30 de out. de 2009

[ENADE] Carta sobre o boicote ao ENADE do Curso de Ciências Sociais – UFSC (2008)

Gentes, perdão pela demora, mas coisas de urgência bastante urgente apareceram no meio do caminho.

Afinal de contas, eu prezo pela "minha" graduação.

Att, Mariana.

PS: Fiquem à vontade pra jogar no lixo e dizer que eu não presto pra esse tipo de coisa =D

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Olá, gente. Parabéns pelo trabalho, Mari. Tomei a liberdade de trabalhar um pouco a carta, articulando melhor algumas ideias e enfatizando pequenas coisas que penso que apesar de sutis são importantes.

Penso que o que Lucimara trouxe é importante, e deve ser ponderado. Na verdade, nem sei se ainda adianta refaz^-la. Qual era mesmo o prazo de entrega dela para o Departamento a fim de enviá-la juntamente com outros documentos?

Utilizei a ferramenta "controlar alterações" do WORD, então todas as mudanças que fiz estão explicitadas. Não tive muito tempo de tentar contribuir mais, desenvolvendo mais alguns pontos, mas penso que todos podem tentar contribuir.

Abraços
Vinicius
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Carta sobre o boicote ao ENADE do Curso de Ciências Sociais – UFSC (2008).

Os estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina vêm, através desta, ratificar seu compromisso público e irrestrito com a defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade. E é no sentido de continuar lutando por uma Universidade crítica e criadora, que manifestamos neste documento nossas reflexões coletivas referentes às atuais políticas educacionais, especificamente aos presentes métodos de avaliação do ensino superior brasileiro
No mês de Novembro de 2008, realizamos, como parte de um movimento refletido e articulado entre os estudantes, o boicote à prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), que resultou na nota 1 (um) conferida ao nosso curso. Consideramos que o fato de a nota mínima ser um e não zero evidencia por si só o caráter questionável do Exame, pois este ponto dissimula a possibilidade de evidenciar o que de fato aconteceu: o boicote. Desta maneira, o que transparece no momento de sistematização e rankeamento das notas é um grupo que nada sabe, mas nunca um coletivo que opta por não responder uma prova teoricamente débil e politicamente questionável.
Afinal por qual motivo tivemos esta atitude, justamente nós, estudantes da Universidade Pública, que deve respostas aos problemas da sociedade brasileira? Pois bem, cidadãos, antes de mais nada, tirar nota um não significa que sabemos pouco/ quase nada. No nosso caso, significa que não respondemos às questões da prova por uma série de motivos, a saber:
Resignamos-nos da ausência de posicionamento institucional claro e honesto perante uma avaliação de “nosso conhecimento” adquirido nesta Universidade. Exemplos? Estudantes não sabiam o que era e/ ou para que servia o ENADE. Informações de caráter punitivo do tipo “se você não fizer a prova, todos perdem” eram as que marcavam o tom das conversas. “Será o ENADE um vestibular mais sofisticado?” “Qual será o conteúdo?”. Isto é esclarecedor? De forma alguma.

Fruto da necessidade consciente de saber o que é o Exame, buscamos estudá-lo. O resultado é estarrecedor insituições privadas apropriam-se de modo indevido e desonesto da prova para divulgar a falsa qualidade de cursos que não possuem a menor estrutura física e docente de funcionamento. Vejam quantas Universidades privadas colocam a nota do ENADE na sua propaganda, para angariar estudantes que não recebem a devida informação? Chega-se ao cúmulo de uma Universidade privada colocar “nota 10 no ENADE” como motivo de orgulho – sendo que os senhores que elaboram e corrigem as provas bem sabem que a nota máxima é 5!! O estudante, rodeado de números e mais números, estatísticas e dados muitas vezes duvidosos, soma tudo isso e acaba escolhendo a “Uni-esquina que tira 10 no ENADE”. É sabido que Universidades particulares, para montar a imagem do “10 no ENADE” elaboram aulões e cursinhos e distribuem prêmios para os que acertarem mais. Para quê? Imagem, amigo leitor. Somam-se pequenas coisas, que muitas vezes deixamos escapar, e lá está o estudante fazendo matrícula na Universidade que, adivinhem só!, tira “10 no ENADE”.
Agora vamos às críticas negativas ao ENADE:

  • Não respeita as regionalidades - muitos nos assusta, caros leitores, que os cientistas sociais que elaboraram este “Exame” não respeitam as especificidades de cada região. Chega a ser vergonhoso: a ementa do curso de Ciências Sociais (para citar um exemplo dentre incontáveis) da Universidade do Contestado de Canoinhas possui ênfase em Desenvolvimento Regional (querem que expliquemos a razão, senhores Doutores cientistas sociais, elaboradores do “Exame”?), e difere das disciplinas oferecidas pela UFSC.

  • Incentivo à competição individual - isto explicita o caráter mercantilizador da educação: como exposto acima, cursos que tiram nota superior à máxima do ENADE incentivam o rankeamento individual, o que nos levar a pensar sobre o caráter do Exame. Além disso, o seu método punitivo é objeto de críticas negativas: se o curso X não “vai bem” na prova do ENADE, ele recebe menos recursos do que os “que vão bem”. Não deveria ser o inverso – investir nos cursos, nas Universidades, saber das demandas e dificuldades (se o Exame realmente fosse avaliativo)?

  • O fator rankeamento, acima citado, também é alvo das observações negativas sobre o Exame: ele faz parte do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), que seria o programa de avaliação completo. Esta antiga reivindicação dos estudantes até não agora não funcionou de verdade, tendo em vista que o ENADE apresenta-semuito mais como objeto de propaganda, ao invés de servir aos propósitos que têm sido reivindicados por estudantes e profissionais do ensino (maiores investimentos em cursos públicos, gratuitos e de qualidade; realização de avaliações no sentido lato e estrito dos cursos; etc.).

Outro questionamento feito por nossos colegas e pelos cidadãos que prezam pela qualidade desta Universidade: será que o boicote trará conseqüências danosas ao nosso curso? Refletindo sobre isso, pensamos que, em relação às bolsas de pesquisa que são oferecidas pela UFSC, não. Por duas razões: 1) CNPq: o investimento deste órgão se dá a partir da avaliação do professor (outro ponto a ser questionado), e não pelo aluno. Se o professor apresenta “bom índice de produtividade”, ele recebe X bolsas e, a partir do seu projeto de pesquisa e de seus critérios, os alunos entram no projeto de pesquisa. 2) A outra forma de investimento de bolsa de pesquisa é através da Reitoria: os alunos (juntamente com professores e núcleos e laboratórios de pesquisa) montam um projeto, que é aprovado ou não por órgãos da Reitoria da UFSC, a partir de uma série de critérios.
Um outro questionamento pode ser feito, também: se a prova diz que os alunos possuem uma gama tão rasa de conhecimentos, em que medida isto seria reflexo do trabalho docente? Assim sendo, como poderia um curso composto por um quadro docente “tão ruim”, como o de Ciências Sociais, reivindicar a abertura de outro curso, o de Antropologia? É desnecessário falar que este argumento apenas tenta expor as contradições da lógica desta avaliação. O corpo docente de nosso curso possui, inquestionavelmente, nível de excelência, o que novamente evidencia que a nota recebida no ENADE não corresponde à realidade.
Conversando com colegas que foram convocados para realizar o Exame, pode-se notar algo assustador: a qualidade da prova. Como um futuro cientista social pode se animar em realizar um Exame, para avaliar o que aprendeu até o momento, onde questões como “indique quem são estes sujeitos nesta foto” compõem este Exame? Isso é o que os elaboradores da prova pensam, realmente, sobre as Ciências Sociais? Questões de múltipla escolha são outros pontos a serem observados: como podem, futuros críticos da sociedade, refletirem sobre tal a partir de “assinale verdadeiro ou falso”, ignorando o fato de que o que fazemos é argumentar, discorrer? É um verdadeiro contra-senso avaliar a qualidade da formação de antropólogos, sociólogos e cientistas políticos por meio de questões de múltipla escolha.
A partir das especificidades de cada região de um país de grandes proporções e diversidade como o Brasil, juntamente com a necessidade de realizar uma crítica construtiva sobre nossa sociedade, gostaríamos que os senhores elaboradores e examinadores refletissem de modo qualificado sobre o caráter pedagógico e político do ENADE. Queremos uma prova que avalie, mas não nestes termos. Não concordamos com a elaboração desta prova, e reivindicamos uma real avaliação, que se concentre na reflexão sobre as demandas dos cursos e das Universidades para, daí sim, voltarmos nossas forças e nossas críticas ao ensino, à didática dos professores, às defasagens, etc.
Por outro lado, temos que a avaliação de outros cursos na UFSC demonstram certa disparidade com o cotidiano acadêmico dos estudantes:
- Medicina, em 2004: recebeu o conceito 5 (que é o mais alto, e não 10!), mas em contrapartida teve seu laboratório de Anatomia fechado por faltas de condições.
- Arquitetura, 2008: tirou nota 4. Como efeito compensatório, em tese o curso deveria abrir 10 vagas por vestibular e criar outro curso noturno. Isto aconteceu? Não.
Ou seja, mesmo para os que se esforçam em estudar e ir bem no ENADE, será que os “prêmios” realmente são dados? Até que ponto vale tal esforço?
Com isso, caros leitores, gostaríamos de finalizar dizendo que o curso de Ciências Sociais da UFSC tirou 1 na prova do ENADE não por falta de estudo, ou por outra razão desta natureza; mas sim porque, enquanto cientistas sociais, prezamos por uma avaliação que realmente avalie – e não que acabe se transformando em uma máquina de propaganda nem de incentivar a competição individual. Afinal de contas, a sociedade preza por uma educação, vejamos, de qualidade.

[ENADE] Carta ENADE reelaborada

Galerinha,
 
Mesmo de longe (estou na Universidade do Porto, desde agosto), estou a acompanhar o que se passa por aí.
Bem, gostaria, se possível, de fazer algumas sugestões, pode ser?
Acho que seria bem importante que, como argumento central, fosse destacado o fato de que não consideramos que é a prova que evidencia a qualidade ou os defeitos do nosso curso. Todos sabemos que, mesmo nas disciplinas, as provas são instrumentos questionáveis. Além disso, há muito tempo no Brasil (acho que desde a LDB), que se fala de avaliação contínua, do processo de formação, ou seja, os professores não podem nos dar nota só com o resultado de uma prova, ou seja, o ENADE não pode ser o espelho do curso.
A avaliação das condições, dos livros que temos disponíveis, das pesquisas que podemos fazer, de como está nossa formação: acho que é isso que queremos. Sugiro que não destaquem tanto a questão do mercado, da competividade, porque parece que queremos fugir de algo. Acho fundamental que deixem claro que queremos avaliar o curso, sim, mas não fazendo 1 prova, a cada 4 anos....Seria importante solicitar à Coordenação do Curso que fizesse uma avaliação do curso a partir das opiniões de todos os alunos. Não deve ser complicado. Um questionário no site, ou impresso. O que foi feito da avaliação da UFSC, feita há 2 anos atrás? Alguns reclamaram de alguns fatores do centro, do curso...foi feito algo?
Outra coisa, que considero importante abordar: o que significa uma nota 1? Quais as atitudes que o coordenador de curso pode tomar, para melhorar o curso? Alguém sabe se vem alguma indicação? Por exemplo: a nota 1 do teu curso significa que vocês tem que comprar mais livros, aumentar as pesquisas, ter mais aulas de x disciplina ...
A gente sabe que a nota 1 é porque alguns estudantes boicotaram e outros não, mas não sabemos como a nota do ENADE pode ajudar a melhorar, e como melhorar o curso.
Até breve,
 
Lucimara (2005.2)