DEBATE ABERTO
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PNDH3: medo do quê?
A Comissão da Verdade não é revanchista, apenas segue o exemplo de países como Portugal, Espanha, Grécia, Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina que não toleraram agraciar torturadores com nomes de rua como a Sérgio Fleury em São Paulo, enquanto vítimas da ditadura seguem esquecidas.Gisele Ricobom e Larissa Ramina
O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH3 foi lançado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos em dezembro de 2009. Desde então, vem sendo sistematicamente alvo de reação intransigente dos setores mais reacionários da sociedade brasileira.
O PNDH3 não constitui um inédito programa de direitos humanos do governo federal, mas sim uma terceira versão que sucedeu o PNDH1, de 1996, e o PNDH2, de 2002, adotados pelo governo FHC. Portanto, o PNDH3 não é criatura do atual governo, e sim a reedição dos Planos anteriores, com a diferença de que agora está legitimado por vários setores da sociedade que puderam discutir e sugerir o Plano, como resultado da democracia participativa, o que descarta os argumentos falaciosos de que o PNDH3 é uma tentativa de “cubanização” do Brasil ou um projeto ideológico do Presidente Lula, como alguns deputados interpretaram, provavelmente sem ler, o referido documento.
Seguindo a tendência do direito internacional, o Plano estabelece de forma consistente medidas de proteção aos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Mas não é apenas uma declaração direitos, pois identifica programas concretos que devem ser adotados, nomeando as pastas e entidades responsáveis, sugerindo a aprovação de leis e fazendo recomendações ao Judiciário. Constitui, portanto, um avanço inestimável.
Dentre algumas ações, prevê o fortalecimento da agricultura familiar, a descriminalização do aborto, os direitos das minorias, mecanismos de monitoramento de veículos de comunicação, a fiscalização dos latifúndios (num país em que 1% da população controla quase metade das terras), a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, a garantia de direitos àqueles que cometem o pecado da diferença, como gays, lésbicas e travestis, e o direito à memória e à verdade no que se refere à ditadura militar.
Como se poderia esperar a CNBB se rebelou contra o casamento homossexual, o aborto e a restrição de símbolos religiosos em prédios públicos, numa histórica tentativa de manter seus dogmas medievais. O que poucos seriam capaz de prever é que o Ministro da Agricultura e da Defesa pudessem vocalizar a insatisfação conservadora do setor agrário e da defesa, o que é capaz de demonstrar o quanto os Ministros Reinhold Stephanes e Nelson Jobim estão em dissonância com o próprio governo que fazem parte e também com os anseios da sociedade brasileira.
A proposta da criação de uma Comissão da Verdade, que gerou maior debate, tem por objetivo apurar violações de direitos humanos praticadas durante o regime militar(1964-1985), além de identificar agressores e vítimas e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática dessas violações, suas ramificações nos diversos aparelhos de Estado, bem como proibir que espaços públicos sejam agraciados com nomes de torturadores. É, sobretudo, uma atividade de reconstrução da história brasileira, que só os temerários da verdade querem ocultar. Teria apenas papel de investigar os fatos, mas não de punir os implicados, tarefa que se espera da Justiça.
Ademais, o Plano sugere que no âmbito legislativo se respeitem os acordos internacionais e se revisem as propostas legislativas que signifiquem um retrocesso aos direitos humanos. Nesse campo, não há nada no PNDH3 que seja inconstitucional, que revogue a Lei da Anistia ou que retire garantias individuais, muito pelo contrário.
A Comissão da Verdade não é revanchista, apenas segue o exemplo de outros países, como Portugal, Espanha, Grécia, Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina que não toleraram agraciar torturadores com nomes de rua como a Sérgio Fleury em São Paulo, enquanto as vítimas do Estado de violência e exceção permanecem esquecidas, sem o direito à memória e à verdade dos fatos.
Larissa Ramina é Doutora em Direito Internacional da USP e Professora da Unibrasil. Gisele Ricobom é Doutora em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide.
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Matheus Acosta Dallmann
Estudante de Ciências Sociais - UFSC