15 de jan. de 2010

[Textos] As Condições de Trabalho e o Processo de Adoecimento dos Trabalhadores Docentes

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO E O PROCESSO DE ADOECIMENTO DOS TRABALHADORES DOCENTES Rosangela Soldatelli 
Fonte: http://www.marxismo.org.br/index.php?pg=artigos_detalhar&artigo=487

Artigo que traz uma análise de fundo sobre as condições de trabalho sob o sistema capitalista e, mais especificamente, dos trabalhadores docentes da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.
 
Este artigo traz uma reflexão sobre o trabalho numa concepção marxista. Procura discutir como o homem se materializa através dele, fazendo um paralelo entre o trabalho desenvolvido dentro das fábricas com o trabalho desenvolvido pelos professores de escolas públicas.

Este trabalho, que na sociedade capitalista está associado diretamente à acumulação do capital, degrada vidas e famílias, destrói o meio ambiente, a saúde de homens e mulheres. E é neste contexto que o artigo também quer avaliar como as condições de trabalho têm interferido no processo de adoecimento dos trabalhadores, destacando em especial os professores.

Com o objetivo de exemplificar nossa discussão, vamos utilizar como foco os professores do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Florianópolis. E, em sendo trabalhadores do serviço público, este artigo discute também o papel do poder público na sociedade capitalista.

Buscaremos resgatar o que as leis trazem sobre condições de trabalho, quais deveriam ser essas condições e como realmente estão. Apontar quais lutas os professores desenvolveram através do seu sindicato para melhorar essas condições, não esquecendo que é impossível estudar o trabalhador docente hoje, sem entendê-lo dentro da sociedade capitalista, sociedade de divisão de classes, de exploração da força de trabalho. E mais, qualquer discussão, cujo objetivo seja superar os problemas enfrentados por esses trabalhadores, precisa necessariamente ser acompanhada de discussões que apresentem perspectivas de superação dessa sociedade onde esse trabalhador está inserido.

Introdução

A saúde do trabalhador, em especial do trabalhador público, tem despertado o interesse e preocupações em especialistas das áreas de saúde, psicologia e trabalhista. Nesse contexto de trabalhador público, os professores têm merecido foco de pesquisas e atenção tanto no Brasil como fora dele.

Direcionando nosso olhar para o trabalhador professor de escola pública, poderemos distinguir dois caminhos distintos de pensamento: se é um professor descrevendo, ele se verá como um trabalhador que adoece mais que todos os outros, que sofre pressões psicológicas e emocionais mais que qualquer outro, com direitos trabalhistas piores que os outros, e principalmente, não se contextualiza na sociedade capitalista, e, portanto, não sofre todas as conseqüências dessa relação.

Se a descrição for feita por alguém que não é professor, alguém que olha a escola de fora, não entende porque tanto sofrimento. Não tem o patrão do lado, não sofre exploração do trabalho, passa o dia com crianças que é algo positivo, enfim, não entende porque tanto sofrimento, tantos afastamentos médicos, tantas readaptações.

Este artigo quer dialogar sobre o trabalho realizado em uma fábrica com o trabalho realizado por um professor de escola pública, pois ambos trabalhadores estão adoecendo, apesar da forma de trabalho ser aparentemente bem diferente.

Compreender o que aproxima os mais variados trabalhos na sociedade capitalista e como se comporta o poder público nessa relação é fundamental para que possamos entender a exploração da mão-de-obra nesses variados trabalhos e principalmente como buscar saídas.

Os professores, seu trabalho e o modo de produção capitalista

Se entrarmos numa escola, principalmente do Ensino Fundamental, poderemos achar que ela funciona como uma verdadeira fábrica: um ritmo na maior parte do tempo alucinante e ao mesmo tempo coordenado.

Se fora do espaço escolar a educação se dá em todos os momentos, se é complexo dizer quem é e quem não é educado, se não se tem limites, se é difícil medir, se não se sabe qual a apropriação que será feita dela, etc., no espaço escolar é diferente: tem um prédio específico, tem horário para iniciar e terminar, na maioria das vezes uniformizados, é medido, tem um planejamento definido sobre o que o aluno deve saber no final de cada série, tem critérios definidos. Enfim, olhando para dentro da escola, para o que acontece, para o que o professor faz, esse trabalho se parece com qualquer outro: tem trabalhadores específicos e especializados divididos em tarefas para cumprir, têm horário para iniciar e terminar, são avaliados constantemente.

Mas será que é assim tão simples? Voltando novamente para dentro de uma escola, veremos professores dizendo “quero ensinar aos meus alunos de forma adequada história, geografia, matemática”.

Portanto mesmo no espaço escolar estamos de novo numa situação difícil de avaliar, difícil de medir. E é o que torna o trabalho do professor muito especial.

Que trabalho é este? Qual seu produto?

O trabalho de forma geral pode ser entendido como a relação do homem com a natureza para a produção de valores de uso necessários à subsistência humana. Nesse sentido, para a existência do ser social, independente do modo de produção, é necessária a existência do trabalho. No entanto, na sociedade capitalista que vivemos o trabalho está associado à essa lógica, à lógica do capital. No capítulo V de O Capital, Marx define o processo de trabalho como uma...
“(...) atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais.” (Marx, O Capital)
Olhemos a situação do sapateiro que usa o couro para fazer sapatos. Nessa relação entre o homem e o couro é que a mágica do trabalho acontece, fazendo com que o couro faça o sapateiro que faz o sapato. O homem através do trabalho se materializa e o produto desse trabalho, faz com que o homem se torne um ser histórico, dá à ele a possibilidade de permanência apesar dele mesmo. O produto desse trabalho possibilita ao homem criar vínculos com outros homens, com nosso passado, com nosso presente; O sapateiro através do sapato se materializa perante o advogado que usará os sapatos.

No caso do professor, seu produto é o aluno educado, e é no aluno educado que ele se materializa, só que numa relação direta, sem mediações.

Através do trabalho o homem modifica a natureza, modifica a si mesmo, produz o produto, e com o produto do trabalho modifica os outros.

No caso do professor, através do trabalho ele modifica a si mesmo e modifica os outros. E essa relação direta do trabalhador-professor com o produto do seu trabalho, o aluno educado, traz várias conseqüências.

Um sapateiro, empregado de uma fábrica de sapatos sob o regime capitalista, pode trabalhar uma vida inteira sem ter a dimensão histórica de seu trabalho. Ele não tem como saber quem vai usar aquele sapato, quanto vai custar, quantos ele fez, se causará felicidade. Enfim, não sabe de onde veio, nem para onde vai. Mas ele pode se ver, se materializar no produto do seu trabalho.

O caso do nosso sapateiro é um bom exemplo para o século XIX.

Se pensarmos num operário da tecnologia do século XXI, onde seu trabalho é dar um simples toque numa tecla do computador, e a partir daí, as funções desencadeadas já não dependem dele, como não dependiam antes, esse trabalhador, que hoje pode dar esse comando de casa, não tem dimensão histórica do seu trabalho, desconhece os desdobramentos, não pode se ver, se materializar no seu produto. É completamente alheio a ele.

Já o professor, tem no seu produto, que é o aluno educado, a dimensão histórica de seu trabalho. Mesmo sendo difícil perceber no seu produto o quanto foi trabalho seu, a sua marca, sua interferência, seu trabalho foi concretizado. O que torna o trabalho do professor ainda mais especial é que o produto, nunca estará pronto. Mesmo que o professor cumpra o planejamento estipulado, mesmo que a avaliação do trabalho seja ótima, o produto é incomensurável.

Fizemos até o momento, rápidas e superficiais aproximações entre o trabalho desenvolvido dentro de uma fábrica e o trabalho desenvolvido dentro de uma escola. Será que podemos avançar um pouco mais?

Vamos iniciar, aprofundando nossa análise no trabalho desenvolvido dentro da fábrica e nos novos modos de produção.

Os trabalhadores, camponeses e artesãos independentes, com a passagem do feudalismo para o capitalismo, foram expropriados dos meios de produção e subsistência, que aos poucos foram se concentrando nas mãos da burguesia. Surgem a partir daí as fábricas e o trabalho coletivo, porém a apropriação seria privada, fazendo com que cada vez mais a riqueza se concentre nas mãos de poucos às custas da miséria crescente da maioria. E essa concentração cada vez maior nas mãos de cada vez menos capitalistas foi possível, significativamente, com a cooperação como forma específica do processo de produção capitalista e a divisão manufatureira do trabalho. No Capítulo XII de O Capital, Marx destaca:
“Esse processo de dissociação começa com a cooperação simples, em que o capitalista representa, diante do trabalhador isolado, a unidade e a vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente de trabalho, recrutando-a para servir ao capital.” (Marx, O Capital)
A divisão manufatureira do trabalho e suas conseqüência aos trabalhadores, representou preocupações para Marx.
“A manufatura propriamente dita não só submete ao comando e à disciplina do capital o trabalhador antes independente, mas também cria uma graduação hierárquica entre os próprios trabalhadores. (...) Deforma o trabalhador monstruosamente, (...) Não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações são distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado (...).” (Marx, O Capital)
A manufatura como produção social, se desenvolve e, atingindo determinado estágio de crescimento, entra em conflito com suas próprias exigências de produção. Surgem então as máquinas.

Em sua obra Principles of political economy (publicada em 1848), diz John Stuart Mill: “É duvidoso que as invenções mecânicas feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano.”

Claro que não! Afinal não foi para isso que surgiram as máquinas. Não foi para reduzir a jornada de trabalho dos homens e mulheres; não foi para tornar a vida mais bela; para que se tivesse mais tempo para a família, lazer, cultura, etc.
“Não é esse o objetivo do capital, quando emprega maquinaria. Esse emprego, como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, tem por fim baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia de trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra parte que ele dá gratuitamente ao capitalista. A máquina é meio para produzir mais-valia.” (Marx, O Capital)
Com a produção mecanizada, o capitalista apropria-se do trabalho de mulheres e crianças, pois a força muscular pode ser substituída pela utilização de membros mais flexíveis; prolonga a jornada de trabalho; e intensifica o trabalho.

As condições de trabalho, já nesta época, chamavam a atenção de Marx quando...
“Os órgãos dos sentidos são, todos eles, igualmente prejudicados pela temperatura artificialmente elevada, pela atmosfera poluída com os resíduos das matérias-primas, pelo barulho ensurdecedor etc. (...).” (Marx, O Capital)
Essa breve explanação, referindo-se ao século XIX, quando da passagem do feudalismo para o capitalismo na Inglaterra, teve o objetivo de chamar a atenção ao fato de que o processo de adoecimento no e do trabalho, remonta justamente a esse período, sendo motivo de preocupações e disputas, tanto por parte dos capitalistas, como por parte dos trabalhadores e suas formas de organização.

Com o passar dos anos, o sistema capitalista de apropriação da força de trabalho, expandiu-se; hoje está em todo mundo. As indústrias modernas, as formas de produção, a necessidade constante de mais e maior produção e por conseqüência mais e maior consumo, as novas tecnologias, a utilização das ciências para valorizar o valor, a participação do Estado cada vez mais e maior na proteção do capital, fizeram mudar a cara do sistema capitalista do século XIX da Inglaterra.

Fizeram mudar a cara, porém na essência continua o mesmo.

Recentemente o sistema capitalista está passando por uma nova crise. E as conseqüências desta são o fechamento de fábricas, destruição de serviços públicos, desemprego, arrocho, dor e sofrimento.

Enquanto o sistema capitalista existir, a burguesia encontrará soluções às suas crises, ou atacando ainda mais a classe trabalhadora como veremos a seguir ou contando com generosas contribuições do “Estado Burguês”, como veremos mais adiante.

Barreto, em seu livro “Violência, Saúde e Trabalho – uma jornada de humilhações”, nos ajuda a entender o que tem acontecido no mundo do trabalho, principalmente com a necessidade capitalista de encontrar alternativas, onde: “Foram estabelecidas novas metas: produzir com qualidade e em quantidade a baixos custos”.

Dentro dessa perspectiva, Barreto defende que, paralelamente às metas estabelecidas pela busca de saídas capitalistas, esse sistema está criando um exército de desempregados, se já não há espaço para os ditos “saudáveis”, ainda mais difícil fica para os que adoeceram.
“As novas tecnologias possibilitaram aumentar o acúmulo de capital, a produção massiva de bens e consumo e estimular a sociedade de consumidores; entretanto, a reestruturação capitalista também está criando uma sociedade de desempregados-despossuídos, impossibilitados de consumir ou mesmo de sobreviver. A exigência quanto à qualidade do produto não acontece paralelamente a uma política firme de proteção à saúde dos trabalhadores. Homens e mulheres, feitos objetos da ganância e da negligência empresarial, adoecem, sofrem acidentes ou morrem suavemente no e do trabalho. Aqueles que adoecem no e do trabalho são demitidos, aumentando o contingente de adoecidos, de marginalizados do processo produtivo, dos bens de consumo e dos serviços da sociedade.”
O que a médica do trabalho, Dra. Margarida Barreto, destaca nada mais é do que o velho exército de reserva de Marx, fundamental ao capital.
“(...) se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa super-população torna-se por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ele constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa.”
A maioria das fábricas de hoje, não são mais as mesmas de um século atrás, muito menos se parecem com as da Inglaterra do século XIX. Hoje basta olhar à nossa volta que não será difícil encontrar um amigo, um parente que seja trabalhador de uma empresa, mas que executa suas tarefas em casa, em frente ao computador, no horário que quer, sem o patrão do lado, sem uniforme; e o salário vem logo em seguida ao término da tarefa.

Ou então como mostra a matéria da Revista Carta Capital de 7 de outubro de 2009 na p.72, “A nova ‘Fábrica”:
“Quando soa o apito da antiga fábrica de tecidos no pequeno município de Poá, (...), não se vêem operários de macacão e marmita de volta à vida ou preparados para começar um novo turno de trabalho. (...) No lugar de veteranos operários, um batalhão formado por imensa maioria de jovens e mulheres. Nos galpões, não há mais nenhuma máquina à vista. No lugar dos teares estão milhares de mesas, separadas por divisórias onde os funcionários se sentam diante de terminais de computador.”
Apesar das dificuldades de dados estatísticos que comprovem o adoecimento no e do trabalho nestas novas formas de produção, nestas formas não tão aparentes e diretas de apropriação da mais-valia, algumas pesquisas demonstram a gravidade do problema. A Revista Ciência & Saúde Coletiva no seu volume 10, nº4, Dez/2005, no artigo “O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da RENAST”, Elizabeth Costa Dias e Maria da Graça Hoefell destacam:
“Apesar da escassez e inconsistência das informações sobre a situação dos trabalhadores, no Brasil, segundo o IBGE, a população economicamente ativa (PEA) é composta por aproximadamente 85 milhões de trabalhadores, dos quais apenas 23 milhões, cerca de um terço, são cobertos pelo Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT). Estima-se que mais de um milhão de trabalhadores são atingidos, a cada ano, por acidente ou agravo relacionado ao trabalho (MS, 2004). Entre 1999 a 2003, a Previdência Social registrou 1.875.190 acidentes de trabalho, sendo 15.293 com óbitos e 72.020 com incapacidade permanente, com uma média de 3.059 óbitos/ano, entre os trabalhadores do setor formal segurados pelo SAT. O coeficiente médio de mortalidade, no mesmo período foi de 14,84 por 100.000 trabalhadores (MPS, 2003).
Pelos números dos auxílios-doenças do Ministério do Trabalho, os problemas musculares continuam liderando o ranking de pedidos de licença. De 2006 para 2008 houve um aumento de mais de 500% (de 19.956 – 117.353). Mas o que vem chamando a atenção dos médicos nos últimos anos é que a ocorrência de doenças relacionadas ao sistema nervoso está cinco vezes maior. Em dois anos subiu de 1.835 para mais de nove mil pedidos (9.306). E nesse mesmo período, os transtornos mentais e comportamentais tiveram um aumento de mais de 1.900%. Foram pouco mais de 600 pedidos de licença para mais de 12.000 (de 612 para 12.818)!

Quem não ficou surpreso ao ver a matéria do jornal Diário Catarinense de 16 de outubro de 2009, “Suicídios na France Telecom – Um funcionário da France Telecom cometeu suicídio ontem, tornando-se o 25º empregado da empresa a se matar nos últimos 20 meses, segundo uma fonte da companhia.”? A matéria termina dizendo: â€œEntre as medidas anunciadas estão o aumento do número de médicos no trabalho e mais psicólogos externos.”

A medida certamente choca tanto quanto a tragédia em si. Aumentar os médicos e psicólogos certamente é uma medida para quem acredita que o problema de adoecimentos no e do trabalho está no trabalhador, que é individual. Essas medidas são importantes, podem até amenizar a “espiral de morte” segundo o presidente da empresa, Didier Lombard. Mas não resolverão. Pois é a reestruturação da empresa que tem gerado pressão sobre os trabalhadores, fazendo com que estes se suicidem. â€œEu muitas vezes ouvi: ‘se você não está contente, vá procurar em outro lugar. Mude de emprego...’.” É o testemunho de Modeste Alcaraz, delegado sindical da Central Sindical Francesa, aposentado da France Telecom (FRANCE TELECOM: O Testemunho de um Sindicalista).

E é de “reestruturações” como a dessa empresa entre outras questões, que o sistema capitalista se alimenta para sobreviver. Portanto, para resolver os problemas de suicídios e adoecimentos no e do trabalho é fundamental o rompimento com esse sistema.

Vamos voltar nossa análise ao espaço escolar, em especial ao espaço escolar público. Até que ponto podemos associar o trabalho desenvolvido dentro de uma fábrica com o trabalho desenvolvido dentro de uma escola pública? Até que ponto o processo de adoecimento dos trabalhadores dentro de uma fábrica pode ser comparado com o processo de adoecimento dentro de uma escola? Podemos pensar em ações que resolvam os problemas de adoecimento no e do trabalho, tanto nas fábricas, como nos novos modos de produção como também nas escolas?

Primeiro é importante destacar, que nossas escolas públicas não são fábricas capitalistas, não trabalhamos com patrões capitalistas ao nosso lado. Não existe alguém lucrando diretamente com o nosso trabalho. No entanto se percebermos, o Estado que é de classe “em sua condição de estrutura de comando político totalizador do capital”, e nós como trabalhadores desse Estado, podemos deduzir que indiretamente somos trabalhadores do capital, e sofremos todas as conseqüências que decorrem dessa relação.

E essa análise não é recente. Já se fazia presente no Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels, publicado em 1848: o Estado é “uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”.

É importante destacar que existe uma polêmica, inclusive entre os pesquisadores marxistas, se o trabalho do professor de escola pública é produtivo ou não-produtivo, se existe mais-valia ou não. Como essa discussão não é o objeto central deste artigo, vamos nos ater na discussão sobre o caráter do trabalho do professor da escola pública.

Como falamos antes, a burguesia busca saídas para suas crises, e é neste objetivo, que vimos o governo federal destinando valores consideráveis para salvar bancos e empresas privadas. Em entrevista concedida para o repórter especial da Folha de São Paulo, Kennedy Alencar, em 22 de outubro de 2009, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva falando sobre a crise responde:
“As coisas não aconteceram aqui como em outras partes do mundo porque nós tomamos medidas imediatas. Liberamos R$ 100 bilhões do depósito compulsório para irrigar o sistema financeiro. Fizemos com que o Banco do Brasil e a Caixa agilizassem mais a liberação de crédito. Fizemos o Banco do Brasil comprar carteiras de bancos menores que estavam prejudicados. Fizemos o Banco do Brasil comprar a Nossa Caixa em São Paulo e comprar 50% do Banco Votorantin. Era preciso que os bancos públicos entrassem em outras fatias do mercado, em que não tinham expertise, como financiar carro usado.”
A não cobrança do IPI de automóveis e vários eletrodomésticos por vários meses fez com que o governo federal deixasse de arrecadar valores significativos. Conforme matéria de Lorena Rodrigues da Folha Online, em Brasília, em 20 de outubro de 2009:
“O Governo Federal deixou de arrecadar R$ 19,5 bilhões de janeiro a setembro com a desoneração tributária adotada por conta da crise econômica, com a redução do IPI de automóveis e para eletrodomésticos. A previsão da Receita Federal é a que a renúncia fiscal com as medidas some R$ 25 bilhões em 2009.
Com isso, parte dessa arrecadação que seria destinada aos estados e municípios não será repassada. Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, divulgados em 31 de março de 2009 pela Empresa Brasil de Comunicações, “A redução de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e a correção da tabela de Imposto de Renda podem provocar prejuízos de cerca de R$ 2 bilhões aos cofres públicos municipais”.

E aprofundam-se as conseqüências sobre os serviços públicos. A maior parte da arrecadação das prefeituras é proveniente de impostos (ICMS, IPI, IPTU, etc) cobrados de empresas, particulares e população. Na medida em que isenções são feitas e/ou as vendas diminuem, a arrecadação tende a diminuir. E isso representa menos investimentos na saúde, transporte e educação.

Portanto, mesmo não querendo entrar na polêmica de produtivo ou não-produtivo, se tem mais-valia ou não, é importante destacar que parte significativa de tudo que o Estado (poder público) arrecada, que deveria reverter em serviços públicos de qualidade para a população, o que significa entre outras coisas, condições dignas de salário e trabalho aos trabalhadores públicos, é destinado a salvar bancos, montadoras, etc. Portanto parte do que deveria ser nossas condições de trabalho é destinado a salvar o capital.

Outra parte considerável do Orçamento Brasileiro é destinada a pagar Juros e Amortizações da Dívida Pública. Os vários dados abaixo, retirados do site da Auditoria Cidadã da Dívida, nos mostram, de que outras formas o Estado Brasileiro está comprometido com o capital:
→ Nos últimos anos, o governo brasileiro antecipou o pagamento de dívidas externas não vencidas (por exemplo, a dívida com o FMI de US$ 15,5 bilhões e resgate antecipado de Bônus Bradies e outros títulos de mais de US$ 10 bilhões), ao mesmo tempo em que emitia aceleradamente dívida interna e permitia livre ingresso de estrangeiros para adquirir os títulos da “Dívida Interna”. Esse movimento significou, na prática, uma troca de dívida externa por dívida interna, que tem sido muito mais rentável aos investidores que especulam com títulos da dívida pública brasileira.

→ De junho de 2005 a julho de 2009 a dívida interna teve um crescimento de 80%.

→ Nos últimos anos, a dívida interna expandiu, chegando a R$ 1,8 trilhão em julho de 2009.

→ Em 2008, os estados e municípios pagaram R$ 30 bilhões de dívida à União.

→ Privilégios aos especuladores geraram no primeiro semestre de 2009 um prejuízo ao Banco Central do Brasil de R$ 93 bilhões. Este prejuízo é coberto sem limites pelo Tesouro Nacional, ou seja, com recursos dos serviços públicos da Saúde, Educação, Segurança, etc, que a população deixa de receber.

→ O Brasil emprestou US$ 10 bilhões ao FMI e aos EUA.

→ Em 2008, os pagamentos com Juros e Amortizações da Dívida Pública consumiram 30,57% dos Recursos Federais. Enquanto isso, áreas sociais fundamentais receberam parcelas muitas vezes inferiores, como no caso da Saúde (4,81%) e Educação (2,57%).

→ Em 2009 (até 4 de abril), o pagamento de Juros e Amortizações da Dívida Pública levou 34,13% do Orçamento Geral da União, enquanto a Saúde (4,98%), Educação (2,20%) e transferências à Estados e Municípios foi de (10,66%). Se considerarmos os gastos com o “refinanciamento da dívida – rolagem”, os gastos com a dívida consumiram 57% do orçamento, o que significa R$ 207 bilhões.

E quais são nossas condições de trabalho?

Pesquisando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) verificamos no artigo 67 que “Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: VI – Condições adequadas de trabalho.”

Como podemos perceber, não define condições adequadas de trabalho e procurando na Lei Estadual de Sistema e também no âmbito municipal, nada encontramos, o que dificulta inclusive aos trabalhadores docentes a cobrança deste item da valorização.

Como entendemos que deveriam ser nossas condições de trabalho: vamos iniciar por destacar a importância da estrutura escolar adequada para “estudar”, “ensinar”, “apreender”. Salas de aulas limpas, ventiladas, arejadas, com claridade adequada, com silêncio externo, com carteiras adequadas em relação ao piso (que ao serem movimentadas não façam muito barulho). Ter materiais de apoio ao ensino de qualidade, em quantidades necessárias, com formação para manuseá-los com tranqüilidade. Uma jornada de trabalho que possibilite leitura/formação, preparação e correção de materiais, alimentação, necessidades higiênicas e biológicas, descanso e lazer, atenção com a família. Um número de alunos em sala de aula que permita atenção adequada a todos. Valorização profissional que garanta salário e plano de carreira dignos. Conviver em um ambiente de relações respeitosas, saudáveis, com espírito coletivo, sem qualquer tipo de preconceito ou assédio moral. Planejar e avaliar tudo o que é desenvolvido na sala de aula e em todo ambiente escolar tendo como objetivo a aferição do trabalho realizado. Não ser responsabilizado unicamente por possíveis reprovações, evasões ou não atingimento de metas. Formação constante proposta pelos órgãos competentes em discussão com os trabalhadores da educação, na área específica e também de âmbito geral com especial atenção ao trabalho com crianças com necessidades especiais. Ter garantido espaço de alimentação saudável e de qualidade durante a jornada de trabalho. Ter transporte adequado para se deslocar ao local de trabalho. Trabalhar em um único local, o mais próximo possível de casa, dos filhos, da família.

Além das questões citadas anteriormente destacaremos outras mais gerais, mas que possuem o mesmo grau de importância: a participação da família na educação dos filhos; no apoio em casa; na garantia de espaço adequado ao estudo; na presença na vida da escola; no acompanhamento efetivo da vida escolar do filho. Trabalhar em um espaço sem violência e sem drogas. Ter reconhecimento profissional da sociedade, dos pais, da direção, das chefias.

Agora vamos para dentro de uma escola do ensino fundamental, verificar como estão, na realidade, as condições de trabalho.

O público que freqüenta nossas escolas públicas municipais são os filhos da classe trabalhadora. Como tal, sofrem cada vez mais com a precarização do trabalho, a falta de emprego, a exploração, o preconceito, a violência, as drogas, conseqüências diretas do modo de produção capitalista. Nossas famílias são essas famílias. E nossos alunos, são os filhos dessas famílias. Portanto, no geral, não temos a participação desses nas escolas. As crianças, em sua ampla maioria, vivem parte do dia sozinhas, no máximo com amigos, irmãos mais velhos ou avós. Problemas com alimentação, higiene, espaço para estudo são constantes. Como a família passa por problemas, acaba não sendo mais referência para seus filhos, e assim enfrenta dificuldades para estimulá-los aos estudos. As longas jornadas de trabalho, o cansaço, a pressão dos problemas financeiros, o desgaste emocional e psíquico fazem com que não exista convívio entre pais e filhos. A falta de diálogo abre espaço para que os “heróis” sejam os da televisão, os da lan house. Por que terão como exemplo os pais?

A estrutura das escolas da Rede Municipal de Florianópolis, se olhadas de fora, são boas. Mas vamos aos detalhes, que é o que fazem o dia-a-dia: as construções antigas foram sendo ampliadas sem projeto, com puxados para todos os lados, fazendo muitas vezes com que uma turma prejudique o trabalho de outra, ou então, que os espaços para brincadeiras e/ou a educação física de uma turma sejam próximas do espaço de estudo de outras. Essas questões somadas com o fato de que circulam pais na escola, profissionais da limpeza, da equipe pedagógica e alunos faz com que muitas vezes tenhamos que estar de porta fechada. Os ventiladores quando ligados são barulhentos. As salas até possuem cortinas, mesmo assim o sol, a claridade, atrapalham o trabalho. As carteiras de ferro com o piso de cerâmica geram muito barulho. Mesmo que se faça um esforço de discutir esse problema com os alunos constantemente, muitas vezes turmas muito grandes impedem o silêncio.

A estrutura relativa a máquinas de fotocópias, computadores, televisores, aparelhos de som, DVDs, etc, normalmente geram estresse. Não são adequados em termos de quantidade nem tampouco qualidade. Normalmente não funcionam e/ou não atendem a todos os alunos.

A jornada de trabalho de um professor de 40 horas é desumana, seja ele de um professor de disciplina específica com sua hora-atividade em tempo, com suas várias turmas diferentes, com seus vários alunos assim como os professores de primeira a quarta séries com sua hora atividade em dinheiro, com suas duas turmas. A ação de planejar, organizar, avaliar requer atenção, dedicação, silêncio e concentração. Questões fundamentais que entram em conflito direto com o tempo que se tem. Além disso, a distância entre o local de trabalho e a moradia faz com que muitos saiam de casa bem cedo e cheguem tarde, fazendo com que o contato com sua família fique prejudicado. A alimentação geralmente é prejudicada ou pela distância entre a escola e o restaurante mais próximo ou pela forma como muitas vezes é feita na própria unidade através de marmitas. Uma alimentação não balanceada pode causar inúmeros problemas de saúde.

Em algumas escolas o número de alunos por turma é o adequado, mas na grande maioria não. Temos muitas turmas com mais de trinta alunos, onde muitas delas já contam com crianças com necessidades especiais que exigem dos professores uma atenção maior. Turmas grandes dificultam aquele atendimento individualizado que muitas vezes é necessário além de ser um motivador da indisciplina.

O plano de carreira dos trabalhadores do magistério, conquistado por muitas lutas, não é ruim. Temos garantido por lei direito a promoção automática por tempo de serviço e aperfeiçoamento. Só é válido para os efetivos e depois que termina o estágio probatório. O grande problema é a falta de tempo para as formações, principalmente para os professores que não possuem hora atividade em tempo.

Pelo fato dos professores terem que atender determinados índices, como se a educação fosse uma empresa, são pressionados a pensar projetos, organizar oficinas constantemente, o que provoca competição, motivando a inveja, o preconceito, criando ambiente tenso e pesado, o que se pode dizer mesmo insalubre. E ao mesmo tempo projetos bem desenvolvidos, trabalhos realizados plenamente não são reconhecidos.

Algumas chefias não reconhecem que as condições de trabalho podem interferir no processo de adoecimento. Isso faz com que exista nas escolas um discurso institucionalizado de que afastamento para tratamento médico e conseqüente readaptação é caracterizado como má vontade de trabalhar, irresponsabilidade profissional, etc. Essa situação faz com que vários professores com problemas de saúde sofram duplamente.

Avaliar tudo que se faz na escola e na sala de aula deve fazer parte do processo de ensino-aprendizagem de todos os professores. No entanto, avaliar tendo como objetivo atender determinados índices representa uma tarefa difícil, principalmente porque escola não é empresa, cujos resultados devem ser imediatos. Como hoje o número de aprovações significa mais verbas para o município, existe toda uma pressão por parte das chefias da Secretaria Municipal de Educação sobre as equipes pedagógicas e direções das escolas, e estas sobre os professores, que transforma o processo de planejar e avaliar quase sem razão de ser. O professor passa a ser o único responsável na ponta pelas possíveis reprovações e/ou evasões.

A formação dos professores é de todas as questões que envolvem a educação talvez a mais importante. A Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis oferece formação aos seus professores numa quantidade boa, no entanto geralmente não é aproveitada de forma adequada. Muitas vezes os professores não são dispensados da aula porque não há quem os substitua; em outras vezes recebem o convite em cima da hora o que inviabiliza a participação; quando participam, muitas vezes, sentem na fala dos palestrantes uma distância grande da realidade da escola e, portanto, não é assimilada. Os temas das formações normalmente se restringem ao melhoramento dos índices, o que acaba desinteressando os professores, e ajudando no fato da não apropriação do conteúdo trabalhado.

As dificuldades enfrentadas pelas famílias e a falta de perspectiva dos jovens, levam vários de nossos alunos a encontrarem nas drogas uma alternativa fácil aos problemas. Os alunos que estão “a trabalho” (leia-se repasse de drogas) dentro de nossas escolas não causam problemas disciplinares, porém também não participam do processo ensino-aprendizagem. Somando essa questão com o fato de que é normal ouvirmos dos pais de nossos alunos comentários como “se não tirar nota boa vou te encher de pau” ou então “meu filho, se você apanhar na escola, trate de bater, pois senão ao chegar em casa apanhará em dobro”, ou ainda “filho meu não leva desaforo para casa”, transforma as relações escolares entre alunos em uma constante guerra camuflada. E os professores, neste meio procuram intervir e realizar o processo de ensino-aprendizagem com poucos progressos.

Após termos destacado algumas das situações das condições de trabalho dos professores da Rede Municipal de Florianópolis, vamos observar a seguir alguns índices de afastamentos médicos coletados em documentos da própria Prefeitura (anos de 2004 e 2005) e no site da Prefeitura (anos de 2007 e 2008):
- Em uma análise preliminar dos dados de 2004, verificou-se que, num universo de 3.574 trabalhadores da Secretaria Municipal de Educação, 1.219 encontravam-se afastados de sua função, sendo 1.016 trabalhadores em licença saúde e 203 trabalhadores em readaptação.

- No ano de 2005, o relatório indica um total de 3.507 trabalhadores da Secretaria Municipal de Educação, sendo que, até o final do mês de junho, 684 trabalhadores se encontravam em situação de afastamento de suas funções de origem, desses últimos, 479 em licença para tratamento de saúde e 205 em readaptação.

- No ano de 2007, a Secretaria Municipal de Educação contou com 2.594 efetivos e 1.176 substitutos, além dos temporários e terceirizados. A contratação de professores substitutos se deu em maior percentual (41,31%), para substituir licenças de saúde. A emissão de portarias se deu em maior percentual (26,31%), também por motivo de licenças de saúde. A ampliação da jornada de trabalho do pessoal civil se deu em maior percentual (39,4%) também por motivo de licenças de saúde. Tivemos neste ano 72 readaptações entre os professores efetivos do Ensino Fundamental, dos quais 33 foram das Séries Iniciais.

- No ano de 2008, a Secretaria Municipal de Educação contou com 2.660 efetivos e 1.231 substitutos além dos temporários e terceirizados. A contratação de professores substitutos acontece novamente em grande parte por afastamentos médicos de professores efetivos, onde o maior número ocorre nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. A emissão de portarias se dá, novamente, em maior parte por motivo de licenças de saúde. Um dado importante deste ano é que nas Séries Iniciais da Educação Fundamental onde 192 são efetivos, temos quase 20% de readaptados (19,79%), assim como na Educação Infantil onde 391 são efetivos, temos também quase 20% de readaptados (19,44%).
Procurando entender se estes dados têm alguma relação com as condições de trabalho pontuadas anteriormente, realizamos várias pesquisas, e encontramos uma quantidade incrível de produções acadêmicas e publicações de livros discutindo a relação entre as condições de trabalho e a saúde do trabalhador docente. Produções que vão das escolas e universidades particulares às escolas e universidades públicas, da educação infantil ao ensino superior.

Ao estudar as produções existentes, percebemos que em todas as esferas, em todos os níveis, se as condições de trabalho não são as causadoras diretas pelos afastamentos médicos e readaptações, contribuem muito para isso.

Existem atualmente estudos que tratam especificamente a saúde vocal, saúde mental, estresse laboral, saúde física e emocional, síndrome de Burnout ou mal estar docente, a saúde docente entre limites, a saúde e a valorização do magistério, as condições de trabalho, a qualidade de vida, entre tantos. No caso dos professores nota-se que esses estudos, quando não fazem associação direta entre condições de trabalho e adoecimento, indicam para uma necessidade urgente de repensar o espaço escolar, as relações humanas, as condições de trabalho, e principalmente indicam que as ações devam sair do plano individual para o plano coletivo do ambiente e da organização do trabalho.

Os professores do Ensino Fundamental juntamente com os demais trabalhadores do Serviço Público Municipal de Florianópolis, impulsionados pelo seu sindicato, sempre lutaram por melhores condições de trabalho e salariais. Em que se pesem todas as dificuldades enfrentadas nas datas-bases, motivadas por uma certa hierarquia de importância entre as cláusulas negociadas, certificamo-nos, que mesmo não aparecendo cláusulas específicas sobre saúde do professor nos acordos coletivos, a preocupação por melhores condições de trabalho está sempre presente.

E essas lutas, ano após ano, conseguiram conquistar direitos e condições de trabalho, que se comparadas com outras redes de ensino, estão em melhor patamar.

Através das lutas, foi possível conquistar seis meses de licença maternidade, um plano de carreira que valoriza tempo de serviço e formação, licença prêmio de três meses a cada cinco anos trabalhados, férias de sessenta e cinco dias no ano, majoritariamente trabalha-se quarenta horas na mesma unidade, hora atividade em tempo para os professores das disciplinas específicas, entre outros. No acordo coletivo entre o sindicato e a Prefeitura Municipal de Florianópolis no ano de 2007 estava presente uma cláusula onde a Prefeitura se responsabilizava por desenvolver ações voltadas à prevenção de adoecimentos no e do trabalho. A partir desta cláusula surge o PROSABES, que desenvolve em várias escolas aulas de yoga, pilates, ginástica, oficinas de saúde vocal, etc.

Então surgem as perguntas: Se os direitos e as condições de trabalho dos professores do Ensino Fundamental de Florianópolis estão, em grande parte, em melhor patamar que professores do Ensino Fundamental de outras cidades ou Estados, porque os índices de adoecimento são os mesmos? Se as características do trabalho do professor são diferentes de outros trabalhos, porque os índices de adoecimento são os mesmos? Em que se unificam?

Marx nos ajuda a entender, por onde buscaremos as respostas às perguntas anteriores, quando destaca “Certa deformação física e espiritual é inseparável mesmo da divisão do trabalho na sociedade,... ataca o indivíduo em suas raízes vitais”.

Marx escreveu essa citação, presente em O Capital, no século XIX, quando o capitalismo dava seus primeiros passos. Hoje, em pleno século XXI, o capitalismo mudou sua cara, aprofundou o processo de exploração, tornou a distância entre a classe burguesa e a classe trabalhadora maior, desencadeou um ritmo de trabalho alucinante, desestruturou as famílias, criou o individualismo e a competição, criou as drogas e as doenças, o medo e a insegurança, transformou homens e mulheres em seres sem sentimento de solidariedade, sem sentimento de indignação. Somos capazes hoje de passar por uma calçada de nossa cidade, ver uma pessoa dormindo no chão enrolado em papelão, e olhar pro outro lado. Vemos sem surpresa o noticiário divulgar mortes de crianças e adultos por balas perdidas de confrontos entre policiais e traficantes logo em seguida do anúncio de um desfile de moda.

É sobre tudo isso que Marx nos alertava quando escreveu sobre a “deformação física e espiritual”. Quando escreveu também sobre a divisão do trabalho na sociedade capitalista, que “a divisão do trabalho ataca o indivíduo em suas raízes vitais”. E é em função disso tudo que os trabalhadores estão adoecendo no e do trabalho. E é por isso, que em última análise, não importa se as condições de trabalho são as melhores ou as piores, se, se é professor ou carpinteiro ou dentista. Os trabalhadores estão em todas as esferas adoecendo.

A construção da superação desta realidade só é possível de ser pensada com a construção da superação do tipo de sociedade que gerou essa realidade. Como quem gerou essa realidade foi a divisão do trabalho, etapa fundamental do capitalismo, é sobre sua superação que precisamos falar.

A divisão do trabalho de que estamos falando é a da sociedade capitalista. Onde tudo o que é feito visa o lucro, visa exploração. A divisão do trabalho em outras sociedades pode representar um fator de desenvolvimento da humanidade. Pode preparar as condições para o desenvolvimento das forças produtivas sobre outras bases que não estejam voltadas ao lucro, e sim ao bem estar de todos.

Lutar através do sindicato, por melhores condições salariais e de trabalho é parte integrante da luta pela derrubada do capitalismo. São fundamentais, caso contrário, o capital através do Estado, explorará ainda mais os trabalhadores, que por sua vez adoecerão ainda mais.

No entanto é importante destacar que somente esta luta não é suficiente. Construir a derrubada do capitalismo deve fazer parte destas luta

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Sabrina Schultz
CSO-UFSC


Sex, 15 de Jan de 2010 12:26 am

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