9 de jul. de 2010

[Textos] Crise, “pós crise” e a centralidade política do trabalho

Crise, “pós crise” e a centralidade política do trabalho

Por Fernando Ponte de Sousa
Em 2008 a economia política parecia correr velozmente para garantir  formidáveis lucros, enquanto  os seus “fundamentos”eram pressionados, conforme a terminologia dos financistas, pelos indicadores que ameaçavam a tranqüilidade dos ganhos financeiros. Era necessário alavancar ou promover saltos especulativos que possibilitassem às transnacionais estarem mais a frente, protegendo seus ativos. Na superficialidade da crônica do jornalismo financeiro, a imagem em V era a desejada: declínio e rápida retomada do crescimento mundial, ao invés da imagem em U, declínio,recessão duradoura e novamente outra fase de ascensão.
Tratava-se de gerir a crise em andamento com os mecanismos de reservas e controles habituais: conter os déficits, ampliar as privatizações e liberação dos mercados e, principalmente, reduzir mais ainda a valorização do trabalho como ACTU (de fato), a força de trabalho realmente ativa, como dizia Marx. Mas esta costumeira receita tem um inconveniente, deve valer para todos, sabendo que todos não a querem, pois a queda na realização atinge mesmo os capitais em fuga.
Lidando com esta forma de contradição sistêmica, outra imagem, a da estabilidade, era insistente e permanentemente estabelecida nos âmbitos econômico, social e político,embora os indicadores sociais demonstrassem o aprofundamento das desigualdades e do extermínio de populações condenadas a não viverem – a estabilidade do sistema não é feita para todos.
No próprio meio de especialistas críticos predominava o convencimento que se queria, para não abalar um fator então defendido como básico: a confiança no sistema. Tratava-se da tentativa de tornar estático o que é dinâmico, as estruturas das formas sociais.
Posto assim, no ano de 2008 a crise desponta mais fortemente, parecendo enfraquecer a capacidade de auto-reforma do modo de produção capitalista, daí a sua apresentação como sendo uma crise conjuntural e financeira – sem atingir os termos da produção propriamente dita e as reservas para sanar a violenta desvalorização em curso.
Quase ninguém falava em crise, esta palavra, e mais ainda seu conceito, não mais fazia parte do léxico da grande imprensa e mesmo das correntes predominantes nas ciências sociais. O mundo pós-moderno, pós-colonial e pós-socialista, esbanjando crédito em si mesmo, não tinha espaço para crises, a não ser de instituições, notadamente sindicatos e partidos e do Estado, pelo seu tamanho e sua gerência e não pela sua substância social.
Isso embora o conceito de crise, estrutural e historicamente, continuasse em uso em autores contemporâneos, quando muito olhados de lado, como MÉSZÁROS( 2002, 2007), ANTUNES (1999), CHESNAIS (1996,2005), WALERSYEIN( 1974,1995,2002), FERNANDES (1975,2006), entre outros, sabedores que o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital.
1 – NAS ONDAS DA CONJUNTURA
A cruzada contra o Estado de Bem-Estar antecedeu a crise defendida como conjuntural e corretiva, que nesta hipótese seria própria do percurso de aperfeiçoamento da internacionalização da economia de mercado. Tal correção seria fruto dos agentes – indivíduos –  racionais da maximização da utilidade que constroem o mercado como uma esfera de encontro e conciliação dos planos individuais e egoístas.No plano discursivo tal proposição também ganha aceitação como políticas públicas e sociais apoiadas nas ciências sociais adeptas das reparações sociais.
Esse alimento da confiança como ingrediente sistêmico e nova forma de domesticar os trabalhadores, não fazia parte das convicções de alguns cronistas mais atentos, que embora adeptos da economia de mercado, tinham suas reservas. Paulo Krugman, o economista laureado em 2008 com o Nobel de economia, nos anos 90 foi um entusiasta defensor deste processo e crítico ideológico dos movimentos antiglobalização que protestavam contra o desemprego. Já em 2006 este colunista do The New York Times, antes de ser laureado com o Nobel, alertava “a coisa está ficando feia”(KRUGMAN,2006,p.B11). Observador dos indicadores especulativos do movimento do capital financeiro, verificava já em 2006 que o estouro da bolha imobiliária nos EUA chegara. Os preços dos imóveis que subiram 57% nos últimos anos despencavam as vendas, abalando – reitera aqui – a confiança das empreiteiras. Tratava-se assim de uma desaceleração levando o setor a uma queda, com o resto da economia, somando-se à intranqüilidade quanto aos rumos do país e a guerra no Iraque.
Dois anos depois (meados de 2008) a grande imprensa parece admitir que já não se trata mais de bolhas imobiliárias.Torna-se corriqueiro no cotidiano da imprensa, nas crônicas especializadas e opiniões dos consultores que algo mais grave está acontecendo e a palavra crise ganha destaque, incluindo nas novelas, colunas sociais,etc. Cumpre aqui destacar que, palavras como reestruturação, globalização, competitividade,flexibilização,mercado, concorrência e outras próximas eram apresentadas como categorias explicativas das profundas mudanças paradigmáticas nesta passagem de milênio.Mas a palavra crise, agora estampada, ganha os noticiários. “Como salvar seu dinheiro”ou “guia  de sobrevivência para salvar seus investimentos”, são manchetes e chamadas apelativas, embora vários países, como o Brasil, ainda se julgavam fora da “crise dos EUA”, apontando apenas diretrizes e decisões do Banco Central , no caso brasileiro, para garantir liquidez do mercado forçando a circulação dos recursos entre os bancos, sem anunciar de público a dificuldade dos mesmos.
Em setembro de 2008,  admitida a recessão nos EUA e que seus impactos negativos podem se irradiar,a discussão que se colocava era de um novo modelo para a economia dos EUA, para que os pacotes financeiros de ajuda do governo pudessem ser mais eficazes, em especial tomar o remédio amargo do desendividamento. Noutras palavras, elevar juros e impostos e forçar as pessoas a economizarem, cortando os exageros nos movimentos do livre mercado.
Em outubro de 2008  esta discussão do modelo não prospera frente aos fatos,a recessão fica visível e os mercados desabam e agora não só nos EUA. Os dados negativos da evolução da economia européia e resultados corporativos ruins desencadearam o pânico nos investidores em  ações, a crise traz consigo não somente a palavra recessão, mas também depressão,isso no 79º. Aniversário do crasch da bolsa de valores de Nova York, refletindo este cenário a OPEP corta a produção de petróleo , mas não segura a queda do preço.
Em novembro de 2008, considerado o pior semestre em 28 anos, os maiores bancos do mundo prevêem, até o segundo semestre de 2009, o maior recuo econômico desde o pós-guerra, em 1945. O chamado mundo rico vai crescer menos, levando seus impactos ao resto do planeta. A palavra crise é mais acentuada, assim como o desendividamento de famílias e empresas – o que significa desemprego em larga escala e ajuste regressivo nos contratos de trabalho. Como controlar a crise, se diminuir o endividamento é diminuir o consumo que precisa se efetivar para realização da economia produtiva?Como diminuir o trabalho, se sem o trabalho a demanda efetiva não existe?
Diante destes paradoxos conjunturais a palavra crise traz consigo mais duas palavras, então fora de importância no glossário das análises dos processos deliberativos e da “boa governança” cidadã: trabalho , sem o que não se mantém a estrutura da sociedade e Estado, um fator extra-mercado, não apenas discursivo-deliberativo,mas interventor. A sociedade do não trabalho e do mercado ou sociedade civil sem o Estado ruiu em bem menos tempo do que aquele tomado para sua construção discursiva.
Em janeiro de 2009 , o presidente eleito dos EUA apresenta ao Congresso, com pedido dramático de urgência, um pacote de estímulo econômico de US$ 800 bilhões . O então denominado Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento,  inclui investimentos em infraestrutura,gastos sociais, ajuda a Estados, estatização de empresas e corporações financeiras à beira da falência.Frente aos dois milhões de empregos perdidos em 2008, a maior queda desde a Segunda Guerra, impôs-se na ordem do dia  que trazer o trabalho à centralidade implicava a aceitação de que apenas o Estado pode reativar a economia. Parecia que agora os excessos de Wall Street e a inação dos políticos eram responsabilizados pelas decisões irresponsáveis e pela desconsideração ao escrutínio regulatório.
Esta nova regulação de articulação entre Estado e trabalho como centralidades tem no Plano Americano de Obama criar 3 milhões de empregos, inclusive no setor público,investir dobradamente em energia,criar empregos com qualificações não exportáveis, além de saúde,educação,infraestrutura,empréstimos aos estados e seguridade social.
O desafio da dificuldade de controlabilidade da crise não é menor em países que pareciam sem ameaças à sua estabilidade, como são os casos mais notáveis  da Inglaterra, onde várias importantes empresas eliminaram de forma significativa postos de trabalho, enquanto continuam as quedas nas vendas de automóveis e imóveis. A Alemanha e a França (dois motores da zona do Euro), também envolvidos em indicadores negativos, propõem uma refundação do sistema financeiro com a criação de um Conselho Econômico da ONU, com o mesmo status de Conselho de Segurança, ou seja, capacidade de intervenções  internacionais em matéria de regulação dos mercados financeiros,taxas de juros e políticas monetárias de todo o mundo. Mais do que a centralidade do Estado, é a proposição de um super-Estado,transnacional, para além das fronteiras nacionais há muito já desrespeitadas pelas empresas transnacionais e pelos Estados imperialistas. E com a mesma justificativa, intervir nos fatores de instabilidade, para uma economia racional de longo prazo.
A dimensão internacional das intervenções do Estado como ente fiscalizador, possuidor e interventor na economia é confirmado pelo caráter mundial da crise, dado que os países mais dinâmicos da Ásia também têm seu crescimento abalado,inclusive a China,( o maior detentor de reservas em moeda norte-americana possuindo  perto de US$ 1 trilhão  em títulos  do Tesouro dos EUA, uma participação de 72% na dívida total de US$3,12 trilhões),trata-se da constatação de uma contração na economia mundial.
Posto assim, o grande risco é que esta situação leve os governos e os legislativos, como expressão das coligações políticas que lhe dão sustentação, à tomarem medidas protecionistas, minando mais ainda o relacionamento entre países líderes, através das retaliações e sufocando mais ainda as economias periféricas.Na lógica do modo de produção capitalista, o protecionismo, que pode ser uma defesa é, contraditoriamente, ruim para todos dado o grau de internacionalização da possível externalização das perdas. Nesta ambiente, o protecionismo não é simples,mesmo para as opções políticas dos Estados-nação , como em alguns países da América Latina, visto que as perdas de empregos deverão superar a contração do mercado de trabalho da última recessão,podendo levar ao aumento da inadimplência e agravar os riscos para os bancos  e para as commodities que já sofrem pressões, principalmente quando vitais à certos países.O aumento do desemprego aumentará a miséria e as tensões sociais daí decorrentes, e isso, como se diz recorrentemente, é fator de instabilidade política.
Posto assim, fenomenicamente, o desafio nesta conjuntura é domar a crise como próprio não do modo de produção capitalista e sim do “liberalismo sem limites”, da “globalização sem ética”, do “capitalismo de cassino”, da “especulação impiedosa”, apresentadas  repetidamente  na grande imprensa como as mazelas agora reveladas,sendo estas as causadoras do desemprego.
A preocupação com o desemprego que coloca centralidade do trabalho pelo lado disfuncional, advém  agora  de todos os setores da economia, embora mais significativamente dos setores mais diretamente dependentes das exportações, incluindo máquinas e equipamentos, onde incidem maior agregação de valor.Se a redução da atividade econômica tem relação direta com a contração do consumo e com a queda dos investimentos,contraditoriamente, o que se requer agora como centralidade – o trabalho – é o mais atingido. Isso se realiza especialmente nas grandes cidades, onde concentra-se o crescimento populacional que é exclusivamente urbano e em grande parte nas periferias das regiões metropolitanas, onde situam-se tanto os trabalhadores com contratos trabalhistas legais, como os informais, e os desocupados.
2 – AS SAÍDAS – NAS SOMBRAS DE 1929
Ao se examinar mais atentamente este “retorno” ao trabalho, à uma centralidade que nunca deixou de existir, a não ser no plano discursivo e ideológico, percebe-se, por outro lado, que o que está em voga é um reenquadramento, sem novidades, desta centralidade.
Num primeiro plano de observação localiza-se que das principais iniciativas patronais, compradoras ou transnacionais, a redução de salários é a grande “saída”. Trata-se de manter a força de trabalho necessária, mas reduzir mais ainda seu ganho. São medidas próximas das iniciativas do New Deal de Theodore Rosevelt (que tomou posse em março de 1933 como Presidente dos EUA), que só teve efeito real com a passagem para uma economia de guerra.
Trata-se de reconhecer a imprescindibilidade do trabalho, mas colocado subsumido mais profundamente ao capital, lidando com o trabalho como força de trabalho, faz desta a mais miserável das mercadorias, porque permanentemente ameaçada de prescindível, na própria condição de valorização do capital.
No caso brasileiro, isso se exemplifica com a defesa da legalidade da redução de salários feita agora recorrendo à lei no. 4.923/67, originada na ditadura militar no governo Castelo Branco. A despeito da Constituição promulgada em 1988 prescrever a irredutibilidade de salários, mas o faz com uma ressalva, a aceitação pela convenção coletiva. A lei do ditador Castelo Branco tem aí um encaminhamento (1),  pois faculta que em face de conjuntura econômica devidamente comprovada, poderá reduzir jornada de trabalho e salários mediante prévio  acordo com a entidade sindical representativa de seus empregados, homologada pela Delegacia Regional do Trabalho . Formalismos jurídicos à parte, que delega ao empregador a iniciativa e o quantum de redução de salários, não necessariamente concernentes com a jornada de trabalho, trata-se de não prescindir do trabalho, mas subtrais salários,”em acordo”com os sindicatos.
Nesta perspectiva de convenção coletiva os presidentes dos sindicatos e das centrais sindicais dos trabalhadores no Brasil ganharam voz já no início de 2009. Aparentemente ocupam um espaço perdido, quando conclamados à este reenquadramento sindical, ao invés de negociarem ganhos ou recuperações das perdas salariais,  negociaram reduções salariais em nome de evitar maiores índices de desemprego.
Nesta nova fase do sindicalismo, o novo sindicalismo (de resistência à ditadura nos anos 70 e 80) e o velho sindicalismo uniram-se em abrirem caminho às empresas. Em reunião  com o Presidente da República, ex-sindicalista do novo sindicalismo, realizada em janeiro de 2009, a bandeira principal das centrais sindicais  foi baixar os juros  para as empresas poderem tomar empréstimos a um custo menor e manterem os empregos , afinal está em jogo também o imposto sindical, um dia de trabalho descontado da folha de pagamento dos trabalhadores,calculado em R$ 112 milhões em 2008 para dividir entre governo e centrais.
Com exceção da COLUTAS, que reuniu-se com o Presidente Lula em separado, o pleito junto ao governo é de pressão para baixar os juros para as empresas, incrementar investimentos através de créditos às mesmas,apesar de não ter garantias de que as empresas recebedoras de dinheiro do governo não demitam. Aí entra, na prática, o segundo elemento deste reenquadramento do novo e velho sindicalismo, para garantir menores índices de desemprego e uma queda menor na arrecadação sindical, negociam redução salarial, a começar pela não reposição das perdas inflacionárias, embora isso também não tenha sido exatamente exitoso dado a continuidade da queda da atividade econômica, inclusive porque o próprio Presidente Lula descartou suspender os financiamentos às empresas como política de manter os empregos (jornal Estado de São Paulo,21/02/2009. P.B3), visto que, na sua argumentação o principal é manter a empresa.
Desta forma, mesmo sindicatos mais autônomos, como o Sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, SP, filiado à CONLUTAS, defronta-se com a decisão unilateral da EMBRAER (com 14 mil trabalhadores) de demitir 4.200 trabalhadores sem negociação com o sindicato, apesar do US$ 8,39 bilhões de financiamento recebido do BNDES (banco do governo que detém 5,2% do capital da empresa)) de 1997 a 2008.desta forma, ficam preservados os lucros dos acionistas com a redução do trabalho, com a ampliação de sua centralidade como produtividade.
Evidente que tais encaminhamentos tornam os sindicatos funcionais ao capital, pois ao invés de representarem os trabalhadores como negação do capital, nesta nova centralidade do trabalho de  reenquadramento sindical, o sistema de gestão sindical administra os trabalhadores dos setores privados e públicos subordinando-os aos ganhos do capital, destituindo-os como sujeitos políticos, as gestões sindicais tornam-se mercadoras de força de trabalho.
É a centralidade do trabalho sem a centralidade política do trabalho, pois impera a centralidade política do capital. Como se fosse possível fatiar a ontologia do trabalho.
3 – OUTRAS SOMBRAS: REPATRIAÇÕES E AGRESSÕES
Apesar do Estado e apesar dos sindicatos refuncionalizados, tal ordem metabólica  desagrega os laços societários humanos e, constatadamente, põe a sociedade  à deriva.
Não é o caso aqui de se referir  às situações de violência urbana e de marginalidade social nas cidades  onde, sem o trabalho,  a sociedade deixa de ser recíproca, mas de destacar outro fenômeno agora mais recorrente. Trata-se da situação dos trabalhadores imigrantes que vagam no mundo inteiro, especialmente nos países que tinham recorrido à força de trabalho imigrante. Na Itália o governo do premiê Silvio Berlusconi aprovou medidas mais duras contra a imigração ilegal depois de restringi-la, incluindo a criação de “rondas de cidadãos”para garantir a  segurança nas ruas, conforme proposto pela militância de tendência xenófoba da Liga do Norte, partido da coalizão de Berlusconi. O decreto complementa outras medidas, como o projeto de lei que permite aos médicos denunciar estrangeiros em situação irregular e outro que prevê pena de até 4 anos para os ilegais que não obedecerem à ordem de expulsão ( jornal O Estado de São Paulo, 21/02/2009,p.A10).
Na Espanha, segundo notícias vinculadas aos consulados do Brasil, embora mais localizados, casos de  intimidação são denunciados  por brasileiros l, assim como agressões inúmeras são recorrentemente noticiadas na Alemanha e em Londres.Em Madri, denúncia feita pelo Sindicato Unificado da Polícia, as delegacias teriam recebido um memorando que define cotas para caçar ilegais, ou seja, a quantidade e nacionalidades de imigrantes a serem presos por semana.
Ainda no caso brasileiro, os maiores “repatriados da crise” são os trabalhadores (30 mil de decasséguis) dispensados de seus empregos na indústria japonesa até dezembro de 2008. Sem contratos trabalhistas que lhes assegurem direitos, muitos estão nas ruas e passando fome, sem recursos nem para voltarem ao Brasil. Segundo estimativa do Ministério das Relações  Exteriores do Brasil, são 320 mil trabalhadores brasileiros no Japão, mais do que isso na Europa e 1,5 milhão nos EUA, onde as dificuldades estão aumentando, e mesmo pessoas que já trabalhavam lá há muitos anos não conseguem o GREEN CARD, terminam por voltar, muito longe das condições idealizadas quando da imigração. A não ser ideologicamente, não se pode dizer bem sucedido um sistema social cuja eficácia do modo de produção reside exatamente no seu contrário, no mal estar civilizatório e na barbárie em ato.
Entretanto foi do Brasil que  partiu  a medida  mais criativa de lidar com a crise: tornar os desempregados  em empresários – embora empresários sem capital. Trata-se do projeto de lei originado do Executivo, formulado pelo ministério da Previdência, de mudar a denominação de 11 milhões de trabalhadores informais à condição de “empreendedores individuais”.Nesta condição poderão contribuir com a arrecadação  da previdência que sofre com o aumento do desemprego e da informalidade,além de alimentar um sonho, trabalhadores que continuarão trabalhadores mas tratados como empreendedores, nada de sindicatos, nada de rebeldia do trabalho, são os novos competidores do mercado. (Jornal Diário Catarinense, 31/05/2009,p.25).
Em suma, medidas ilusionistas à parte, enquanto os governos tomam medidas mais drásticas contra os trabalhadores imigrantes com uma mão, com a outra mobilizam a opinião dos  eleitores em apoio às medidas de socorro às grandes empresas,com créditos volumosos, anistia fiscal e estatização das que estão em situação falimentar.O que se observa é que as estatizações, como na França, mais que na Inglaterra neoliberal, não são controladas pelos trabalhadores, e muito menos apropriadas por estes , distantes da “livre associação de produtores”.
Tais aportes de recursos continuam pautados com esmero nos cortes dos custos trabalhistas, nas exigências de inovações tecnológicas dispensadoras de trabalhadores e de exigências  de gestão flexível, com precarização dos contratos de trabalho, apesar de seus gestores não se dizerem thatcheristas com este ideário, pois agora é corrigido com dozes de dirigismo.
Com estas iniciativas algumas bolhas de euforia já se erguem nos salões repletos de monitores eletrônicos das bolsas que já iniciam festas. Como em meados de março a  abril de 2009 registraram-se recuperação de valorização face os créditos a aportes governamentais, já se fala que o pior já passou, embora os indicadores reais persistam sem sinais de recuperação à curto prazo.
A importância do Estado foi então mais uma vez comprovada como vital para o sistema de produção  capitalista, no que pese os discursos ideológicos que predominaram antes da atual crise. Sem precedentes na história foi lançado pelos governos, praticamente em todo o mundo, um enorme apoio financeiro e político evitando ou adiando o colapso total. A reação esboçada em parte é resultado da injeção de recursos, inclusive fiscais. Mas não suficientes para assegurar tranqüilidade aos capitalistas e seus governos. Na reunião do G20 em setembro de 2009, nos EUA,  o tema central é  como administrar capacidades  fiscais tão díspares e profundos desequilíbrios globais, face ao custo das nações e suas populações para a recuperação da economia; afinal, orientados pelo FMI e seus dados, não é pouca coisa tentar administrar perdas acumuladas do sistema financeiro global estimadas em US$ 4,1 trilhões.
Neste cenário, os sinais de recuperação, como no mercado de trabalho global e  vendas de bens de capital ( que na crise, somente no Brasil demitiram 19 mil trabalhadores) e mesmo a  “virada de humor” dos empresários, como anunciada em pesquisa no Brasil sobre o otimismo com os negócios (considerando expectativas de vendas e de contratações no segundo semestre de 2009), não são suficientes  face a recessão e ao colapso do comércio global que caiu 17% de setembro a dezembro de 2008 com impactos distribuídos em todo o mundo. A Organização Internacional do Trabalho (jornal Valor Econômico, 11,12 e 13 de setembro de 2009,p.A9), apresentou projeção de 210 milhões a 239 milhões de pessoas sem trabalho em 2009, numa alta entre 29 milhões e 59 milhões em relação a 2007. Complementando, a OIT   estima que metade da força de trabalho global, sete vezes maior que o número de desempregados, continuará vulnerável no curto prazo.   Como o custo dos investimentos produtivos do capital são, em última instância, pagos pelos trabalhadores, direta e indiretamente, Já se observa o aumento do trabalho escravo e do trabalho infantil, somando-se aos mais de 50 milhões de pessoas que caem para baixo do nível de extrema pobreza em 2009, conforme previsões   estatísticas do Banco Mundial. Num outro plano, combinado com a avaliação de escassez, os elementos do novo colonialismo avançam sobre os países pobres cedendo e vendendo seus territórios (como na África,  Ásia e América Latina)a  especuladores, governos e fundos de investimentos , tornando emergente o  mercado mundial de terras agrícolas, fazendo grandes negócios numa recolonização planetária  em nome da fome, além dos recursos energéticos,num avassalador processo de maximização de lucros.
Até mesmo no discurso ideológico de fé na perenidade histórica do sistema do capital, vozes que se dizem mais realistas advertem sobre os déficits orçamentários recordes e a política de juro baixo ou perto de zero que vão causar hiperinflação e um possível colapso da economia americana. No dizer do  conhecido “ investidor” suíço Marc Faber, em entrevista recente ( revista Exame,novembro de 2009) : ”nenhuma das causas da crise do último ano foi atacada pelo governo americano… em cinco anos, 40% do orçamento americano será usado para pagar os juros da dívida.E, nesse ponto, a única coisa a fazer é dar calotes e imprimir dinheiro, criando a inflação em larga escala. Haverá um colapso do governo. Os Estados Unidos se transformarão numa república de bananas”. E mais ainda : “haverá instabilidade social em conseqüência disso tudo” (EXAME, 2009,p.44). Mesmo recebido por parte da imprensa especializada em negócios como uma previsão de apocalipse, a possibilidade de que isso não ocorra dependerá do grau de violência utilizada, certamente bem longe da formulação idealizada por Bobbio de eliminar ou ao menos limitar a violência, já em uso numa escala historicamente inédita.
Martin Wolf, considerado o principal comentarista do “Financial Times”, em entrevista  concedida ao jornal Valor, de São Paulo, também não adota a posição otimista em voga neste “pós-crise”, mostrando-se cético com relação ao futuro, advogando que o pior pode não ter passado e que haverá recaídas enquanto a demanda privada não se firmar. Ou seja, aqui a centralidade do trabalho entra como consumo, funcional à retomada da acumulação de capital nos patamares anteriores à recessão embora ainda sob uma “ressaca de dívidas”.
Também do mega especulador Geoge Soros vem um sinal de alerta em seu artigo (Folha de São Paulo, 03 de janeiro de 2010,p.B 5): resume que no históricos das crises, a atual consolida uma gama de incertezas que a economia mundial enfrente em dimensões incomumente ampla. E sentencia ainda que “a recuperação  deve perder o pique e pode até ser seguida por uma segunda desaceleração econômica…”, embora não estipule prazos. Seu diagnóstico, parecendo retirado de um tratado anti-neoliberal, é de que a falsa premissa de que é possível permitir que os mercados financeiros patrulhem a si mesmos foi a cauda do colapso. Argumenta inclusive sobre a impossibilidade de que os países concordem   quanto a uma regulamentação uniforme: “países diferentes têm interesses diferentes, o que os propele a soluções diferentes.
O que o autor do artigo não considera é que um consenso de corte classista atravessa as fronteiras nacionais, trata-se das  propostas de reformas laborais que jogam nas costas dos trabalhadores os custos econômicos , sociais e políticos   da crise. Considerando diferenças de especificidades ou assimetrias interregionais, as bases das reformas laborais (como no caso hora em discussão na zona do Euro),  são sustentadas em medidas que implicam em diminuição dos salários, congelamento dos salários do setor público, diminuição do 13º. salário, e  medidas também extensivas às aposentadorias. Revive-se agora, como disse Patrick Artus  ( diretor de pesquisa da NATIXIX, Le Mond, o7/03/2010),  o que já se passou nas crises anteriores, onde a “diminuição dos salários vais distorcer a distribuição de renda em favor dos lucros”
Também Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel, no seu livro O Terremoto Financeiro : A Primeira Crise Global do Século XXI, prefaciado pelo conhecido financista brasileiro, Arminio Braga , sugere que não é uma boa idéia pensar que o pior já passou, pois esta última crise pode ser apenas a ponta de um longo processo de crises superpostas. Não se trata de uma concordância com Karl Marx, mas uma construção discursiva que apresenta uma direção: é possível minimizar os riscos se forem operadas mudanças, principalmente na correlação das assimetrias entre as condições domésticas e internacionais Certamente isso exige menos resistências às mudanças, ou seja, o capital deve aceitar o Estado como uma mão que segura a crise, condição política para reprimir as ambições dos trabalhadores .
Faz-se necessário então refletir sobre estas questões  para além de aspectos conjunturais.
4 – LIMITES HISTÓRICOS
Cabe destacar aqui o que é dinâmico na lógica de valorização do capital, o trabalho, na subsunção real no capital, como força de trabalho, efetiva-se não apenas como fator de valorização da produção – ainda subsistente de forma complementar e diferenciada – mas como fator de valorização do capital. Com esta subordinação real do trabalho no capital, como lembra Marx no Capítulo VI Inédito de O Capital, efetua-se uma revolução total e contínua, no modo de produção, na produtividade do trabalho e nas relações daí engendradas. Isso significa levar a mais valia ao infinito, prescindindo cada vez mais do trabalho vivo. Este modo, especificamente capitalista, é sua revolução que se move e seu limite histórico. Esta formulação já é conhecida, trata-se agora de entender  se esta conjuntura apresenta indicadores de que sua base já está criada em toda a plenitude – específica (modo de produção capitalista)  total e  mundial – diferente parcialmente da situação de 1929 quando os países semi-coloniais representaram uma margem de expansão de uma transformação total em andamento da “natureza real do processo de trabalho e suas condições” (Marx).
Atualmente, como lembra François Chesnais, a crise econômica combina-se com  a crise climática mundial, envolvendo assim toda a humanidade, onde os recursos bélicos não são capazes de restabelecer  um novo ordenamento, pois trata-se também do esgotamento dos recursos naturais ameaçados. São limites de forças maiores que foram mobilizadas  pela produção capitalista ao superar os limites anteriores,assim como as relações  políticas e trabalhistas, as libertações nacionais, o fortalecimento dos centros imperialistas e agora o recurso ao   capital fictício à sustentar uma demanda insuficiente, formulado em crédito volátil que logo adiante terá um limite maior ainda para ser renovado, pois se o fetichismo permite a imagem do capital sem o trabalho, o seu desenvolvimento implica em valorização de algo que se estabelece  contraditoriamente como um fim em si mesmo com a convertibilidade de tudo em preços.
Trata-se assim de algo mais complexo que uma crise financeira, embora esta fase esteja presente. Se a crise é mais ampla e seus fatores envolvem a humanidade como um todo, é razoável supor que o caminho não se resolve na discussão de índices de crescimento, que podem até apresentar recuperações parciais, mas não aliviará e sim poderá expor parcelas maiores da população à completa fragilidade social. Aqui, já não estamos falando de um sistema histórico, mas como diz Chenais, de catástrofes. O contrário é o senso comum que postula que ao cabo as coisas seguem o seu rumo.
A idéia de que se é verdade que tudo não vai bem, mas vai passar, faz parte de um jogo político regressivo, pois situa a política no plano da enganação. Não estamos falando do que poderá ocorrer, mas do que já está ocorrendo, embora relativizado e por vezes dissimulado pelos interesses que orientam as posições assumidas pelas pessoas e grupos sociais.
Em novembro de 2007, portanto antes da deflagração da crise, István Mészáros, em conferência na Universidade Federal de Santa Catarina, alertava para a aniquilação que nos ameaça. Naquele ano tal proposição parecia uma formulação catastrófica, fora de lugar, embora bem fundamentados os argumentos do livro O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico, lançado nesta ocasião. Em 2008, revendo sua conferência, diante dos desastres ambientais, dos custos das guerras que abalaram as poderosas potencias e do desastre econômico, o que hoje finalmente parece não crível era a ilusão de fazer-se eternamente civilizatório um sistema histórico  crescer mais do que o seu déficit.
Em suma, é presente a insuficiência do modelo de produção e de controle social e de que, como inspira  Mészáros, a abertura radical da história é reconhecer outra forma social de reciprocidade já em andamento. Mas esta possibilidade em andamento exige retomar o trabalho na ontologia do ser, encurralado que foi pelos fascismos e pela barbárie como subproduto do fetichismo.
O sociólogo brasileiro, Florestan Fernandes, em sua vasta obra também inspira a noção de abertura radical da história na crítica à modernização conservadora, que no capitalismo dependente tem na periferia algo não periférico, mas algo constitutivo do que é central no sistema capitalista, trata-se da revolução burguesa como contra-revolução  permanente. Daí sua formulação de que não adianta voltar à  formas sociais pretéritas historicamente. O lugar da centralidade do trabalho está na insurgência dos de baixo em serem inconciliáveis com a barbárie na cultura do dinheiro,”onde a luta de classes, mesmo que noutros discursos em luta, culturaliza a não repetição de esteriótipos nos ornamentos da nostalgia pós-moderna  da burguesia”(JAMENSON,2001,p.206).
Face tais considerações,  sugerimos aqui que as insuficiências das teorias da não centralidade do trabalho não são expostas no discurso em si, e muito menos no mero não reconhecimento dos esforços  de sistematização epistêmica inicial e ad doc, mas no limite histórico demonstrado  de não exigir uma abertura mais radical.
O retorno ao Estado fracassado ( até então rejeitado por ser um recurso extra-mercado), em propiciar o bem estar ou garantir a paz pelas guerras, ou estabilizar a democracia pelos seus totalitarismos, pode ser cativante, pode ser uma concessão ideológica, mas não é exatamente assim.
Algo mais desafiador , pode estar ocorrendo, que não um retorno ao bem-estar e seus controles funcionais à acumulação de capital: o lugar do trabalho pode novamente ser colocado na centralidade, mas subsumido,mais explorado, mais desvalorizado, e ao mesmo tempo mais central como necessidade e não como proposição.
Mas, uma outra centralidade subjacente não continuará mais advogada, a centralidade  política do trabalho.Esta sim é agora abstada como o presente recurso teórico dos pós-modernos e como o atual recurso econômico e político necessário à valorização na cultura do dinheiro.
Nesta fase o antagonismo não está nos termos – não é sem determinação – mas está na negatividade sem síntese, a possibilidade do trabalho como servidão forçada e voluntária , sem emancipação, como empreendedor individual, com ou sem emprego formal, enquanto milhões  de pessoas são oferecidas ao sacrifício em nome da recuperação do conceito de sociedade. Mais do que reforçar os laços neo-coloniais em redefinição, procura-se reforçar os laços do conformismo de classe – para isso os sindicatos do capital voltam a ser importantes e disputados. O outro lado não antagônico do reformismo deste reenquadramento organizacional e, como disse, também sindical , é o sub-fascismo, neutralizar e em certas situações eliminar o insurgente pelo controle social total, das empresas e dos governos, Estado ,instituições educacionais e sociedade civil.
O que se apresenta, na negação da negação, não é pautar a reforma do sistema do capital, é localizar os elementos de sua superação. As experiências ou movimentos anti-sistêmicos que se organizam nesta perspectiva podem não ter sua importância no espetáculo da maior aceitação, mas na sua futuridade. Mesmo os recentes  movimentos de libertação nacional ou de desenvolvimento nacional , que podem ter momentos importantes de apelo popular e de legitimação, submetidos   à valorização do valor nos termos reificados do sistema de produção de mercadorias, não serão de fato anti-capitalistas para além da resistência que lhes for possível, se não forem permanentemente dirigidos como revolucionários . Enquanto não esboçado assim, como negatividade, o trabalho continuará com sua centralidade que estava aparentemente   “interrompida” , secundarizada ou mesmo escondida e que agora é recolocada, mas com outra importância política máxima, ser totalmente  funcional e solidário ao capital totalitário. Mas esta é politicamente uma centralidade do capital ( quase um sujeito automático), não é, como referido antes, a centralidade política do trabalho, que  fora os momentos revolucionários, apenas é reconhecida  juridicamente. Aceitando-se esta direção, em crise,  o outro lado da não centralidade política do trabalho é o fascismo, como uma conhecida fase ou reação contra-revolucionária, desenvolvida nas mais diversas formas de interdição política ou  mesmo eliminação do opositor, do outro que lhe é antagônico sob os olhos do ódio.
Tendo esta tese fundamento a ser desenvolvido, a inversão metodológica que se observa é também teoricamente disciplinar, ir além do confinamento da especialização da sociologia do trabalho, ou da sociologia industrial ou qualquer outra, trata-se do trabalho como negação na militarização das periferias, nos conflitos urbanos, nas migrações, novas gerações sem emprego,multidões de deserdados como “empreendedores”, e, por outro lado,  na resistência do sindicalismo não estatal e  na resistência dos movimentos autônomos onde a ontologia do ser social tem chance. Trata-se de expandir  a sociologia da ontologia do trabalho,da positividade   à crítica do valor,da crítica da consciência, sua problematização a outros campos e extensão de suas fronteiras(tais como : redefinições dos padrões e inovações técnico-científicas, territórios produtivos e poderes locais ,reestruturação da cadeia produtiva,práticas políticas e estratégias gerenciais , o moderno fetichismo como recolonização territorial e ideológica)   ao invés de deixar-se controlar,  muitas  vezes sem  interações dialógicas, por focos analíticos ideológicos que objetivam assegurar o impossível, a sociedade do não trabalho sob o capital.
Mesmo quando formuladas  criticamente ( como em  KURTZ),  a sociedade do não trabalho que virá, parece esboçada como não trabalho predominante desde o moderno capitalismo produtor  de mercadorias como ordem societária planetária.  A crítica teórica pautada no não-trabalho como negação imanente da acumulação capitalista requer um fetichismo absoluto, sem história, porque sem luta de classes, como se a superação da forma social capitalista fosse uma evolução sem revolução. Uma forma abstraída historicamente  de suplantação do trabalho abstrato é o requisito  sem dor e tolerado justamente pela sua real impotência como práxis. Com as revoluções e contra-revoluções ficou mais evidenciado que não é suficiente a crítica da forma jurídica superficial da propriedade privada enquanto se aceita o conteúdo mesmo da reprodução capitalista, a produção de mercadorias, onde o trabalho, não mais como positividade, é fator de valorização do capital e  condição do seu totalitarismo, a valorização do valor. Mas evidenciou também  que o poder, as instituições, “a democracia como apassivamento da vontade popular…e a redução da política à negociação de interesses privados”  (ZIZEK,2009), a “manufatura do consentimento”,   é a própria dominação de classe abstraída das dores das lutas sociais,  buscando a dominação sem resistência  – racistas,sexistas, “etnicistas”,classistas. Posto assim, não se trata de um fim em si irracional que está acima de todos os sujeitos, como uma máquina social cibernética , onde seria a valorização do capital indiferente à dominação como fim , colocando entre parênteses que  o tempo livre de uma classe é fundado e reproduzido  no trabalho (mesmo que o mínimo socialmente necessário) de uma classe inteiramente outra , antagônica,e por isso mesma perigosa.Este é o seu requisito revolucionário que a crise atual  novamente expõe.
Entretanto, no âmbito das lutas sociais em andamento, contrapondo-se  à qualquer possibilidade revolucionária em curso, o outro lado da não centralidade política do trabalho como classe social é  a recolonização e o fascismo. Suas formas podem até não serem  definidas sociologicamente como tipos ideais assim identificáveis, pois são claras e ao mesmo tempo disfarçadas, pois seus protagonistas são proponentes da paz e ao mesmo tempo exterminadores, modernizadores e ao mesmo tempo conservadores e  reacionários, probos e confiáveis e ao mesmo tempo corruptos, democráticos e ao mesmo tempo totalitários,pluralistas e ao mesmo tempo autoritários, podem até ser cômicos e populistas e ao mesmo tempo amparados na violência. Sua identificação analítica não é tipológica, é política, são suas posições nas horas mais decisivas dos embates que movimentam o conteúdo social da crise. Nestes termos, o aprofundamento da crise, mesmo conjunturalmente passageira nos seus indicadores financeiros,não é meramente econômico. O que está em andamento, com a não centralidade política do trabalho, com o sindicalismo como centralidade política do capital, com a vontade popular como “manufatura do consentimento”, com a política como política de negócios, é a contra-revolução permanente.
Entretanto, é necessário  também considerar, que o exame histórico do que aparece como “era dos extremos”, indica que os extremos da contra-revolução surgem  no  seu antagonismo inconciliável, diante das insurgências não conformistas ao imperialismo e à dominação de classe. Onde reside atualmente o não conformismo com a barbárie?
No momento talvez a dificuldade maior não seja as forças políticas  do capital identificarem os seus alvos, mas os seus antagonistas se reconhecerem neste antagonismo.  Mas se então o  caminho para a barbárie está feito, não é o  único, outras  saídas estão abertas. Quais são  estas saídas? Embora não suficiente, a condição prévia para encontrar outras perspectivas  é admiti-las, não fechar-se à história, este é um dos mais importantes ensinamentos que se pode extrair das crises.
1 – Almir Pazzianoto Pinto, ex-ministro do trabalho,ex-presidente do Tribunal Superior do trabalho e ex-advogado trabalhista dos metalúrgicos de São Bernardo na época da ditadura 1964-1984.
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