Postado no blog do Erecs de Blumenau, para quem não tinha lido ainda. É um relato importante, de mais um que caiu no conto da autogestão. Na real, o cara que carregou a parada nas costas
Marcus Vinícius Rossi da Rocha
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Reprodução de um e-mail que enviei para Camila Tribess, do curso de Ciências Sociais da UFPR:
Camila,
por aqui, tudo certo? E com você?
O ERECS Blumenau é, para mim, um assunto meio controverso. Nem sei ao certo por onde começar. Como o evento foi para Blumenau? Como foi a organização? Qual a minha avaliação a respeito? Depois de tudo isso, eu ainda acredito na idéia do evento?
A idéia de "puxar" o ERECS para Blumenau foi sendo costurada durante o encontro em Floripa. Além de uma indefinição sobre a relevância do evento e sobre os rumos e formatos - auto-gestão, com saídas de campo, sem saídas de campo - também havia uma indefinição em relação à rotatividade tradicional em relação ao estado que iria sediar o próximo encontro. Historicamente, existia a noção que nenhum estado deveria sediar o encontro duas vezes seguidas, etc, etc. Isto impediria, a princípio, a realização do encontro em Blumenau.
Além disso, nosso curso em Blumenau tem características muito específicas. Somos muito poucos alunos, enfrentamos a constante ameaça de redução ou mudança da grade curricular, de acordo com as vontades da reitoria; nossos alunos são, em sua maioria, trabalhadores que fazem o curso à noite, se muito tempo e disposição para arranjos políticos e este tipo de distração. Em um contexto amplo, temos pouca capacidade de pressão política, pouca capacidade de mobilização.
Porém, aconteceu no ERECS de Floripa uma espécie de campanha para que o evento acontecesse em Blumenau. Na história recente do ERECS, algumas vezes isto foi cogitado, mas nunca realizado. Algumas pessoas (principamente da UFRG, se não me engano) deram apoio e, apesar de sermos poucos blumenauenses presentes, chegamos a cogitar uma candidatura da FURB como sede do próximo encontro.
A plenária final do encontro em Floripa foi meio desarticulada, meio desanimada. A coisa toda estava caindo aos pedaços e não havia muita integração. Foi um clima estranho. E, para completar o quadro, houve um longo silêncio na plenária final, no momento em que deveria ser decidido o local do próximo encontro. Pode ser que houve algum arranjo no sentido de possilitar nossa candidatura única, não tenho certeza.
Eu mesmo tomei a palavra e "lancei" a candidatura da FURB, ressalvando todos os presentes a respeito das condições que encontrariam no próximo ano: Universidade particular, pouco apoio institucional, o tamanho e peso político do nosso curso, etc. Ainda assim, a candidatura foi aprovada.
Avançamos um ano.
Das pessoas que se comprometeram a realizar o evento em Blumenau, sobrou apenas uma: eu. Alguns saíram do curso, outros descordaram da idéia, outros se desinteressaram. O próprio CA - a organização em si - se isentou de qualquer responsabilidade ou solidariedade. Neste meio tempo, o curso sofria com um êxodo acadêmico intenso e com problemas graves em relação ao relacionamento curso-instituição (problemas com a grade curricular, por exemplo).
Felizmente, alguns bons amigos me ajudaram na organização, mas como é esperado, é um trabalho gigantesco, principalmente na FURB. Inicialmente, não contávamos com o apoio da Universidade em relação ao alojamento e alimentação das pessoas; havia um grande temor em relação à depredação do patrimônio, uso de drogas, etc. Se me perguntar, acho que é uma grande besteira tudo isso, mas a experiência posterior mudou um pouco minha opinião.
Para a questão do alojamento, recorremos a algumas organizações e instituições na cidade, mas em vão. Estava sendo muito duro e estávamos próximos de realmente organizar o evento em um camping, para que houvesse algum lugar para as pessoas dormirem, afinal. Após uma reunião com o Reitor, com a participação do pessoal da organização, alguns professores do curso e, após assinarmos um termo de responsabilidade pelo uso das instalações da Universidade, finalmente tivemos a possibilidade de utilizar as salas de aula para o dormitório e os banheiros do ginásio, sob condições muito específicas. Estávamos sujeitos a um certo controle, mas nos parecia uma boa troca - uma boa recepção, algum conforto, banho quente.
Com algum esforço, preparamos ainda algumas saídas de campo. Uma delas, para um assentamento do MST, outra para uma ocupação urbana da cidade e outra para um parque ecológico. No final das contas, a saída de campo para o parque foi cancelada, devido ao mau tempo. Mas todas as outras estavam encaminhadas: os preparativos junto às comunidades, a reserva do transporte, etc.
Se a preparação foi uma novela, o evento em si foi um filme de terror. O clima, no início, estava muito amigável e tentamos gentilmente deixar muito clara a nossa situação: a fragilidade institucional do curso, as barganhas e esforços que possibilitaram a realização da coisa toda, as regras de comportamento que existiam para o uso do espaço físico da Universidade. Todos deveriam entrar e sair por um acesso único na Universidade, todos deveriam respeitar um horário (até certo ponto muito flexível) para entrar ou sair do Campus. Drogas e álcool deveriam ser evitadas na presença dos seguranças. Eram regras, sim. Estou já imaginando um anarquista de butique mais exaltado praguejando, mas... foi o que conseguimos fazer, dentro de nossas capacidades e limitações. Não havia outra maneira.
Eu poderia descrever dezenas de problemas que aconteceram: pessoas pulando muros e cercas, pessoas discutindo com a vigilância, pessoas utilizando o patrimônio de maneira imprópria. Por muitas vezes - e foram muitas mesmo - eu e um colega tivemos que acalmar a segurança (privada) do Campus e por outras tantas tivemos que bancar os reacionários com as pessoas. Durante o evento todo, dormi pouco mais de cinco horas! Foi um papel triste. Não queria ser o representante da repressão. Mas algumas coisas estavam em jogo: minha responsabilidade, naquele termo que assinei. Vendi minha alma ao diabo universitário para que tudo acontecesse, mas meu corpo e meu bolso ainda estavam lá para responderem pelos desvarios de alguns estudantes; Ainda mais importante era a responsabilidade com o futuro do curso de Ciências Sociais da FURB. Se construímos o evento com a idéia de fortalecer o curso, de dar um novo ânimo para nossos alunos, para mostrar que poderíamos construir algo grande, aquilo valia muito, alguma problematização sobre nossa realidade local. Mas, respeitando certos limites da nossa especificidade. Coisa que não aconteceu, infelizmente. Em momento algum. Uma das saídas de campo, para a qual pagamos um ônibus, foi quase que completamente negligenciada.
Para um bando de universitários que se julgam o supra-sumo da reflexividade, da tolerância, do respeito às iferenças, aquilo foi um fiasco. Me comportei praticamente com um monitor de acampamento de verão. Mas, se isso aconteceu, não foi apenas pelas características especiais de nossa "gente", mas também pelo desrespeito que tiveram por nossa situação. Ao se comportarem feito adolescentes cujos pais pagaram pela estadia na colônia de férias, demonstraram até onde vai nossa real capacidade de mobilização e, principalmente, de compreensão da realidade. Fico com pena de um país onde quatro de anos de ensino superior em ciências humanas produza uma sub-espécie tão vulgar.
Algumas pessoas perceberam nossa aflição, mas a coisa desandou tanto que, na última noite, após uma conversa franca com o chefe da segurança (um proletário, não é? Não queremos sempre protegê-los?) providenciamos a literal evacuação da Universidade. Fizemos com que todos deixassem o alojamento, sob a pena de sermos responsabilizados pelo vandalismo e sermos responsáveis pela total proibição de encontros estudantis de qualquer tipo na FURB. Eu não queria esta responsabilidade sobre os meus ombros.
Paradoxalmente, foi aí que a coisa funcionou. Um pouco por causa do choque, um pouco pela ausência de Regras, a festa que fizemos e as poucas horas de sono no camping para onde todos foram deslocados, foram a melhor parte do evento. A plenária final me fez perceber - com alguma felicidade - que nem todos eram tão descerebrados quanto eu imaginava, houve alguma problematização da coisa toda. Mas, naquele ponto os estragos estavam feitos.
Prefiro nem entrar em detalhes sobre a questão financeira do evento: por culpa de nossa ingenuidade, muitas pessoas participaram do evento, comeram da comida e utilizaram os ônibus das saídas de campo sem gastar um tostão sequer. Pelos meus cálculos, ao menos quinze pessoas tiveram essa brilhante idéia. A inscrição custou, se não me engano, 40 reais. Façam as contas... A auto-gestão é apenas retórica, é uma piada ruim. Fornecemos um infra-estrutura básica para as pessoas: material da cozinha, alimentos, salas de aula para as pessoas realizarem as discussões que bem entendessem. O que presenciei foi apenas apatia: as pessoas não pareciam muito preocupadas em limpar os banheiros, fazer a comida, lavar as panelas. Nossa culpa, talvez, pois contratamos uma jovem senhora para auxiliar na preparação da comida o que significou, na prática, que ela era a cozinheira oficial da colônia de férias. Mas, se minha memória não falha, em momento algum alguém sugeriu que ela fosse dispensada e que os participantes assumissem o total controle da cozinha. Acho que seria muita responsabilidade para uma turma tão preocupada com "jornadas de expansão da mente" e com "discussões políticas maduras".
O tom do meu discurso, obviamente, é um tanto sarcástico. Não preciso explicar, tenho certeza. Talvez, seja necessário apenas dar algum crédito para algumas pessoas: o pessoal da FURB que como eu se esforçou para que as coisas funcionassem, o pessoal das outras Universidades, que participaram do pré-ERECS e ajudaram na organização de uma maneira ou outra. Mas eles sabem o que eu sinto e, se o evento serviu para alguma coisa, foi para criar alguns laços de amizade e afetividade duradouros, ao menos entre a "classe operária" do evento.
O evento funciona? Como troca de experiências? Como fato político? Como crescimento pessoal? Não sei. Para algumas pessoas, certamente. Mas não nos moldes como a coisa é planejada. Não do modo como ela poderia ser. Falando em termos racionais, não sei se vale o esforço da organização. Proporcionar um local agradável para que as pessoas possam estourar um baseado ou encher a cara e, talvez, participar de alguma conversa mais relevante? É muito esforço para quem organiza, simplesmente não é lógico. Entrem todos numa comunidade do Orkut que a coisa funcionará da mesma maneira.
Não sei se vou ao próximo evento. Além da experiência negativa anterior, estou no mestrado e sinto que algumas páginas devem ser viradas. Confesso que tenho um curiosidade mórbida de conferir se as coisas continuam tão terríveis, se as pessoas se esforçarão para participar, mas não posso garantir nada.
Este é o único relato por escrito que fiz a respeito do ERECS. Só consegui fazer isso agora, com algum distanciamento "histórico". Pode ser um pouco amargurado e, com certeza, não é a única versão dos fatos. Foi redigida em um espasmo, de uma só vez. Mas, é a minha opinião segura e consciente. Pode ser reproduzida, distribuída e mencionada livremente. Espero que sirva para alguma coisa.
um grande abraço,
Maiko "Rolo" Spiess
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