de Napoleão, mas quando a coisa fica mais difícil, fazer inferências, por exemplo, os nossos dados ficam no vermelho.
Lembra quando você estava no segundo grau? Era assim que se chamava, não era? Lembra daquelas questões dadas pelo professor que dependiam apenas de uma olhadela diagonal no texto para que se encontrasse a resposta? Pois é. Lembra daquelas questões tipo: "João foi com Maria ao cinema". "Quem foi ao cinema?" "João e Maria". Lembra disso? Pois é. Essas são as questões que complicam a turma que presta o ENEM. Ou melhor, pensando bem, é graças a essas questões da vida toda que nossos alunos não afundam mais.
Não há qualquer problema em saber localizar informações. Isso precisa ficar claro, claríssimo. É absolutamente necessário saber fazer isso. O problema é só saber operar assim, a vida toda, mesmo quando se está partindo para a vida adulta, universitária, profissional ou não. Lembra quando você perguntava ao professor se teria de ler "aquilo tudo" para encontrar a resposta? E lembra desta? "Professor, mas essa resposta não está no texto!". Pois é.
Mas não adianta pôr a culpa na garotada. Afinal, eles são a "Geração Y" ou os "Homo zappiens", como dizem os gringos por aí. Essa turma são os sensacionais multitarefa, que foram salvos pelo computador e pelo iPad. O ENEM é que precisa mudar, não é mesmo? Precisamos achar um jeito de capturar a coisa certa. O exame não cabe nesta geração. Meu jovem, o ENEM não te merece.
Bom, a questão é séria. Não me leve a mal, leitor (aliás, perceber ironia é uma habilidade complexa). O ENEM talvez não seja o melhor exame do mundo, e o leitor também não. Mas vamos atrás desse hipertexto: o livro didático em que o garoto estudou também não é, o professor que ele teve não foi dos mais bem-formados do país, a escola estava preocupada em colocar outdoors nas calçadas, os pais acham que comprar livros e ter acesso a bons produtos culturais é bobagem. Enfim... correlações importantes, elementos que colaborariam bastante para que o jovem fosse um leitor melhor. Refiro-me não apenas a ler Machado de Assis, mas a ler jornais, revistas, bilhetes.
Os resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional apontam para o mesmo lado. O bacana de tudo é que o INAF vale para a população, e não apenas para os jovens estudantes. Garoto e garota, se precisar de contra-argumentos, mostre isso aos seus pais.
É claro que há bons leitores no país. Nem tudo está perdido. Há, sim, uma parcela (que se aproxima dos 30% da população) que consegue inferir coisas em um texto, por exemplo. Há quem consiga entender um texto de mais de uma página. O problema é que essas pessoas são a minoria. E isso não é coisa de brasileiro, como gostam de dizer nossos amigos curiosamente travestidos de europeus ou de "o outro". Estamos todos neste barco. Uns pra lá, outros pra cá, mas é por isso que formar professores, avaliar bons livros, formar bons autores, ter boas editoras e boas escolas não é conversa fiada. É fundamental. (Ei, isto não é com o vizinho, é com você.)
Não é o ENEM que vai mudar as coisas. O que muda tudo é provocar alterações nesse sistema inteiro. Vejam que fácil! Ensinar a ler bem não depende de escola e nem de cibercultura, mas se o caminho for por aí, que seja. O desenvolvimento das pessoas sempre pôde acontecer, mesmo quando os norte-americanos não haviam inventado o computador.
Pesquisas bacanas mostram que, por exemplo, nossos livros didáticos mais bem-formulados, aqueles que são top na avaliação desse tipo de material (que vem sendo feita há bastante tempo pelo governo), evoluem pouco nas questões de leitura, ou seja, os usuários desses livros não são demandados a desenvolver habilidades de leitura mais altas. Quando o livro é muito bom, cheio de provocações interessantes, o professor não o adota na escola, exatamente sob a alegação de que o livro é difícil de usar. O editor, então, passa a solicitar aos bons autores que "peguem leve", para que o livro não fuja muito da média. Vejam que encrenca! Para melhorar a nota no ENEM há uma solução: fazer perguntas mais fáceis. Isso mudaria todas as estatísticas. Não é assim que certas pessoas gostam de resolver as coisas? (E certas políticas...)
Alto lá, mas não vamos sacrificar o professor (mais ainda). Ainda bem que nem todo mundo se seduz pelas promessas das profissões imperiais. Há, sem dúvida, excelentes professores por aí, formados em escolas de ponta. É certo que nem sempre eles trabalham em escolas que os mereçam, mas há quem consiga trabalhar muito bem. Mas professor bem formado é aquele cara que estuda, estuda, estuda. Não se pode ser professor para passar o tempo. E professor bacana investiu, quer ganhar bem (e merece, como qualquer outro profissional). Professor legal quer ser respeitado, ter vida digna e tirar férias com a família. Professor bem-formado quer ser respeitado pela escola, pelo aluno e pelo livro didático. Professor inteligente sabe como formular questões interessantes, pensa em projetos de ensino, formula aulas, tem horizonte. Eles existem, sim. E poderiam existir mais, se pudessem seguir suas carreiras com dignidade.
Enfim, caro leitor, o ciclo se fecha, mas se fecha mal. Vale a pena, no final das contas, oferecer ao seu filho(a) (ou ao seu pai/sua mãe) um ambiente cultural mais motivador, mais exigente, digamos assim. Não apenas pelo ENEM, que vai colocar você na universidade, mas pelo desenvolvimento do país, que não pode ser grande sem pessoas legais e capazes de uma boa comunicação, na língua nacional.
Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 30/7/2010
disponível em: http://www.digestivocultural.com |
[Textos] Presidente da Aprasc é excluído da Polícia Militar pelo comandante-geral
Presidente da Aprasc é excluído da Polícia Militar pelo comandante-geral
O presidente em exercício da Aprasc, sargento Manoel João da Costa, foi excluído pelo comandante geral da Polícia Militar, coronel Luiz da Silva Maciel, no final da tarde desta sexta-feira, 13, por causa da participação no movimento reivindicatório de dezembro de 2008. Para o sargento J. Costa, o ato do comandante é um desrespeito ao Decreto 3.433, assinado pelo governador Leonel Pavan no dia 3 de agosto desse ano, que suspende os processos administrativos em andamento, e a Lei da Anistia (Lei Federal nº 12.191/2010). “O coronel está desrespeitando a vontade do governador, que é o chefe supremo da Polícia Militar, de apaziguar a situação na corporação e anistiar os praças acusados injustamente”, critica.
O próprio comandante havia publicado nota, no dia seguinte ao decreto, em que garantia o retorno à normalidade das atividades dos policiais acusados nos processos referentes a dezembro de 2008.
A medida do comandante da PM vai na contramão da decisão do governador e do entendimento da Justiça estadual, que já determinou a reintegração de três policiais militares expulsos injustamente.
A decisão foi comunicada à assessoria jurídica da Aprasc, no final da tarde, depois que o comandante negou recurso. Logo, a portaria de exclusão deve ser publicada no Boletim do Comando Geral (BCG) e o presidente da Aprasc vai ter que passar por exame médico antes de assinar sua exclusão.
Ele é o 22º policial militar expulso da corporação por participar de manifestação reivindicatória. J. Costa está aposentado (reserva remunerada) desde abril de 2008. Ele ingressou na Polícia Militar em 12 de maio de 1981 e trabalhou em diversos setores.
O presidente em exercício da Aprasc, sargento Manoel João da Costa, foi excluído pelo comandante geral da Polícia Militar, coronel Luiz da Silva Maciel, no final da tarde desta sexta-feira, 13, por causa da participação no movimento reivindicatório de dezembro de 2008. Para o sargento J. Costa, o ato do comandante é um desrespeito ao Decreto 3.433, assinado pelo governador Leonel Pavan no dia 3 de agosto desse ano, que suspende os processos administrativos em andamento, e a Lei da Anistia (Lei Federal nº 12.191/2010). “O coronel está desrespeitando a vontade do governador, que é o chefe supremo da Polícia Militar, de apaziguar a situação na corporação e anistiar os praças acusados injustamente”, critica.
O próprio comandante havia publicado nota, no dia seguinte ao decreto, em que garantia o retorno à normalidade das atividades dos policiais acusados nos processos referentes a dezembro de 2008.
A medida do comandante da PM vai na contramão da decisão do governador e do entendimento da Justiça estadual, que já determinou a reintegração de três policiais militares expulsos injustamente.
A decisão foi comunicada à assessoria jurídica da Aprasc, no final da tarde, depois que o comandante negou recurso. Logo, a portaria de exclusão deve ser publicada no Boletim do Comando Geral (BCG) e o presidente da Aprasc vai ter que passar por exame médico antes de assinar sua exclusão.
Ele é o 22º policial militar expulso da corporação por participar de manifestação reivindicatória. J. Costa está aposentado (reserva remunerada) desde abril de 2008. Ele ingressou na Polícia Militar em 12 de maio de 1981 e trabalhou em diversos setores.
http://www.aprasc.org.br/
[CALCS] INFORME CALCS - AGOSTO 2010
Informes CALCS – Agosto de 2010
Estamos retomando o semestre, e várias coisas estão rolando que precisam ser discutidas. Qual a ação que os estudantes de Ciências Sociais irão tomar frente a elas?
1. Reuni – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. O Reuni foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Desde então, o número de vagas só aumenta, sem que e a infra-estrutura física e de recursos humanos aumente de forma correspondente. O resultado disso é a queda na qualidade do ensino, o aumento de problemas com a assistência estudantil, entre outros.
2. Taxa$ na UFSC – Todos foram pegos de surpresa com a notícia de que a partir de agora os estudantes terão que pagar várias taxas. Além de se tratar de uma
decisão antidemocrática, feita durante as férias, ela fere com os princípios de uma universidade pública e gratuita.
3. Realização da Semana Acadêmica de Ciências Sociais – Este semestre vai acontecer este evento que é organizado e promovido pelos próprios estudantes. A atual gestão do Calcs, “Não Iremos Embora”, tem uma proposta de programação, mas queremos chamar os estudantes para discutir e construir junto.
Por conta disso, estamos chamando todos os estudantes de Ciências Sociais da UFSC para uma reunião ampliada do Calcs para discutir estes e outros temas.
Reunião ampliada do CALCS – Dia 18 de agosto, quarta-feira, às 16:00. Ponto de encontro no próprio CALCS
Estamos retomando o semestre, e várias coisas estão rolando que precisam ser discutidas. Qual a ação que os estudantes de Ciências Sociais irão tomar frente a elas?
1. Reuni – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. O Reuni foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Desde então, o número de vagas só aumenta, sem que e a infra-estrutura física e de recursos humanos aumente de forma correspondente. O resultado disso é a queda na qualidade do ensino, o aumento de problemas com a assistência estudantil, entre outros.
2. Taxa$ na UFSC – Todos foram pegos de surpresa com a notícia de que a partir de agora os estudantes terão que pagar várias taxas. Além de se tratar de uma
decisão antidemocrática, feita durante as férias, ela fere com os princípios de uma universidade pública e gratuita.
3. Realização da Semana Acadêmica de Ciências Sociais – Este semestre vai acontecer este evento que é organizado e promovido pelos próprios estudantes. A atual gestão do Calcs, “Não Iremos Embora”, tem uma proposta de programação, mas queremos chamar os estudantes para discutir e construir junto.
Por conta disso, estamos chamando todos os estudantes de Ciências Sociais da UFSC para uma reunião ampliada do Calcs para discutir estes e outros temas.
Reunião ampliada do CALCS – Dia 18 de agosto, quarta-feira, às 16:00. Ponto de encontro no próprio CALCS
[Textos] [Noam Chomsky] A guerra no Afeganistão: ecos do Vietnã
A guerra no Afeganistão: ecos do Vietnã
Os fuzileiros estão enfrentando um problema que sempre espreitou os conquistadores, e que é muito familiar para os Estados Unidos, desde o Vietnã. Em 1969, Douglas Pike, o mais importante acadêmico governamental nos assuntos do Vietnã lamentou que o inimigo – a Frente de Libertação Nacional (FLN) – era o único partido político verdadeiramente baseado nas massas no Vietnã do Sul”. Qualquer esforço para competir politicamente com esse inimigo seria como um conflito entre uma sardinha e uma baleia, reconheceu Pike. O artigo é de Noam Chomsky.
Noam Chomsky - La Jornada
O War Logs (bússolas da guerra), um arquivo de documentos militares confidenciais que abarcam seis anos da guerra do Afeganistão, publicados na internet pela organização Wikileaks relatam uma luta inflamada e cada dia mais encarniçada, na perspectiva dos Estados Unidos. E, para todos os afegãos, um horror crescente.
Os War Logs, por mais valiosos que sejam, podem contribuir para a doutrina prevalente de que as guerras são algo mau só se não são exitosas – algo assim como o que os nazis sentiram depois de Stalingrado.
No mês passado ocorreu o fiasco do general Stanley A. McChrystal, obrigado a se retirar do comando das forças dos Estados Unidos no Afeganistão e substituído por seu superior, o general David H. Petraeus. Uma provável consequência é um relaxamento das normas de combate, de forma que se torne mais fácil matar civis, e uma prolongamento da guerra à medida que Petraeus use sua influência para conseguir este resultado no Congresso.
O Afeganistão é a principal guerra em curso do presidente Obama. A meta oficial é nos proteger da AlQaeda, uma organização virtual, sem base específica – uma rede de redes e uma resistência sem líderes, como foi chamada na literatura profissional. Agora, ainda mais do que antes, a AlQaeda consiste em facções relativamente independentes, associadas frouxamente ao redor do mundo.
A CIA calcula que entre 50 e 100 ativistas da AlQaeda talvez estejam no Afeganistão, e nada indica que os talibãs desejem repetir o erro de dar refúgio a AlQaeda. Por outro lado, o talibã parece estar bem estabelecido em seu vasto e árduo território, uma grande parte dos territórios pashtun.
Em fevereiro, no primeiro exercício da nova estratégia de Obama, os fuzileiros estadunidenses conquistaram Marja, um distrito menor na província de Helmand, principal centro da insurgência.
Uma vez ali, informa Richard A. Oppel Jr., do The New York Times, “os fuzileiros se chocaram com uma identidade talibã tão dominante que o movimento se assemelha mais a uma organização política numa região de um só partido, com uma influência que abarca a todos...”.
“Temos que reavaliar nossa definição da palavra 'inimigo', disse o general de brigada Larry Nicholson, comandante da brigada expedicionária de fuzileiros na província Helmand. A maioria das pessoas aqui identifica a si mesmas como talibã... Temos que reajustar nossa forma de pensar, de forma que não pareça que estamos expulsando os talibãs de Marja, mas que estejamos tratando de expulsar o inimigo.
Os fuzileiros estão enfrentando um problema que sempre espreitou os conquistadores, e que é muito familiar para os Estados Unidos, desde o Vietnã. Em 1969, Douglas Pike, o mais importante acadêmico governamental nos assuntos do Vietnã lamentou que o inimigo – a Frente de Libertação Nacional (FLN) – era o único partido político verdadeiramente baseado nas massas no Vietnã do Sul”.
Qualquer esforço para competir politicamente com esse inimigo seria como um conflito entre uma sardinha e uma baleia, reconheceu Pike. Em consequência, devíamos superar a força política do FLN recorrendo a nossa vantagem comparativa, a violência – com resultados horrendos.
Outros enfrentaram problemas similares: os russos, por exemplo, no Afeganistão, durante os anos 80, quando ganharam todas as batalhas mas perderam a guerra.
Escrevendo a respeito de outra invasão estadunidense – a das Filipinas em 1989 -, Bruce Cumings, historiador especialista em Ásia na Universidade de Chicago fez uma observação hoje aplicável ao Afeganistão: “quando um fuzileiro vê que sua rota é desastrosa, muda de curso, mas os exércitos imperiais afundam suas botas em areias movediças e seguem marchando, ainda que seja em círculos, enquanto os políticos enfeitam o livro de frases dos ideais estadunidenses”.
Depois do triunfo de Marja, esperava-se que as forças lideradas pelos Estados Unidos atacariam a importante cidade de Kandahar, onde, segundo uma pesquisa do exército estadunidense, a operação militar é rechaçada por 95% da população e onde 5 em cada 6 consideram os talibãs como nossos irmãos afegãos – mais uma vez, ecos de conquistas prévias. Os planos sobre Kandahar foram postergados, e isso foi parte dos antecedentes para a saída de McChrystal.
Dadas essas circunstâncias não é de se estranhar que as autoridades dos Estados Unidos estejam preocupadas com que o apoio popular à guerra no Afeganistão seja ainda mais erodido. Em maio passado a Wikileaks publicou um memorando da CIA acerca de como manter o apoio da Europa à guerra: o subtítulo do memorando era: porque contar com a apatia talvez não seja suficiente.
O perfil discreto da missão no Afeganistão permitiu aos líderes franceses e alemães desprezarem a oposição popular e aumentarem gradualmente suas contribuições às tropas da Força de Assistência à Segurança Nacional (ISAF), assinala o memorando. Berlim e Paris mantêm o terceiro e quarto níveis mais altos de tropas na ISAF, em que pese a oposição de 80% dos pesquisados alemães e franceses a maiores envios de forças. É necessário, em consequência, dissimular as mensagens para impedir ou ao menos conter uma reação negativa.
O memorando da CIA deve nos fazer recordar que os Estados têm um inimigo interno: sua própria população, que deve ser controlada quando a política do Estado tem oposição no povo. As sociedades democráticas dependem não da força, mas da propaganda, manipulando o consenso mediante uma ilusão necessária e uma super-simplificação emocionalmente poderosa, para citar o filósofo favorito de Obama, Reinhold Niebuhr.
A batalha para controlar o inimigo interno, então, segue sendo altamente pertinente – de fato, o futuro da guerra no Afeganistão pode depender dela.
Tradução: Katarina Peixoto
Os War Logs, por mais valiosos que sejam, podem contribuir para a doutrina prevalente de que as guerras são algo mau só se não são exitosas – algo assim como o que os nazis sentiram depois de Stalingrado.
No mês passado ocorreu o fiasco do general Stanley A. McChrystal, obrigado a se retirar do comando das forças dos Estados Unidos no Afeganistão e substituído por seu superior, o general David H. Petraeus. Uma provável consequência é um relaxamento das normas de combate, de forma que se torne mais fácil matar civis, e uma prolongamento da guerra à medida que Petraeus use sua influência para conseguir este resultado no Congresso.
O Afeganistão é a principal guerra em curso do presidente Obama. A meta oficial é nos proteger da AlQaeda, uma organização virtual, sem base específica – uma rede de redes e uma resistência sem líderes, como foi chamada na literatura profissional. Agora, ainda mais do que antes, a AlQaeda consiste em facções relativamente independentes, associadas frouxamente ao redor do mundo.
A CIA calcula que entre 50 e 100 ativistas da AlQaeda talvez estejam no Afeganistão, e nada indica que os talibãs desejem repetir o erro de dar refúgio a AlQaeda. Por outro lado, o talibã parece estar bem estabelecido em seu vasto e árduo território, uma grande parte dos territórios pashtun.
Em fevereiro, no primeiro exercício da nova estratégia de Obama, os fuzileiros estadunidenses conquistaram Marja, um distrito menor na província de Helmand, principal centro da insurgência.
Uma vez ali, informa Richard A. Oppel Jr., do The New York Times, “os fuzileiros se chocaram com uma identidade talibã tão dominante que o movimento se assemelha mais a uma organização política numa região de um só partido, com uma influência que abarca a todos...”.
“Temos que reavaliar nossa definição da palavra 'inimigo', disse o general de brigada Larry Nicholson, comandante da brigada expedicionária de fuzileiros na província Helmand. A maioria das pessoas aqui identifica a si mesmas como talibã... Temos que reajustar nossa forma de pensar, de forma que não pareça que estamos expulsando os talibãs de Marja, mas que estejamos tratando de expulsar o inimigo.
Os fuzileiros estão enfrentando um problema que sempre espreitou os conquistadores, e que é muito familiar para os Estados Unidos, desde o Vietnã. Em 1969, Douglas Pike, o mais importante acadêmico governamental nos assuntos do Vietnã lamentou que o inimigo – a Frente de Libertação Nacional (FLN) – era o único partido político verdadeiramente baseado nas massas no Vietnã do Sul”.
Qualquer esforço para competir politicamente com esse inimigo seria como um conflito entre uma sardinha e uma baleia, reconheceu Pike. Em consequência, devíamos superar a força política do FLN recorrendo a nossa vantagem comparativa, a violência – com resultados horrendos.
Outros enfrentaram problemas similares: os russos, por exemplo, no Afeganistão, durante os anos 80, quando ganharam todas as batalhas mas perderam a guerra.
Escrevendo a respeito de outra invasão estadunidense – a das Filipinas em 1989 -, Bruce Cumings, historiador especialista em Ásia na Universidade de Chicago fez uma observação hoje aplicável ao Afeganistão: “quando um fuzileiro vê que sua rota é desastrosa, muda de curso, mas os exércitos imperiais afundam suas botas em areias movediças e seguem marchando, ainda que seja em círculos, enquanto os políticos enfeitam o livro de frases dos ideais estadunidenses”.
Depois do triunfo de Marja, esperava-se que as forças lideradas pelos Estados Unidos atacariam a importante cidade de Kandahar, onde, segundo uma pesquisa do exército estadunidense, a operação militar é rechaçada por 95% da população e onde 5 em cada 6 consideram os talibãs como nossos irmãos afegãos – mais uma vez, ecos de conquistas prévias. Os planos sobre Kandahar foram postergados, e isso foi parte dos antecedentes para a saída de McChrystal.
Dadas essas circunstâncias não é de se estranhar que as autoridades dos Estados Unidos estejam preocupadas com que o apoio popular à guerra no Afeganistão seja ainda mais erodido. Em maio passado a Wikileaks publicou um memorando da CIA acerca de como manter o apoio da Europa à guerra: o subtítulo do memorando era: porque contar com a apatia talvez não seja suficiente.
O perfil discreto da missão no Afeganistão permitiu aos líderes franceses e alemães desprezarem a oposição popular e aumentarem gradualmente suas contribuições às tropas da Força de Assistência à Segurança Nacional (ISAF), assinala o memorando. Berlim e Paris mantêm o terceiro e quarto níveis mais altos de tropas na ISAF, em que pese a oposição de 80% dos pesquisados alemães e franceses a maiores envios de forças. É necessário, em consequência, dissimular as mensagens para impedir ou ao menos conter uma reação negativa.
O memorando da CIA deve nos fazer recordar que os Estados têm um inimigo interno: sua própria população, que deve ser controlada quando a política do Estado tem oposição no povo. As sociedades democráticas dependem não da força, mas da propaganda, manipulando o consenso mediante uma ilusão necessária e uma super-simplificação emocionalmente poderosa, para citar o filósofo favorito de Obama, Reinhold Niebuhr.
A batalha para controlar o inimigo interno, então, segue sendo altamente pertinente – de fato, o futuro da guerra no Afeganistão pode depender dela.
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