20 de mai. de 2009

[Textos] Alguns textos para auxiliar a reflexão do ERECS


 um pouco sobre sociologia no ensino médio,

 Processos de Reforma do Ensino Superior Brasileiro e seus condicionantes
mais... relatório do pré-erecs
e um resumo do projeto falando sobre os gdts!
Vagner Boni
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Notícia: CNE Aprova por Unanimidade Sociologia e Filosofia no Ensino Médio
Car@s amig@s:
Finalmente, após uma luta nacional de dez anos, liderada pelo Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, o Conselho Nacional de Educação, através de sua Câmara de Ensino Básico - CEB/CNE, aprovou, por unanimidade de seus 12 conselheiros, uma resolução que modifica a nº 3/98, que obriga o ensino das disciplinas de sociologia e filosofia em todas as 23 mil escolas de ensino médio no nosso país.
Até a rede globo de televisão foi cobrir a histórica reunião. Os conselheirros, foram aplaudidos por mais de cinco minutos e depois todos ficaram em pé pela histórica e estratégica decisão tomada.
Todos os grandes jornais devem noticiar esse assunto na sua edição de sábado e os jornais estaduais devem fazer a divulgação também.
Agradecemos de público ao colega sociólogo César Calegari, relator principal, incansável construtor da proposta, ao colega Adeum Sauer, também parecerista e ao ex-ministro da Educação Murílio Híngel, que, por unanimidade, assinaram o belo e bem construído texto em defesa do ensino das duas disciplinas. mais de 200 professores e estudantes se fizeram presentes, além da CONTEE, CNTE, a UBES e além do nosso sindicato de SP, vieram o de MG e o da BA, bem como a comissão pó-associação do DF e GO. Justificaram ausência as comissões pró-sindicato do ES e MS e justificou ausência o sindicato de PE. Agora à tarde vamos reunir os colegas de vários estados que se fizeram presentes para discutir e avaliar essa decisão e a vitória que tivemos que tivemos, bem como os desdobramentos da luta nacional.
Os estados terão um ano para se adaptarem e aplicarem a resolução, que agora vale para todos, não é mais optativo, é para valer e tem que ser cumprida. O ministro vai sancionar nos próximos dias. Na segunda já deve estar o texto aprovado no site do CNE, fiquem atentos (como leiam, é imprescindível), os PCNs de sociologia e filosofia que já estão disponíveis no site do MEC.
Era isso, companheiros, colegas e amigos.
Na próxima semana, faremos um boletim mais detalhado e informando os desdobramentos. Formamos um comando nacional de luta ampliado, com mais estados, que integram o atual composto pelas entidades nacionais e integradas pelo Fórum Sul Brasileiro de Ensino de Filosofia e mais as comissões nacionais e executivas dos estudantes de filosofia e ciências sociais. Uma grande vitória. Como tenho dito em matérias que escrevo e nas entrevistas que dei hoje e antes de hoje: isso foi seguramente a maior revolução no ensino brasileiro que temos conhecimento. Não tem para Fernando Azevedo, Rocha Vaz e tantos outros.
Agrademos de público todos os apoios que recebemos dos estados, apesar de algumas ausências sentidas. mas, vamos superar todos os problemas. Agora vamos rumar ao encontro nacional sobre ensino de sociologia e filosofia que vem tendo imensas acolhidas em todos os setores. Agradecemos de público ao apoio que recebemos, nós do Sinsesp, da Apesoesp que nos acolheu e à CNTC, que serviu de base para a nossa luta em Brasília. Forte e fraterno abraço a tod@s.
Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho <http://www.cfh.ufsc.br/~lastro/sociologia/ensino/aprovado.html> Acesso em 20 de maio de 2009.


A DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO

Nise Jinkings

O lugar da sociologia no sistema educacional do Brasil e as possibilidades educativas do professor da disciplina têm sido objeto de debates e reflexões há mais de um século no país. Entretanto, apesar de sua constituição como disciplina científica e da institucionalização de suas atividades de ensino e pesquisa desde a década de 1930, a sociologia mantém presença intermitente no campo escolar, oscilando conforme as condições sócio-culturais e políticas vigentes. O propósito deste texto é analisar esse percurso irregular e as circunstâncias e concepções que marcam a discussão contemporânea sobre as possibilidades e as funções do ensino de ciências sociais, e da sociologia em particular, na escola brasileira de nível médio.

Um tratamento analítico inicial dos dilemas teóricos e metodológicos com os quais a sociologia confronta-se na atualidade é oferecido na primeira parte do trabalho, onde são abordadas algumas dimensões da realidade social contemporânea e suas novas determinações. A apreensão crítica dessa realidade e a possibilidade de desvendamento de suas contradições são desafios que a sociologia, pelas suas indagações e conceituações, busca responder.
Em seu prosseguimento, o trabalho analisa as relações entre sociologia e educação, buscando mostrar que elas se estreitam em momentos de debates e lutas com vistas à construção de um projeto democrático no país. Com efeito, são as condições propiciadas pela desagregação da ordem senhorial e escravocrata no país que fazem florescer a análise sociológica e estimulam sua aplicação na área educacional. Inicialmente introduzida nos currículos do ensino médio e nas antigas escolas normais, em seguida nas faculdades e universidades, a sociologia conquista seu lugar no sistema sócio-cultural brasileiro.
Por fim, a reflexão sobre o ensino da disciplina de sociologia nas escolas de nível médio persegue uma articulação entre os programas e reformas educacionais que introduziram ou excluíram a disciplina da grade curricular dos cursos de ensino médio e as condições sociais, políticas, econômicas e culturais que lhes deram suporte. A análise trás elementos para se pensar a reforma do Ensino Médio que vem sendo implementada no país desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, e sua concepção de educação e sociedade, orgânica às novas exigências do ?capitalismo flexível?. Trata, finalmente, dos desafios colocados às ciências sociais e aos educadores, em face das formas atuais de acumulação capitalista, por meio das quais as tendências destrutivas do regime aparecem em toda a sua concretude.
A sociologia e as transformações do capitalismo contemporâneo
Neste século que se inicia, a sociologia defronta-se com novas potencialidades e desafios advindos das transformações intensas e complexas do seu objeto. Diante de rápidas mudanças que atingem todas as esferas da vida social e repercutem nas formas de pensar e agir, nos sistemas de poder, nas condições de vida e trabalho, nas maneiras de organização espacial e do tempo, a sociologia encontra-se desafiada a repensar e a recriar (mas também a reafirmar) conceitos, formulações e modos de interpretação da realidade social.

São muitos os cientistas sociais que buscam apreender a natureza e o significado das mudanças em curso. Múltiplas interpretações dos movimentos que constituem a sociedade capitalista contemporânea fazem florescer distintas perspectivas e teorias, que se empenham na sua explicação e compreensão. Conceitos e expressões como ?globalização?, ?neoliberalismo?, ?contra-revolução liberal-conservadora?, ?mundialização financeira?, ?aldeia global?, ?modernidade-mundo?, ?mundo virtual?, ?reestruturação produtiva?, ?qualidade total?, aparecem nos estudos e debates sobre as novas configurações do capitalismo e os processos compreendidos nas formas de sociabilidade engendradas. Aspectos como a intensa mobilidade e concentração do capital, os processos de liberalização econômica e de desregulamentação financeira, a mudança veloz das condições técnicas e sociais da produção, a nova divisão internacional do trabalho e a formação de blocos geoeconômicos e geopolíticos, o desenvolvimento vertiginoso da comunicação eletrônica e a constituição de uma cultura de massa em âmbito mundial são retratados nas análises e formulações sobre os sentidos e a dinâmica destes movimentos.

Vista em sua historicidade, a nova realidade social ilumina processos que se vinham desenvolvendo mais intensamente desde o último quartel do século passado, quando o mundo ?resvalou para a instabilidade e a crise?, nas palavras de Eric Hobsbawm. Com efeito, desde meados da década de 1970 uma longa depressão econômica tem caracterizado a conjuntura mundial, fazendo ressurgir contradições inerentes ao capitalismo, em grande medida submersas nos chamados ?anos dourados?, posteriores à Segunda Guerra. Diversos pensadores interpretam esse novo momento da história social, econômica e política mundial como expressão de uma crise capitalista profunda e de um movimento de reorganização do capital, na tentativa de superação deste quadro crítico.

Alguns dos traços mais visíveis dessa crise são a exaustão do modelo produtivo e do padrão de dominação de classe baseados no taylorismo-fordismo; a introdução de formas flexíveis de produção e de contratação de força de trabalho; a expansão sem precedentes da esfera financeira, em ritmo muito superior ao do investimento produtivo; o grande aumento das privatizações em todos os setores da economia.

Ao analisar os movimentos contemporâneos de internacionalização da economia e de concentração do capital que designa ?mundialização financeira?, François Chesnais trata de suas peculiaridades. Em primeiro lugar, desvela seu sentido excludente, ao assinalar que esse novo espaço financeiro mundial é ?fortemente hierarquizado?, sob o predomínio dos Estados Unidos, e polarizado internacionalmente, dividido entre as nações situadas no centro decisório do capitalismo, aquelas que participam de modo subordinado desses movimentos e as que não interessam ao capital. Em segundo lugar, o economista destaca a ?carência de instâncias de supervisão e controle? nesse espaço e a relativa autonomia da esfera financeira face à produção e às autoridades monetárias. Finalmente, Chesnais observa que ?a unidade dos mercados financeiros é assegurada pelos operadores financeiros?, que decidem quais tipos de transação, agentes econômicos e países participarão da mundialização financeira.

Esse ?regime de acumulação predominantemente financeira? tem suas raízes num processo de interação, desde o início da década de 1980, entre o movimento de fortalecimento do capital privado ― industrial e bancário ― e as crescentes dificuldades de valorização do capital produtivo. E sustenta-se nas políticas de liberalização comercial adotadas e difundidas a partir da ?revolução conservadora? desencadeada nos Estados Unidos e na Inglaterra, durante os governos de Ronald Reagan e de Margareth Thatcher, como nos lembra Chesnais. De fato, a mundialização do capital e a liberalização econômica têm se realimentado mutuamente, ?cada avanço de uma reforçando as condições favoráveis a mais um passo da outra?, num movimento que concretiza as receitas neoliberais para a dinamização do desenvolvimento capitalista.

Em seu exame do neoliberalismo como doutrina político-econômica que retorna a princípios do liberalismo clássico para combater o Estado intervencionista e de bem-estar do período fordista-keynesiano, Perry Anderson assinala que é no quadro crítico da década de 1970 que se fortalecem suas bases teóricas e ideológicas. A crise econômica era atribuída, pelos pensadores neoliberais, ao poder dos sindicatos e às suas pressões sobre salários e seguridade social. Sua superação requeria, portanto, a subjugação total dos sindicatos e a imposição de duras reformas políticas e econômicas que ?libertassem? o capital dos limites a ele impostos pelas atividades regulatórias do Estado. Tais idéias transformaram-se em programas práticos quando se consolidou o predomínio de governos conservadores na Europa e nos Estados Unidos na década de 1980, conjugando políticas de desregulamentação e privatização da vida social e econômica a medidas políticas de ataque sistemático aos direitos democráticos.

Octavio Ianni observa que a chamada globalização significa, em sua essência, globalização do capital sob o predomínio do neoliberalismo, como prática e ideologia, no qual se combate inexoravelmente ?tudo o que possa ser ou parecer ?social??. Trata-se, diz ele, ?de alterar hábitos, atitudes, expectativas, procedimentos, instituições e ideais, de modo a abrir ao máximo os espaços para o mercado, a iniciativa privada, a empresa, a corporação e o conglomerado. Deixar que os ?fatores da produção? desenvolvam-se livre e abertamente, além dos territórios e fronteiras, de tal maneira que o florescimento do capitalismo propicie o florescimento da ?liberdade??.

No mundo produtivo, um conjunto amplo de mudanças nas condições técnicas e sociais dos processos de produção é deflagrado pelo capital para enfrentar suas contradições internas e aumentar a força produtiva do trabalho, desde a década de 1970. Um intenso processo de reestruturação ― que adquire configurações distintas nos diferentes países conforme seus níveis de desenvolvimento econômico, as relações de produção estabelecidas nos processos de trabalho e os setores produtivos atingidos ―, modifica o sistema de relações de trabalho que predominou na indústria no decorrer do século passado. O padrão taylorista-fordista de dominação de classe vai sendo mesclado ou substituído por um novo padrão, baseado em processos e mercados de trabalho mais flexíveis, ajustados às flutuações da demanda, no contexto de crescente volatilidade do mercado e de concorrência acirrada entre corporações. Nessa forma contemporânea do trabalho, a mudança tecnológica possibilita a objetivação de funções cerebrais abstratas pelas máquinas informatizadas, substituindo funções manuais e incorporando em certa medida o saber intelectual do trabalho.
Segundo David Harvey, as novas experiências nos ambientes produtivos, associadas a mudanças na vida social e política, podem representar um processo de transição para um outro regime de acumulação, que ele chama de ?acumulação flexível?, marcado pelo confronto com a rigidez do fordismo. Assinalando que o novo regime provavelmente implica ?níveis relativamente altos de desemprego ?estrutural??, ?rápida destruição e reconstrução de habilidades?, ?ganhos modestos de salários reais? e ?retrocesso do poder sindical?, o autor destaca dentre suas características o ?surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional?.

Ao refletir sobre os novos desafios teóricos e metodológicos que os atuais movimentos da sociedade capitalista mundial impõem à sociologia, Ianni assinala que o novo ciclo de globalização do capitalismo, que torna a sociedade civil mundial o principal palco da história e das tensões das forças sociais, engendra uma realidade social que exige novas reflexões, conceitos, interpretações e se constitui no novo emblema da sociologia, abrindo-lhe potencialidades e horizontes.
O autor relembra os principais emblemas que inspiram e polarizam a análise sociológica nos dias de hoje: sociedade nacional, sob o qual nasce a sociologia no século XIX, fruto das revoluções industriais, político-sociais e culturais que abalaram o mundo moderno ocidental; o indivíduo, que adquire proeminência na passagem do século XIX para o século XX, quando a sociologia volta-se para o ator social, a identidade e o cidadão; a sociedade global, como totalidade complexa e realidade social nova que desafia o ensino e a pesquisa desde o final do século passado, envolvendo configurações e dinâmica próprios, com importantes implicações metodológicas, empíricas e epistemológicas para as ciências sociais.

Disciplina científica da modernidade, a sociologia surge e se desenvolve no contexto das fermentações intelectuais e crises sociais produzidas nas modernas sociedades de classes. Florestan Fernandes, ao tratar da herança intelectual da sociologia, ressalta sua vinculação com as condições histórico-sociais de existência, assinalando que foram exigências e necessidades das situações concretas de existência social que levaram à constituição da sociologia como explicação científica do mundo social.

Buscando responder à pergunta sobre que fatores tornaram a sociologia uma necessidade, em determinado momento histórico, Peter Berger observa que ela pode se constituir quando ruíram as estruturas normativas do cristianismo e, mais tarde, a fachada política secular do Estado absolutista, que dominavam o pensamento e a vida cotidiana do homem europeu e se convertiam em espécies de fachadas a ocultar as estruturas sociais e suas contradições. É neste sentido, nos diz Berger, que a perspectiva sociológica pode ser compreendida como um processo de ?ver além das fachadas das estruturas sociais?, de ?furar a cortina de fumaça das versões oficiais da realidade?, portanto, essencialmente crítico e desmistificador.

Mas a análise sociológica, ao mesmo tempo em que contribui para uma compreensão sistemática, totalizante e rigorosa da realidade social, incorpora-se aos movimentos desta realidade e participa de sua constituição. Como assinala Ianni,
a sociologia pode ser vista como uma forma de autoconsciência da realidade social. Essa realidade pode ser local, nacional, regional ou mundial, micro ou macro, mas cabe sempre a possibilidade de que ela possa pensar-se criticamente, com base nos recursos metodológicos e epistemológicos que constituem a sociologia como disciplina científica. [...] Ocorre que a sociologia pode tanto decantar a tessitura e a dinâmica da realidade social como participar da constituição dessa tessitura e dinâmica. Na medida em que o conhecimento sociológico se produz, logo entra na trama das relações sociais, no jogo das forças que organizam e movem, tensionam e rompem a tessitura e a dinâmica da realidade social.

Forma de autoconsciência e de indagação científica da realidade social, a sociologia transforma-se continuamente à medida que se modifica e se complexifica seu objeto, repensando teorias, conceitos e recursos metodológicos, sem perder a dimensão histórica dos fenômenos sociais. Tendo como objeto a vida em sociedade nos seus movimentos e em transformação constante, o pensamento sociológico guarda relação complexa com as condições de existência social e com os desafios e necessidades práticos dos seres humanos, em diferentes momentos de sua história. Ao mesmo tempo, pelas suas conceituações e reflexões, desvenda contradições, singularidades e universalidades constitutivas da realidade social, que implicam possibilidades de crítica e de transformação desta mesma realidade.

Essas são algumas particularidades da sociologia, como ciência social, que transparecem nas suas controvérsias teóricas e metodológicas e envolvem suas atividades de pesquisa e de ensino. Na atualidade, em face de um projeto de sociabilidade que ata a vida social e política aos movimentos do mercado e busca se afirmar como irreversível, os desafios com que se depara a sociologia são os de iluminar a natureza e o significado da dinâmica, das contradições e das relações sociais que emergem nesta nova realidade. Neste sentido, a sociologia pode contribuir para pensar, na sua historicidade, o mundo social resultante do modo como o capital se reproduz em nossos dias.
Sociologia e educação no Brasil

?Somente quem vê algo sociologicamente quer algo socialmente?. Com esta frase, Florestan Fernandes sintetiza o que ele considera uma das funções do ensino de ciências sociais nas escolas e universidades, na sociedade contemporânea: a capacitação dos jovens estudantes para uma participação consciente na vida social e política. Isto na medida que as ciências sociais permitem desobstruir o horizonte intelectual e libertá-lo das concepções tradicionais e religiosas do mundo, assim como dos efeitos sedativos da propaganda?, que manipula a opinião pública para determinados fins e se ?infiltra em nossa mente de fora para dentro?. Nesta perspectiva, as ciências sociais potencializam uma compreensão ampla do mundo social e a formação do novo tipo de homem? que a sociedade atual exige.

Segundo ele, alguns dos entraves históricos ao desenvolvimento e à consolidação das ciências sociais foram as explicações ou justificações da cosmologia popular a respeito de situações da vida social e a crença, generalizada, de ser o conhecimento do senso comum suficiente para a compreensão e a explicação dos fenômenos sociais. Da mesma forma, as concepções religiosas e suas interpretações relativas ao homem e à vida em sociedade entraram muitas vezes em choque com as explicações e o tratamento racional conferido pelas ciências sociais, opondo-se aberta e hostilmente à sua legitimação no campo científico. O autor refere-se também à potencialidade obstrutiva das ações de classes ou grupos sociais dominantes, que consideram inconveniente ou temerária a análise racional das relações sociais e dos valores que justificam ideologicamente seu poder, tidos como naturais e inquestionáveis.

Tais obstáculos ao desenvolvimento das ciências sociais, e da sociologia em particular, remetem às suas própriassingularidades, enquanto investigação científica potencialmente crítica e desmistificadora da vida em sociedade. Como nos ensina a história da sociologia, nem todas as situações sociais e políticas favorecem a reflexão, o ensino e a pesquisa sociológicas. Em regimes totalitários, diz Berger, a ?verdadeira sociologia desaparece imediatamente?.

Quando se analisa a trajetória de institucionalização da sociologia e sua constituição como disciplina científica e acadêmica no Brasil, é notável sua vinculação com as condições sociais, culturais e políticas vigentes. Especialmente no que diz respeito ao ensino de sociologia nos cursos de nível médio, a luta pela incorporação da disciplina como obrigatória nos currículos das escolas se dá em momentos de intensa mudança em todas as dimensões da vida social e de tentativas de construção de um processo democrático no país. Por outro lado, ela se distancia das escolas nos períodos marcados por regimes autoritários e ditatoriais, como o Estado Novo e o regime militar pós 1964.

A sociologia ingressa na comunidade científica e no sistema educacional brasileiro por um percurso diferenciado daquele seguido nos demais países da América Latina, onde ela se firma por meio da sua presença nos cursos de direito. No Brasil, com a expectativa de contribuir para o desmonte das idéias que davam sustentação à ordem patrimonialista e escravocrata, a sociologia chega nos cursos voltados à preparação de educadores do ensino básico, no final do século XIX. Em seguida, como observa Luiz A. Pinto, a disciplina seria incorporada aos currículos escolares do nível médio e no ensino militar, ?como efeito dos ardores positivistas dos oficiais que derrubaram a Monarquia?. O autor lembra que, pela atuação de Benjamin Constant, Ministro da Guerra e depois da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, a disciplina integra-se aos currículos do Ginásio Nacional e da Escola de Formação dos Oficiais e do Exército.

Aqui, como na França de Émile Durkheim, ?arquiteto e herói fundador? do campo científico da sociologia e da sua institucionalização no sistema universitário francês, conforme Renato Ortiz, a ciência social consolida-se como disciplina científica e adquire autonomia epistemológica a partir de sua aplicação na educação. No momento, emergia no país uma nova ordem social, econômica e política, com importantes desdobramentos na cultura e no meio intelectual. Com efeito, as condições propícias ao desenvolvimento das ciências sociais no Brasil verificam-se com a desagregação do regime escravocrata e senhorial e a transição para um regime de classes, quando concepções secularizadas da existência social, explicações racionais da atividade política, econômica e administrativa e a exploração sistemática de recursos técnicos e científicos questionam valores vinculados à ordem escravocrata e patrimonialista. Neste sentido, o significado da desagregação do regime escravocrata e senhorial para o surgimento e a formação da sociologia no Brasil é semelhante ao da revolução burguesa para o seu desenvolvimento na Europa.

A efervescência social, política, intelectual e cultural do início do século XX, expressa em acontecimentos e movimentos como o tenentismo, as lutas operárias, a fundação do Partido Comunista Brasileiro, a Semana de Arte Moderna, as chamadas Revolução de 1930 e Revolução Constitucionalista de 1932, favorecia a reflexão sobre a sociedade brasileira e o sistema capitalista que se estruturava no país. Florestan Fernandes observa que à constituição dessa nova ordem social, associa-se a formação de um novo ambiente cultural e intelectual voltado para o saber racional e o interesse pela análise histórico-sociológica da sociedade brasileira, que se complexifica com a expansão urbana e a industrialização.

O movimento de renovação da arte e da literatura, que se expressou na semana de 1922, seu significado cultural e sua repercussão para as ciências sociais são tratados por Antonio Candido, quando diz que
o modernismo representa um esforço brusco e feliz de reajustamento da cultura às condições sociais e ideológicas, que vinham, desde o fim da monarquia, em lenta mudança, acelerada pelas fissuras que a Primeira Guerra Mundial abriu, também, aqui na estrutura social, econômica e política. A força do Modernismo reside na largueza com que se propôs a encarar a nova situação, facilitando o desenvolvimento até então embrionário da sociologia, da história social, da etnografia, do folclore, da teoria educacional, da teoria política.

Naquelas primeiras décadas do século XX a sociologia desenvolvia-se como ?ponto de vista?, no dizer de Antonio Candido, influenciando a literatura brasileira. Segundo ele, a análise sociológica aparecia em um ?gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte?, ?forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil?. O autor cita obras como Os Sertões, de Euclides da Cunha; História da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero; Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna, As Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda e a obra de Gilberto Freire, como exemplos destas abordagens sociológicas da realidade brasileira.
Lembrando que no período colonial os papéis intelectuais e vinculados à educação foram praticamente monopolizados pelo clero, que operava como força de conservantismo cultural, Florestan Fernandes analisa as mudanças que se operam na esfera da educação e as novas funções a ela atribuídas para responder aos desafios e necessidades da emergente sociedade urbana e democrática.

Segundo ele, a integração da sociologia no sistema sócio-cultural brasileiro se dá no contexto de transformações paralelas na estrutura social e na organização da cultura, que alteram o antigo sistema institucional e ao mesmo tempo criam novas instituições. Em especial nas regiões em que se desenvolveram de modo acelerado os processos de urbanização, de industrialização e de diferenciação social, as mudanças na divisão do trabalho e no sistema escolar estimularam a constituição da sociologia como especialidade e a institucionalização de suas atividades de ensino e pesquisa. Simultaneamente a esta institucionalização, estruturam-se papeis sociais que passam a dar suporte à sociologia como especialidade científica ? professor, assistente, pesquisador, técnico, auxiliar de ensino ? e se organizam em novas bases as tarefas da produção sociológica e o trabalho profissional dos sociólogos, que adquire o caráter de carreira regulada academicamente.

Diversos estudiosos dos condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil referem-se à década de 1930 como o momento no qual se inicia o seu processo de institucionalização. A sociologia, ao lado da antropologia e da ciência política, passa a ser reconhecida como conhecimento especializado, ocupando, enfim, um lugar institucional. Como ressalta Simone Meucci, até meados da década anterior a sociologia tivera presença inexpressiva nos cursos de nível médio. Nos meios intelectuais, cursos livres ocasionais e a publicação de ensaios sobre a vida social brasileira marcaram os momentos iniciais da trajetória da sociologia como disciplina científica no Brasil.

Com efeito, é nos anos 1930 que um conjunto amplo de transformações sociais implica um rompimento mais efetivo com as condições de sociabilidade estabelecidas, radicalizando um movimento de mudança que se desenvolvia desde os primeiros anos do século e implicando na percepção, pelas elites intelectualizadas, da indispensabilidade das análises de cunho sociológico. No período, um conjunto de iniciativas governamentais consolida a vinculação da sociologia à estrutura do sistema nacional de ensino, em especial à formação em nível superior. De acordo com Costa Pinto e Edison Carneiro, os investimentos na institucionalização das ciências sociais resultaram de um entendimento das elites dirigentes quanto à função destas ciências, particularmente da sociologia, como ferramentas de progresso social, que orientariam a ação e contribuiriam para a integração nacional.

De fato, conforme já assinalado, desde os últimos anos do século XIX houve tentativas de inclusão da sociologia nos cursos preparatórios e superiores do sistema educacional brasileiro, sob a influência das idéias positivistas de Auguste Comte. Esse foi, segundo a análise de Florestan Fernandes, o momento inicial do desenvolvimento da reflexão sociológica na sociedade brasileira, quando a sociologia era ?explorada como um recurso parcial e uma perspectiva dependente de interpretação?, com a finalidade de esclarecer relações entre o direito, a literatura, o Estado etc. e a vida social. Neste quadro, as tentativas iniciais de introdução dos estudos sociológicos no sistema educacional do país associaram a sociologia à moral e buscaram formar uma nova mentalidade, mais voltada para as ?ciências positivas?.

Um novo impulso à introdução das ciências sociais nos currículos das escolas de nível médio é dado no contexto das mudanças políticas, sociais e culturais da década de 1920, quando o movimento pela renovação pedagógica, designado de ?Escola Nova?, inspira e orienta reformas educacionais em várias regiões do Brasil. A ?Escola Nova?, que representava diferentes concepções educacionais e pedagógicas, unificou-se em torno de grandes temas como a defesa da escola pública leiga; a formação do ?cidadão? para dirigir ou participar de uma organização política e administrativa mais complexa; a educação como fator de mudança social. Em São Paulo, o movimento destes educadores protagonizou a Reforma Sampaio Dória (1920), que modernizou métodos pedagógicos, ampliou o número de escolas e projetou a Faculdade de Educação; a Reforma Lourenço Filho (1931), que introduziu cursos de aperfeiçoamento para professores primários; a Reforma Fernando de Azevedo (1933), que criou o Instituto de Educação, incorporado posteriormente à Universidade de São Paulo.

Destaca-se no período a Reforma Rocha Vaz (1925), de âmbito nacional, pela qual a sociologia incorpora-se ao sistema de ensino como disciplina obrigatória da 6a. série do curso ginasial, no contexto da crise social e política que assinalou o fim da Primeira República. Em 1931, a Reforma Francisco Campos reforçaria a inserção da sociologia no sistema, determinando sua incorporação nos currículos dos cursos complementares ? com duração de dois anos, dirigidos aos alunos que, após o curso secundário, preparavam-se para ingressar nas faculdades e universidades ? e exigindo seu conteúdo nos exames de seleção para os cursos de nível superior.

Na mesma década, entre 1933 e 1935, a criação de diversas instituições de ensino superior ? Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, Universidade de São Paulo e Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro ? abre novo espaço para a investigação e o ensino de sociologia. A introdução da disciplina nos cursos destas universidades trazia para os primeiros sistematizadores do conhecimento sociológico no Brasil, formados nos cursos de direito, o desafio de convertê-la aos padrões acadêmicos, definindo sua especificidade e seus procedimentos científicos, articulando-a a um campo de pesquisas e constituindo a identidade do sociólogo, como novo profissional especializado.

As transformações que atingiam o Brasil ? de modo desigual e em ritmos diferenciados entre suas diversas regiões ?, implicavam mudanças na composição e na ideologia das camadas sociais dominantes. Vinculadas aos ideais republicanos e liberais, essas camadas conceberam um projeto político-educacional, o qual convertia a Universidade em instrumento de formação das elites dirigentes que promoveriam a ?modernização? da sociedade brasileira.
O incentivo ao ensino de ciências sociais no país, naquele contexto, respondia, portanto, a interesses e preocupações práticas da intelectualidade liberal, com vistas à retomada da hegemonia política perdida após as revoluções de 1930 e 1932. Ao comentar a criação de instituições de ensino superior em São Paulo, como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1934, e a Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, Florestan Fernandes refere-se aos seguintes propósitos dos seus fundadores: formar os futuros membros da elite dirigente e ?intervir na preparação das novas gerações, de modo a proporcionar-lhes técnicas racionais capazes de permitir a solução dos problemas sociais brasileiros sem pressão social nem conflitos?. Desse modo, as ciências sociais ficavam reduzidas a uma espécie de ?engenharia social?, cuja finalidade seria a contenção dos conflitos sociais.

De fato, tais expectativas em relação às funções do ensino de sociologia não se concretizaram e não chegaram a exercer ?nenhum fascínio sobre a imaginação ou as ambições? dos cientistas sociais vinculados às instituições. Como aponta o depoimento de Antonio Cândido, graduado em 1941 pelo curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras da USP.

A importância da Sociologia e Política e da Faculdade foi deslocar a sociologia brasileira das classes dominantes para as classes dominadas. Os grandes nomes da sociologia brasileira eram Gilberto Freire e Oliveira Vianna, que estudavam as classes dominantes, na perspectiva da história. A realidade imediata do Brasil contemporâneo foi estudada pela Escola de Sociologia e pela Faculdade em suas camadas humildes. Samuel Lowrie fez a pesquisa sobre o lixeiro; Gioconda Mussolini estudou os caiçaras; eu estudei o parceiro rural; Egon Schaden, o índio destribalizado; Florestan, o negro. Por assim dizer, nós radicalizamos a sociologia brasileira.

Em abordagem da sociologia brasileira das décadas de 40, 50 e 60, José de Souza Martins observa que ela desenvolveu uma obra interpretativa da realidade social brasileira, que revela descompassos e contradições, em um país dividido, marcado por uma revolução burguesa inconclusa e restrita. Segundo ele, as análises do período, enraizadas nas singularidades históricas, sociais e culturais da sociedade nacional, criam indagações teóricas e práticas que seguem sendo fundamentais para a pesquisa e a reflexão sociológica da atualidade.

Quanto à educação, ela se convertera em objeto sociológico desde a década de 1930, quando cientistas sociais vinculados ao movimento ?Escola Nova?, como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Delgado de Carvalho, dentre outros, buscaram na sociologia os fundamentos científicos para a elaboração de reformas e programas de política educacional. Entretanto é na década de 1950, segundo Débora Mazza, que ela conquista o estatuto de objeto de pesquisa empírica, configurando-se um estreitamento da relação entre educação e ciências sociais. Nessa década, no contexto da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956-1960), cresce o interesse por pesquisas sócio-educacionais, ao mesmo tempo em que são deflagradas campanhas de massa exigindo reformas no sistema educacional e defendendo a escola pública. As questões relacionadas à educação vinculavam-se aos movimentos de redemocratização no país e a escola era vista como instrumento de mudança e de consciência social. De acordo com a autora, a sociologia voltada para a problemática educacional ?entreviu uma espécie de processo educativo permanente nas relações sociais em crise?.

A sociologia no ensino médio

As possibilidades e as funções do ensino de ciências sociais em uma sociedade de classes em formação foram objeto de reflexão e debates no Brasil desde o final do século XIX, quando Rui Barbosa propõe a inclusão da disciplina nos cursos preparatórios e superiores. Mas é somente nos anos 1940 que o tema passa a ser discutido de modo mais sistemático e problematizado em congressos e encontros científicos.

Note-se que na segunda metade da década, com o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, o país vive um período assinalado pela tentativa de desenvolvimento de um processo democrático, em certa medida inédito, em face do caráter oligárquico da organização republicana no Brasil. É, portanto, no contexto desta experiência democrática que se estenderá até 1964, que a possibilidade da inserção da sociologia nos currículos das escolas de nível médio torna-se novamente objeto das reflexões e discussões no meio intelectual e acadêmico. De fato, elas eram pertinentes, já que a reforma educacional implementada em 1942, a chamada Reforma Capanema, excluía a sociologia como disciplina obrigatória dos currículos dos cursos alternativos que à época constituíam o colegial (clássico e científico), mantendo-a apenas nos cursos de magistério das antigas escolas normais.

Um exemplo desses debates nos ambientes universitários é o que se desenvolveu no Symposium sobre o Ensino da Sociologia e da Etnologia, com a participação de professores e estudantes do curso de Ciências Sociais da FFCL-USP e da Escola Livre de Sociologia e Política. Nele foram apresentadas análises que apontavam para a necessidade e a finalidade da integração efetiva da sociologia no sistema educacional brasileiro e tratavam das potencialidades educativas do professor da disciplina no país.

Alguns anos mais tarde, durante o I Congresso Brasileiro de Sociologia, em 1954, Florestan Fernandes retoma a temática, ao apresentar a comunicação ?O ensino de sociologia na escola secundária brasileira?. Nela, analisa as possibilidades de introdução da sociologia nas escolas de ensino médio, a partir de uma reflexão que relaciona o sistema educacional brasileiro às condições sócio-culturais nas quais se insere. De acordo com sua reflexão, o ensino médio de então ocupava uma função auxiliar e dependente no sistema, na medida que se voltava, privilegiadamente, para a preparação dos estudantes com vistas ao seu ingresso nas escolas de nível superior. O autor define-o como um ensino de caráter enciclopédico, meramente aquisitivo e preso à antiga e conservadora mentalidade educacional, distante das necessidades intelectuais da época e incapaz de se converter em instrumento consciente de transformação social. Um sistema contraditório, dominado por práticas e interesses conservadores, cerceadores das tentativas de renovação pedagógica e de enfrentamento das exigências educativas impostas pelas novas condições de existência social. São contradições que se explicam, em grande medida, pelo modo como se organiza a sociedade brasileira, marcada por desigualdades, heterogeneidades e contrastes. Instituições sociais como a família e a igreja seguiam mantendo influência significativa nas atividades educativas, em muitas regiões do país não atingidas pelos efeitos do processo de secularização da vida social e cultural.

A posição subordinada do ensino de grau médio em relação ao superior contribuía, na análise de Florestan Fernandes, para a manutenção do seu desajustamento em face das condições sociais e culturais criadas pela desagregação da ordem senhorial. Segundo ele, a conservação do caráter aquisitivo, enciclopédico e propedêutico do ensino de grau médio se explica pela conservação do caráter jurídico-profissional do ensino superior. A análise sociológica demonstra que este não se alterou substancialmente, quanto a sua significação e a sua função sociais. Subsiste, sob o novo regime republicano, o velho ideal de ?homem culto?, que conferia aos diplomas de ensino superior uma qualificação honorífica e dava aos seus portadores a regalia de exercerem as ocupações consideradas nobilitantes.

O sociólogo considera esse um fenômeno de demora cultural e social? em face das transformações que abalavam a sociedade brasileira em meados do século passado. Salienta que as condições de estabilidade que davam suporte a esse modelo de sistema educacional e ao funcionamento e organização do ensino superior deixaram de existir, em especial nas regiões onde o desenvolvimento urbano e industrial ocorreu de modo mais intenso. A significação e a função das escolas superiores como instrumentos de formação de elites e de seleção social no interior das camadas sociais privilegiadas tendia a se esvaziar naquele quadro. Mas, diz Fernandes, ainda que se ampliassem as funções e o modo de operação do sistema educacional, de maneira a permitir uma formação profissional mais generalizada, que respondesse a exigências de seleção racional de força de trabalho especializada, seria de se supor que tal sistema não correspondesse às necessidades da vida social no país. Isto porque o modo peculiar como se formou a sociedade brasileira demanda um ensino organizado tendo em vista suas singularidades de nação dividida, com resquícios da ordem senhorial e subordinada aos dinamismos das economias hegemônicas.

Nessa perspectiva, a inclusão das ciências sociais no currículo do ensino médio, no Brasil, respondia a necessidades derivadas de situações e processos inerentes ao modo como se organizou e constituiu aqui a sociedade capitalista. Assim, às razões de ordem mais geral que inspiraram a pedagogia moderna e estimularam o estudo das ciências sociais nas escolas e universidades das sociedades burguesas ocidentais, sobrepunham-se no Brasil aquelas relacionadas com as peculiaridades de sua inserção nos movimentos do capitalismo monopolista mundial. Neste sentido, o ensino de sociologia nas escolas de nível médio se justificaria como ?fator consciente ou racional de progresso social?, que permitiria reforçar os processos de socialização em um país socialmente, economicamente e culturalmente desigual.

As funções atribuídas à sociologia no ensino médio da primeira metade do século ficam bastante evidentes, quando se analisa as concepções relacionadas com sua aplicação na formação dos educadores, nos cursos de magistério das escolas normais. Meucci observa que uma profunda mudança no programa curricular destes cursos acompanhou a introdução da ?sociologia educacional? como disciplina obrigatória. Naquela ocasião, com o objetivo de conferir um caráter mais científico aos cursos, aulas de disciplinas como música, desenho, costura, foram substituídas por outras voltadas para um saber racional como metodologia de ensino, pedagogia, psicologia, história da educação. Desse modo, ao lado de outras disciplinas, caberia à sociologia tornar científica a ação educativa. De modo particular, ela contribuiria para um conhecimento objetivo da vida social e dos significados da educação na sociedade brasileira.

Segundo a autora, essa expectativa derivava do pressuposto de que o sistema escolar deveria estar ajustado ao meio social e suas necessidades. Neste sentido, dos educadores seria exigida a compreensão da realidade social do país e das situações que marcavam a vida cotidiana na qual se inseria a escola. Deste conhecimento dependia o cumprimento da tarefa a eles atribuída: a de líderes capazes de levar o progresso às comunidades e de orientar um ajustamento objetivo entre indivíduos e sociedade. Em sua análise dos manuais didáticos dedicados à formação dos professores, Meucci assinala que em geral ?os autores preocupavam-se em capacitar seus alunos para o diagnóstico dos conflitos sociais e para o levantamento de possíveis soluções que permitam a atenuação dos problemas no campo e nas cidades?.

Nos cursos complementares, dirigidos aos candidatos aos cursos universitários de direito, engenharia, arquitetura, química e medicina, portanto futuros profissionais liberais, as expectativas relacionadas às funções do ensino de sociologia eram semelhantes às que se verificavam nos cursos de formação de educadores. Isto se evidencia, de acordo com Meucci, no fato de muitos dos livros didáticos de sociologia serem adotados em ambos os cursos e na constatação de que os profissionais liberais, assim como os educadores, eram considerados agentes sociais importantes na constituição da sociedade brasileira moderna. A autora identifica, nos manuais utilizados nesses cursos, algumas idéias centrais que fundamentam as concepções sobre a necessidade do conhecimento sociológico para a formação daqueles profissionais. Ele corresponderia: ?(1) aos ideais de expansão da cultura científica, (2) aos ideais de civilidade e patriotismo, (3) aos padrões de cultura erudita que, apesar das transformações no meio intelectual brasileiro, ainda aspiravam os membros da elite candidatos ao ingresso na carreira acadêmica?.

Em sua reflexão sobre a viabilidade do ensino de sociologia nas escolas de nível médio, Florestan Fernandes afirma sua possibilidade e necessidade, ainda que se mantenha a configuração do sistema educacional brasileiro, tal como ele se organizava nos anos 50 do século passado. Entretanto, diz ele, tendo em vista as finalidades formadoras da educação pelas ciências sociais, seria de suma importância que se alterassem a estrutura e as condições do sistema educacional brasileiro, no seu modo de funcionamento e na concepção pedagógica dominante. Aos sociólogos, restaria a tarefa e o desafio de intervir nas condições pedagógicas em que se daria o ensino da disciplina, que poderia preparar as novas gerações para o tratamento científico de problemas econômicos, políticos, administrativos e sociais em um país em formação.
A tarefa e o desafio que, nos anos 1950, Florestan Fernandes remeteu aos sociólogos, permanecem vivos e inacabados nos dias de hoje. Com efeito, em um movimento inverso, verifica-se um progressivo distanciamento dos sociólogos em relação à temática da educação e do ensino da disciplina em particular, como aponta estudo recente. Segundo os autores do estudo, foi entre 1930 e 1960 que o tema apareceu de modo mais freqüente em artigos publicados em revistas especializadas das ciências sociais ou da educação. Após este período, uma bibliografia esparsa, heterogênea e fragmentária tem tratado da questão do ensino de sociologia no nível médio. Em sua interpretação destes dados, os autores creditam o interesse dos cientistas sociais pelo tema ao processo de institucionalização da sociologia no Brasil e à sua consolidação como disciplina científica, estreitamente articulados ao ingresso da disciplina no campo escolar. De fato, como já foi observado, as décadas de 1930, 1940 e 1950 marcaram o reconhecimento da sociologia e das demais ciências sociais como conhecimento especializado, que conquistava um lugar institucional e se vinculava de modo mais efetivo ao sistema educacional nacional. No período posterior, dizem os autores, ?a expansão e a consolidação dessas ciências, no Brasil, não possui vínculos com a institucionalização no campo escolar?.

Ao mesmo tempo, a própria problemática do processo educacional, analisado sob o ponto de vista de suas vinculações societárias, perde espaço na reflexão e na pesquisa sociológica. Segundo dados apresentados por Amaury Moraes, o tema ?ensino de sociologia? é inexistente nas teses e dissertações referidas à educação, defendidas nos programas de pós-graduação das ciências sociais na USP, entre 1945 e 1996. O autor comenta que a Faculdade de Educação passou a contratar seus próprios professores de sociologia da educação, disciplina antes oferecida pelo Departamento de Sociologia da USP.

O crescente distanciamento dos sociólogos em relação ao objeto ?educação?, nas últimas décadas, pode ser explicado, como sugerem Ileizi Silva et al., pela estreita vinculação entre a institucionalização da sociologia e sua aplicação no campo escolar. Mas, certamente, esta é apenas uma dimensão da problemática. É possível supor que o afastamento da sociologia da grade curricular obrigatória dos cursos de nível médio, nos 40 anos que vão desde a Reforma Capanema (1942), durante o Estado Novo, até 1982, quando a sociedade brasileira lutava contra a ditadura militar, tenha sido um outro fator importante deste distanciamento gradual. Durante este longo período, a sociologia não se constituiu em objeto de propostas programáticas ou de elaboração de livros didáticos voltados para as escolas e, ainda hoje, mantém presença intermitente no sistema de ensino de nível médio.

As reformas educacionais implementadas pelos governos militares, após 1964, estimularam o controle privado da escola pública e estabeleceram a profissionalização compulsória e universal, induzindo a transformação do ensino médio em ensino profissionalizante, com a finalidade de formar força de trabalho técnica no período denominado de ?milagre brasileiro?. Ao mesmo tempo, permitiram uma maior dissociação entre licenciatura e bacharelado nas universidades, empobrecendo a formação de professores para o ensino básico. Quanto ao ensino de sociologia, a disciplina, dentre outras humanísticas, científicas ou técnico-profissionalizantes, figurava como optativa nos currículos do curso colegial. A disciplina obrigatória ?organização social e política brasileira? incorporava e difundia nas escolas as concepções conservadoras de sociedade, de nação e de modernidade defendidas pelos ideólogos do regime militar, que, como disse Florestan Fernandes, visou impedir a ?transição de uma democracia restrita para uma democracia de participação ampliada?.

Como nos anos que se sucederam ao Estado Novo, os debates sobre o retorno da sociologia à grade curricular obrigatória dos cursos de nível médio intensificam-se nos anos finais da ditadura militar, quando se reorganiza o movimento estudantil, ressurge a luta sindical e aparecem em cena novos movimentos sociais. Diversas entidades de classe manifestam-se contra a desvalorização do ensino de ciências sociais nas escolas. Paulo Meksenas cita a mobilização em São Paulo, liderada pela Associação dos Sociólogos (ASESP), que organizou o ?dia estadual de luta pela volta da sociologia ao 2° grau?, em 27 de outubro de 1983, quando foi entregue à Secretaria de Educação do Estado um documento reivindicativo, defendendo a importância da sociologia para a formação do jovem cidadão.

A Lei n° 7.044/82 revogava a profissionalização compulsória do ensino no segundo grau, no contexto de crise do ?milagre brasileiro?, e a Resolução SE n° 236/83, no Estado de São Paulo, permitia a inclusão da sociologia na parte diversificada da grade curricular do ensino secundário. Baseado em artigo de Celso Machado, Moraes assinala que em 1985 aproximadamente 25% das escolas de nível médio, em São Paulo, haviam incorporado a disciplina. Todavia, em seminários e fóruns realizados após a Lei n° 7.044, constatava-se a escassez de material didático e a indefinição dos conteúdos programáticos relativos à sociologia. Segundo Moraes, os livros didáticos disponíveis eram desatualizados ou inadequados ao nível médio, já que eram utilizados em cursos de nível superior. Neste sentido, a mobilização dos setores vinculados à luta pela consolidação da sociologia nos currículos das escolas incorporou temáticas como a necessidade de cursos de atualização para os professores da disciplina e de concurso público para o cargo de professor de sociologia, realizados pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo entre 1984 e 1986.

Em pesquisa realizada na região de Marília (SP) sobre o ensino de sociologia nas escolas de 2° grau, que abrange o período de 1984 e 1993, Sebastião Chammé e Yoshiko Mott constatam um aumento em aproximadamente 50% no número de escolas que incluem em seus currículos a disciplina. Entretanto, um conjunto de condições desfavoráveis à sua efetivação na grade curricular é apontado pelos autores, que se referem a problemas estruturais do sistema educacional brasileiro e a dificuldades advindas da situação específica da sociologia no campo escolar. Segundo eles, a desvalorização da disciplina e do profissional especializado na ciência social, conseqüência de décadas de intermitência na presença da sociologia no ensino médio, é reforçada pelo ?quadro desolador de marginalidade em que se encontra a população brasileira em relação ao processo educativo excludente e expulsivo, no qual apenas a pequena parcela que se manteve no processo de escolaridade, ou que a ele retornou, chega a freqüentar o 2° grau?.

Estudos recentes apontam uma forte redução na quantidade de escolas que incluem a sociologia nos seus cursos de nível médio, no Estado de São Paulo, ao longo da década de 1990. Em nível nacional, uma retomada das discussões sobre o tema ocorreu após a promulgação da última Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, em 1996 (Lei n° 9394/96). Em seu artigo 36, parágrafo 1°, inciso III ela estabelece que o estudante, ao finalizar o ensino médio, demonstre ?domínio de conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania?. O inciso foi assim interpretado nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 1998 (Parecer CNE/CEB n° 15/98), regulamentadas pela Resolução 03/98 do Conselho Nacional de Educação: ?as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania?.

Em seus Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino médio, referindo-se a conhecimentos de história, geografia, sociologia, filosofia, antropologia, direito, política, economia e psicologia, o governo federal estabelece que ?tais indicações não visam propor à escola que explicite denominação e carga horária para esses conteúdos na forma de disciplina?. Portanto, segundo os PCNs, os conteúdos destas ciências poderão ser organizados, a critério da escola, em disciplinas específicas ou em projetos e atividades que se orientem pela interdisciplinaridade.

Interdisciplinaridade e contextualização, ao lado dos princípios pedagógicos de identidade, diversidade e autonomia, são elementos estruturadores da proposta curricular para o Ensino Médio, consubstanciada na citada Resolução CNE/CEB n° 03/98. A proposta, que integra a política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), proclama a necessidade de uma formação humana que responda às exigências do ?novo capitalismo flexível? e da ?sociedade do conhecimento?. Afinada com discursos e conceitos empresariais que destacam a necessidade de força de trabalho polivalente, apta a atuar na nova base técnica criada pela atual reestruturação produtiva do capital, a proposta defende um ensino que promova o acesso articulado aos conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, integrando formação geral e preparação para o trabalho.

Note-se que os sucessivos processos de reorganização do capital e de seu sistema de dominação de classe, que buscaram enfrentar as contradições e tendências de crise do capitalismo ao longo de sua história, implicaram profundas mudanças na vida social, na cultura e nas configurações de poder político-econômico. Foi a compreensão desta relação necessária entre formas de ação do Estado, práticas político-econômicas, reformas sócio-culturais e modos de vida e trabalho que levou Antonio Gramsci a concluir, referindo-se às novas formas produtivas introduzidas com o fordismo, que elas são indissociáveis de um ?modo específico de viver e de pensar e sentir a vida?.

Na atualidade, como já foi assinalado, a mundialização financeira e os novos padrões de dominação de classe que, sob o predomínio neoliberal, buscam recriar em novas bases as condições da expansão capitalista, transformam todas as esferas da sociabilidade em espaços do capital. Todo o modo de vida e de trabalho deve ser condicionado, organizado e determinado segundo a dinâmica do mercado e da iniciativa privada. O culto do individualismo, da ?competitividade?, da ?excelência?, da ?eficácia? invade o dia-a-dia de pessoas e coletividades nas mais longínquas localidades do mundo. A dimensão regressiva e os custos sociais e políticos deste projeto de sociabilidade concretizam-se, para milhões de pessoas em todo o globo, no desemprego estrutural, na queda dos rendimentos do trabalho assalariado, na eliminação de conquistas sociais, no ataque a direitos democráticos.

No mundo do trabalho, a reestruturação produtiva materializa os desígnios políticos e econômicos do neoliberalismo e sua ofensiva contra o trabalho. Articula tecnologia informacional e processos flexíveis de organização do trabalho ? que eliminam grande quantidade de postos de trabalho e aumentam significativamente os índices de produtividade ? a formas sofisticadas de controle e gestão para intensificar as condições de exploração da força de trabalho e construir um trabalhador que pensa e age em nome do capital, na expressão de Ricardo Antunes. Os novos métodos produtivos implicam modificações nas relações de trabalho e nas práticas do poder organizacional, instituindo programas de treinamento, ?qualidade total? e ?remuneração variável? que invadem os ambientes laborais, buscando envolver e submeter os trabalhadores ao ideário empresarial. Conferindo uma aparência de democratização das relações de poder, as atuais políticas gerenciais convertem empresas, fábricas e bancos em palcos de práticas ideológicas que visam captar a energia física, afetiva e psíquica do trabalhador.

Nos setores mais dinâmicos da economia e nas grandes empresas, as qualificações exigidas nesse novo modelo de organização produtiva são mais genéricas, com o predomínio de componentes cerebrais, em detrimento dos musculares e manuais, requeridos no taylorismo/fordismo. Dos jovens em processo de formação são esperados três tipos de competências, segundo Lúcia Bruno: ?competências de educabilidade, isto é, capacidade de aprender a aprender; competências relacionais; competências técnicas básicas relacionadas com os diferentes campos do conhecimento?.

Nesses setores e empresas fala-se em capacidade de pensar, de decidir, de ter responsabilidade e criatividade, motivação e espírito inovador, engajamento e mobilidade. Valorizam-se elementos implícitos e informais da qualificação, elegendo-se determinados atributos comportamentais e relacionais como essenciais ao desenvolvimento do trabalho.
Um estado instável domina estes ambientes e a ?qualificação, correspondência entre um saber, uma responsabilidade, uma carreira, um salário, tende a se desfazer?.

Em face dessa realidade social, na qual se espera do comportamento humano que seja ?flexível?, isto é, adaptável à inovação incessante, como diz Richard Sennett ao analisar as conseqüências do capitalismo contemporâneo sobre a vida cotidiana, novos dilemas e embates polarizam a discussão em torno do campo educativo. Trata-se de diferentes concepções sobre os processos educativos e de formação humana, as quais se desenvolvem no quadro de uma disputa hegemônica entre grupos e classes sociais que buscam responder às novas exigências de valorização do capital ou às necessidades das classes trabalhadoras. Este o contexto no qual se insere a política educacional do governo FHC, sintetizada nas seguintes diretrizes fundamentais:

a) a identificação do Ensino Médio com a formação geral básica, articulada com uma perspectiva de educação tecnológica e com o mundo do trabalho;
b) o ideário de diversificação e flexibilização curricular, como forma de estabelecer um modelo educacional flexível de atendimento às diferentes clientelas;
c) a autonomia da escola e do aluno na adequação curricular, favorecendo o processo formativo contextualizado;
d) a definição de diretrizes curriculares nacionais que privilegiem as competências e as habilidades básicas voltadas para o trânsito e a complementaridade entre o ensino regular e a formação profissional.

A partir dessas diretrizes, portanto, a proposta constrói uma nova identidade pedagógica para o ensino médio, que perderia seu caráter de intermediação entre os níveis fundamental e superior, para se converter na última etapa da educação básica. Ao mesmo tempo, defende a idéia de um currículo flexibilizado, que envolve um núcleo comum nacional e uma parte diversificada, com conteúdos e habilidades que incorporem necessidades locais e da vida cotidiana dos educandos, a serem definidos pelas escolas e sistemas de ensino. Deste modo, a reforma em vigor propõe uma maior autonomização da organização pedagógica e curricular da escola. Propõe também a substituição das práticas escolares fundadas no paradigma disciplinar, pela interdisciplinaridade e contextualização curricular; da dualidade educação geral/formação profissional, por um sistema unitário que sintetize ciência e trabalho.

Uma análise rápida da proposta governamental provavelmente indicaria a superação, em um breve espaço de tempo, do processo de exclusão e de dualidade estrutural que marcam historicamente a sociedade brasileira e o sistema educacional. Entretanto, lembrando Florestan Fernandes quando, ao refletir sobre as possibilidades do ensino de sociologia nas escolas de nível médio, afirmou que ele seria infrutífero sem uma mudança mais geral na própria estrutura do sistema educacional brasileiro, pode-se afirmar que as condições atuais do sistema não favorecem uma mudança radical nas suas condições de funcionamento e na sua concepção pedagógica.

Com efeito, como assinala Acacia Kuenzer, a elaboração de uma proposta educacional que efetivamente responda aos interesses das classes menos favorecidas não é um problema pedagógico, mas político. Segundo ela, uma formação de novo tipo, que permita ?ao cidadão/produtor chegar ao domínio intelectual da técnica e das formas de organização social, de modo que seja capaz de criar soluções originais para problemas novos, que exigem criatividade, pelo domínio do conhecimento? não será efetivada por meio de uma mera mudança de concepção. Por outro lado, a proposta desconsidera as especificidades da condição brasileira e de sua inserção no capitalismo mundial, mantendo, sob o falso discurso de defesa de um sistema unitário, a dualidade estrutural que caracteriza historicamente o sistema de ensino médio brasileiro.

Quanto à disciplina de sociologia no ensino médio, um projeto de lei (PL n° 09/00) aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado alterava o artigo 36, parágrafo 1°, inciso III da Lei n° 9.394/96 e afirmava a obrigatoriedade da disciplina, juntamente com a filosofia, na grade curricular das escolas públicas. O projeto foi vetado pelo então presidente da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, mantendo-se a situação de ambigüidade que caracteriza o texto da LDB de 1996 e das diretrizes curriculares de 1998, no tratamento da questão.

Desde a década de 1990, o debate em torno da consolidação da sociologia no campo escolar tem resultado no surgimento de novos materiais didáticos voltados para o ensino da disciplina nas escolas e a formação de professores do ensino básico. Ao mesmo tempo, foram defendidas dissertações de mestrado abordando o tema do ensino de sociologia ou ciências sociais, enquanto em congressos nacionais de sociologia os dilemas relativos ao ensino da disciplina e às experiências dos cursos de licenciatura em ciências sociais foram objeto de diversos trabalhos ali apresentados e discutidos.
A licenciatura torna-se uma temática investigativa da maior importância nos dias de hoje, quando as novas formas de sociabilidade capitalista implicam dilemas e desafios no campo educativo, levando a um repensar de práticas e concepções pedagógicas. Ao mesmo tempo, reflexões e debates têm ocorrido no âmbito das universidades, buscando valorizar a licenciatura e o magistério e enfrentar a dissociação histórica entre licenciatura e bacharelado nos cursos de graduação. Na USP, desde 2001 vem sendo discutida uma proposta de reforma da licenciatura, coordenada por uma comissão formada por representantes da Faculdade de Educação e de outros institutos e faculdades com cursos de licenciatura. Como resultado dos trabalhos da comissão foi elaborado o ?Projeto de formação de professores na USP?, encaminhado para discussão nas diversas unidades da universidade.

Na Unesp, a partir do desenvolvimento de um programa na área educacional, foram criados vários núcleos de ensino (NEs), dedicados a repensar a perspectiva de atuação da universidade e do seu trabalho acadêmico, especialmente no que se refere à formação de professores e à pesquisa educacional. Segundo a professora do Departamento de Didática da FFC/Unesp, Dra. Suely Mendonça, os projetos constitutivos do programa articulam atividades de ensino, pesquisa e extensão e se voltam para a construção de uma relação mais próxima entre a universidade e a educação básica, contando com a participação de alunos e docentes vinculados às licenciaturas da Unesp e de docentes da Rede Pública de Ensino. A professora observa que para os alunos do curso de graduação em Ciências Sociais, a experiência concreta com educação em escolas de ensino fundamental, a partir do trabalho dos NEs, tem permitido uma maior conscientização das potencialidades educativas das ciências humanas e sociais, estimulando ao mesmo tempo a elaboração de material didático-pedagógico sobre temáticas da vida social contemporânea.

Na Universidade Federal de Santa Catarina, as discussões relativas à formação de professores e às práticas de ensino de filosofia e sociologia nas escolas de nível médio resultaram no I Seminário Estadual de Ensino de Filosofia e Sociologia, promovido em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação e Inovação (SC). Durante o seminário, realizado em junho de 2003 com a participação de estudantes e docentes da universidade e da rede pública, foi criado o Laboratório de Ensino de Filosofia e Sociologia (LEFIS), ao qual foi atribuída, dentre outras, a tarefa de organizar e disponibilizar, por via eletrônica, material didático-pedagógico utilizado no ensino das disciplinas.

As experiências, debates e reflexões desenvolvidas em destacadas universidades brasileiras iluminam dimensões dos enormes desafios das ciências sociais ? e da sociologia em particular ?, relacionados aos processos educativos e de formação humana, na sociedade capitalista do início do século XXI. De um lado, mostram a urgência de serem desenvolvidas nas universidades linhas de pesquisa em metodologia do ensino em ciências sociais, voltadas para a reflexão e a investigação sobre as situações de ensino e os processos e relações sociais inerentes ao sistema educacional. De outro, apontam para a necessidade de uma efetiva integração entre bacharelado e licenciatura, superando as práticas de ensino e o modelo atual de organização dos cursos de graduação, que distanciam docência e pesquisa.

O ensino e a pesquisa de sociologia e das demais ciências sociais podem contribuir para uma apreensão crítica da realidade social da atualidade e para o desvendamento de singularidades e contradições que marcam um mundo imerso em profunda crise. Uma crise marcada por uma precarização social sem precedentes e pela mercadorização de todas as esferas da vida humana. Pensar este mundo, conduzido cegamente pela razão instrumental, em que a ciência e a técnica afastam-se das necessidades sociais e a educação é vista como um ?passaporte? para a civilização globalizada, é tarefa que se impõe aos educadores e cientistas sociais. Nos dias de hoje, mais do que nunca são pertinentes as palavras de Theodor Adorno, na segunda metade do século passado: ?desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação?.
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Reunião do Pré-ERECS
Curitiba, 18 de abril de 2009.

Pauta:
- Apresentação
- Avaliação do ME de ciências sociais
- Parque Nilton Freire Maia
- Previsão de número de participantes possibilidade pré-erecs
- Ônibus das escolas para as saídas a campo
- Manual do usuário
- Discussão do projeto como um todo
- Caderno de textos
- Tema
- Arte
- Próxima sede
- ENECS
- CONECS
- Avaliar a reunião

Apresentação:

Escolas presentes: UFPR, UFRGS, UEL, UFSC

Avaliação do movimento de área de ciências sociais.

Passamos por um momento muito importante do movimento estudantil de área de ciências sociais, depois de acontecer alguns encontros regionais onde prevalecia os interesses de apenas uma parte dos participantes, a partir do último temos uma mudança qualitativa importante, tanto os espaços festivos e de integração aconteceram bastante animados e com muita gente, quanto os espaços de discussão e debates.
Outro fator bem relevante que podemos perceber, é a tentativa de se construir o encontro de forma mais ampla, pela primeira vez (pelo menos comparado aos relatos de uns 10 anos atrás para cá), acontece uma reunião com a presença de 4 escolas diferentes de ciências sócias para definir como será o encontro.
Vale ressaltar também que cada escola buscou fazer discussões prévias sobre a proposta inicial de projeto feita pela escola sede, UFPR, tendo algumas reuniões mais bem sucedidas, outras menos, mas o início desta prática deve marcar também a forma de construir os próximos encontros.
Não podemos perder de vista a contribuição histórica do nosso movimento, que busca agregar na construção do encontro cada estudante que participa dele, portanto, este deve ser um ERECS participativo, não apenas na programação, mas para todos aqueles que quiserem ajudar na construção efetiva do próprio encontro.
No nacional também há um norte positivo, no último ENECS foi encaminhado que faríamos uma reunião nacional antes do encontro pra que mais escolas participassem da construção dele. Porém a escola sede até agora não participou de nenhuma reunião nacional (MSN, FSM, CONEB), portanto esperamos que o pessoal da Paraíba se movimente mais nesse sentido.

Parque Nilton Freire Maia.

Informações do pessoal que organizou o EREH (História)
No EREH não teve problemas de furto, o espaço, por mais que seja aberto, não entra quem quiser. Nem precisa contratar segurança, pois o parque tem. A PM foi lá por conta de reclamação sobre maconha.
As culturais foram no estábulo, mas o lugar é bom.
As plenárias aconteciam na tenda. Tem espaço para alojar sem ser barraca, um galpão e outros para dormir na barraca.
Dá pra vender cerveja depois das 00h, mas não dá pra ter banda de música.
Tem chuveiro e banheiros.
Tem várias casinhas para GDs paralelos.
Custo de R$2,00 por pessoa por dia.
Tem uma casinha para refeitório. Contrataram uma cozinheira. Tem poucas mesas. Não possui utensílios.

Previsão de participantes

(RS)
UFRGS está em contato com as escolas: UFRGS, PUC e UNISINOS. Pelo menos 1 ônibus vem. Farão festas para diminuir os custos.
UFPEL ainda não tinha começado as aulas até semana passada. Mas a sociais ainda não conversou por isso.
UFSM tem possibilidade do DA participar, eles são oposição ao DCE.
(PR)
UEL vem no mínimo um ônibus. Vão fazer dinheiro para isso. 1 ônibus pelo menos vêm, mas precisa ver com qual discussão.
UEM está chateada por não ter sido escolhida a escola sede, o CA está sendo transformado em auto-gestão.
UNIOESTE (Toledo) sem comunicação.
UFPR 1 ônibus.
PUC
FACINTER – Ciência Política
(SC)
UFSC 1 ônibus. Há um GT sobre erecs buscando aprofundar o debate prévio ao encontro. Grupo eclético, portanto a preocupação é a qualidade do debates.
UNIVALE tentando fazer contato
(SP)
USP delegação ou ônibus?
FSA?
UNICAMP?
UNESP?
(América Latina)
Uruguai, Paraguai e Argentina. Alguns, porém poucos.

Manual do usuário É importante para informar as regras locais.
A cartilha precedente apresentar a estudantada coisas sobre o encontro, o que levar, o que é esperado, etc. e tal.
Texto de apresentação (sejam bem-vindos) e que colocam os elementos abordados na roda inicial.

Caderno de textos

É importante fazer para começar a ter um acúmulo dos espaços e um histórico. Colocar no blog para também apresentar nacionalmente.
O caderno de textos poderia ser como se fosse de teses diversas sobre temas diversos.
Do encontro poderíamos formular alguma coisa enquanto síntese.
Este seria fundamental para os debates prévios.
Não será limitado o número de textos, quem quiser enviar contribuições sobre os temas abordados no encontro, é só enviar para a escola sede que será posto no blog do encontro.

Projeto: Em outro documento.

Arte:

Usar a idéia de um livro enquanto educação e uma movimentação de massas entrando/saindo do livro representando a interação dialética entre a construção teórica e a atuação prática.

TEORIA
PRÁTICA
E
C
S

Próxima sede: Esta é uma temática importante a ser debatido por que isto norteia grande parte da forma de construção de um encontro. Cautela com poder da escola sede em fazer uma construção autoritária e individual. Ex. ENECS este ano que a escola sede não quis participar das reuniões que ocorreram.
A roda final não tem sido democrática o suficiente para fazermos um bom debate sobre a escola sede subseqüente.
Pedir para as escolas debaterem previamente a possibilidade de sediar o próximo ERECS.

ENECS/CONECS:
A escola sede foi autoritária em manter a proposta de data no meio das aulas, e não nas férias da imensa maioria das universidades. Isso gerará uma grande dificuldade em manter a construção paulatina que estava sendo feita. Inviabilizaram a participação sabendo que as outras escolas não poderiam ir.
Como gostaríamos de participar do ENECS?
Tirar uma crítica ao fato de ter sido construída nesta data. No ERECS sugerir as escolas que façam a crítica a construção do ENECS.
Escolas se mobilizando para o ALAS, o que dificulta na ida para o ENECS, já que é na mesma data.
Construir um CONECS em local mais central do país. CONUNE (Brasília, 2ª semana de julho).
Dificuldade no financiamento para o CONECS.
E-mail para a lista do CONECS, reunião virtual, propor a reunião presencial no CONUNE, atentar para o custo da alimentação para os não inscritos.
Incentivar para que as escolas compareçam no CONECS, inclusive aqueles que romperam com a UNE, e que tirem os delegados a partir do que foi deliberado no ENECS.
Impulsionar as deliberações que foram encaminhadas no ENECS.

Tema: Teoria versus prática ou teoria e prática? Educação e sociedade.

Avaliação da reunião: No geral é foi bastante positiva, pois superou a forma individualizada que era construído os últimos ERECS. O último projeto havia sido feito por duas pessoas, em 15 min, por exemplo. Este foi amplamente discutido por dois dias seguidos e por várias escolas.
Porém precisamos atentar para que a dinâmica da reunião seja mais inclusiva, que as falas tenham mais espaço no projeto final do ERECS. Outra coisa é que as diversas escolas debatam previamente o projeto inicial proposto pela escola sede, trazendo propostas de alteração já fundamentada e construída por várias pessoas na escola, enraizando a construção do projeto em diversas escolas.

ERECS/Sul - Encontro Regional de Estudantes de Ciências Sociais da região sul
Tema: “Teoria versus prática ou teoria e prática? Educação e sociedade.”
Data: 11 a 14 de junho. Site: http://erecs2009.ning.com/
Local: Parque da Ciência, Estrada da Graciosa nº 4.000, Pinhais, Curitiba, PR.

Apresentação:
Os encontros regionais dos estudantes de Ciências Sociais são organizados pelos próprios estudantes, através de comissões criadas na própria escola sede e com contribuições feitas por estudantes de outras escolas da região em uma reunião preparatória (o pré-Erecs), que no ano de 2009 ocorreu entre os dias 18 e 21 de abril, em Curitiba. Participaram estudantes da UFRGS, da UFSC, e da UEL além de vários estudantes da própria UFPR.
Como objetivo primário, os encontros visam a proporcionar espaços de troca e construção de redes entre os estudantes, os estimulando a perceber as rupturas existentes entre as diversas perspectivas teóricas e instituições de ensino. Os ERECS/Sul historicamente são encontros amplos com propostas de atividades e integrações prévias formuladas pela escola sede, mas sempre sujeitas a alterações/contribuições e novas propostas feitas pelos estudantes ao logo do encontro, como oficinas, GDTs e quaisquer outras propostas de debate acadêmico/político que visem a contribuir para a formação do cientista social.
Outro objetivo do encontro é proporcionar espaços de organização em torno dos debates propostos pelos GTDs, oficinas e saídas de campo, assim possibilitando a construção de uma maior identidade entre os estudantes de Ciências Sociais que vivenciam diariamente realidades distintas. As temáticas dos GTDs são definidas a partir do debate entre as escolas envolvidas, buscando contemplar os diversos enfoques e prioridades regionais.
Para alcançar os objetivos propostos, partimos do princípio de que é possível fazer uma sociologia crítica da realidade social brasileira, não privilegiando somente os debates referentes ao ensino superior e à formação do cientista social, mas também da relação que se estabelece entre ambos e àquela. As saídas de campo são uma escolha metodológica fundamental para a concretização desse debate e maior integração com a realidade da cidade onde será realizado o Encontro. O ERECS se estrutura sobre os princípios da autonomia e pluralidade, buscando estimular o pensamento crítico, indissociável do contato com as realidades distintas.


Alojamento: Salas ou acampamento. É importante que tragam colchão, saco de dormir, barracas, cobertas, etc. Utensílios: No encontro, não serão utilizados utensílios descartáveis. Cada um deve ser responsável por trazer talheres, copos, pratos, roupa de cama e banho, chinelo, camisinha, e o que mais lhe convier.
Alimentação e Inscrição : Haverá opção para vegetarianos. Não haverá inscrição sem alimentação. R$ 30,00 até o dia 05/06/09 e R$ 40,00 do dia de junho até o início do evento.


GDT – Grupos de Discussão e Trabalho
Metodologia: Todos os integrantes preferencialmente sentados em roda, com direito a voz abordando temas referentes ao do espaço, para a livre discussão entre os integrantes. Se necessário for, o responsável pelo GDT deve propor que se façam inscrições para que todos que queiram se colocar possam ter este direito. Para avaliar se haverá tempo limite de fala, o próprio GDT determinará, os grupos terão relatorias. Que grupos terão facilitadores convidados para iniciar o debate (uns 15 ou 20 mim). Importante também que os estudantes levassem das suas cidades e escolas materiais sobre o assunto do GDT para compartilhar com os demais.


Saídas de campo: 1. MST / 2. A outra Curitiba / 3. Catadores / 4. Quilombolas – Saída de campo anda não confirmada. (Serão divulgadas mais informações ao longo do encontro)

Programação

5ª-feira
6ª-feira
Sábado
Domingo
8h/9h
Inscrições
Café da manhã
Café da manhã
Café da manhã
9h/12h
Trabalhos e GDT 3
GDT 5

12h/14h
Almoço
Almoço
Almoço
Almoço
14h/16h
GDT 7
GDT 2 e OL
Saída de campo
Volta pra CASA
16h/16h3
Intervalo
Intervalo
Saída de campo
16h3/18h3
GDT 1 e OL
GDT 4 e GDT 6
Saída de campo
18h3/20h
Janta
Janta
Janta
20h/21h
Roda de abertura
Cultural
Roda Final
Cultural
21h/raiar
Cultural

Propostas de debate para cada GDT:

GDT 1 – SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO [6ª 14h/16h]
Partindo de experiências na área de ensino de sociologia, haverá um debate acerca da nossa formação e da concepção de sociologia no ensino médio vigentes.
GDT 2 – GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: POLÍTICAS PARA UNIVERSIDADE [5ª 16h3/ 18h3]
Debater os problemas que temos na universidade a cerca de política voltada para as mulheres e glbtt.
GDT 3 – PROCESSOS DE REFORMAS NO ENSINO SUPERIOR: A REFORMA CURRICULAR [6ª 9h/12h]
Debater os determinantes dos processos de reforma do ensino superior em perspectiva comparada.
GDT 4 – MOVIMENTO ESTUDANTIL DE ÁREA EM CIÊNCIAS SOCIAIS [6ª 16h3/18h3]
Como continuação do GDT do ano passado, abordando brevemente o histórico do movimento estudantil de área, construir uma análise coletiva da conjuntura e dos desafios em relação a si mesmo e a outros movimentos sociais e populares neste momento histórico (para os estudantes de ciências sociais).
GDT 5 – PREPARAÇÃO PARA AS SAÍDAS DE CAMPO [Sábado 9h/12h]
Conversa com um membro do local onde faremos a saída de campo, para melhor nos prepararmos para a mesma.
GDT 6 – DEMARCAÇÃO DE TERRAS [6ª 16h3/18h3]
Identidades e conflitos em terras indígenas e quilombolas.
GDT 7 – AÇÕES AFIRMATIVAS NA EDUCAÇÃO [5ª 14h/16h]
Articular o acúmulo sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, o debate sobre cotas em geral e o histórico de luta pelas cotas na universidade.
OF – OFICINAS LIVRES [6ª 14h/16h]
Espaços em aberto na programação para os estudantes proporem oficina, debates e atividades que venham a enriquecer a nossa formação.
Encontro Regional de Estudantes de Ciências Sociais – Sul
Curitiba, Paraná, 11 a 14 de junho de 2009
Texto de discussão GDT nº 3, processos de reforma do Ensino Superior
Autor: Marcus Vinícius Rocha (Hulk), Ciências Sociais UFRGS
 É também defender a razão combater os que mascaram sob as aparências exteriores da razão os seus abusos de poder ou que se servem das armas da razão para alicerçar ou justificar um império arbitrário.
Pierre Bourdieu
 Processos de Reforma do Ensino Superior Brasileiro e seus condicionantes
 Nesse texto, abordaremos alguns aspectos relevantes para compreender as mudanças pelas quais passa o ensino superior público no Brasil e apontar uma agenda de pesquisa e mobilização política para o futuro próximo. Quanto a isso, no entanto, possui um defeito fundamental: Ignora as realidades específicas das universidades estaduais e privadas. Além disso, seria oportuno tratar do desenvolvimento histórico da Universidade brasileira e os marcos de sua trajetória institucional e as duas reformas pelas quais passou, nos regimes de 1930 e 1964, ambas sob regimes ditatoriais; e das matrizes do desenvolvimento das universidades americanas (inspiração flexeriana) e européias (modelos humboldtiano e napoleônico).
            A inspiração das reformas pelas quais passam as instituições federais de ensino superior (IFES), através da implantação do Reuni e da Universidade Nova, vem do processo de Bolonha. Entender as linhas mestras desse processo e como ele transcorreu na Europa é fundamental para prever os próximos passos da reforma brasileira. Outra dimensão a ser considerada é a pressão exercida por organismos internacionais sobre a agenda de políticas públicas brasileira. No que tange à educação, a pressão do Banco Mundial por modificações em todos os níveis da educação é fartamente documentada.
Atualmente, temos em curso no Brasil a aplicação do decreto Reuni, inspirado no processo de Bolonha, que tem como principais objetivo a unificação do ensino superior europeu em um “sistema de ensino europeu” unificado. Além disso, como objetivo tácito, visa a desonerar os estados dos custos relativos ao ensino através de repasse dos custos diretamente ao estudante, além de diminuir o tempo de permanência do aluno na Universidade. Em seguida, e tendo como objetivo aumentar a competitividade das instituições européias frente às americanas, estabelecer critérios de avaliação de desempenho objetivos e quantitativos, de forma a permitir ranqueamentos das instituições. Todo esse processo é condicionado pela visão do “novo gerencialismo público”, que visa a aplicar no setor público técnicas de gestão e produtividade do setor privado.
 O processo de Bolonha
 O objetivo da série de acordos que viriam a ser conhecidos como “Processo de Bolonha” é estabelecer um sistema europeu de ensino superior. As características desse sistema são a mobilidade, o intercâmbio e a competitividade entre as instituições européias, cujas estruturas seriam compartilhadas, tais como sistemas de ciclos de estudos, sistemas de créditos comuns, mobilidade, e cooperação na avaliação. Esse sistema, altamente integrado e competitivo, visa a transformar os diversos sistemas educacionais dos países aderentes em um único mercado educacional unificado.   
Para operar de fato em um sistema – ou mercado único -, as universidades devem operar sob um conjunto compartilhado de normas e critérios passíveis de avaliação. Para tanto, desenvolveram-se diversos critérios de quantificação de desempenho das universidades, de forma a permitir comparação entre os índices. A ENQA (European Association for Quality Assurance in Higher Education) produziu standards ou padrões genéricos que “deverão ser aplicados a todas as instituições de educação superior e a todas as agências de avaliação independentemente de sua estrutura, função, tamanho e sistema nacional em que se encontrem integrados.”.  Tais padrões serão assegurados por um “sistema europeu de garantia de qualidade” a qual deverão se subordinar as agências nacionais de avaliação, cuja função seria de “sugerir melhorias” ou exercer controles ex ante ou ex post.
 Em qualquer dos casos, e ainda que se possam encontrar algumas defesas algo sincréticas de uma espécie de paradigma de avaliação do tipo humanista/ economicista, a orientação dominante revela-se de tipo positivista e competitiva, como reconhece a própria ENQA no seu relatório relativo a Portugal: “A Educação superior, num contexto de globalização, tem começado a evidenciar características de um mercado” (ENQA, 2006, p. 9). Ora é em contexto de mercado que o atual paradigma de universidade vem sendo substituído “por um paradigma empresarial a que devem estar sujeitos tanto as universidades públicas, como as privadas, e o mercado educacional em que estas intervêm deve ser desenhado globalmente para poder maximizar a sua rentabilidade”, conforme conclui Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 149). E é precisamente face ao paradigma empresarial que “a liberdade acadêmica é vista como um obstáculo à empresarialização da universidade e à responsabilização da universidade ante as empresas que pretendem os seus serviços” (p. 150). É também neste quadro de referência que se podem cabalmente compreender as propostas de tipo tecnocrático e gerencialista no sentido de transformar as universidades em fundações de direito privado, dotadas de estruturas tipicamente empresariais” (Lima, Azevedo e Catani. pág. 17, 2008)
 A adoção de lógicas gerencialistas e competivas pelas universidades foi duramente criticada pelas associações estudantis. Entre outras coisas, pela dificuldade de acessar o segundo (mestrado) e terceiro (doutorado) ciclos, principalmente pelas altas taxas cobradas. Segundo documento da OCDE, a cobrança de taxas deve progressivamente se aproximar do custo real por aluno. Além da cobrança de taxas, diversas técnicas de redução de custos foram adotadas, principalmente na forma de flexibilização do trabalho docente, operada pelo aumento dos contratos sem nomeação definitiva, e na forma de diminuição do tempo de formação (até dois anos para o primeiro ciclo). 
 (…) os referidos problemas de ordem ontológica, epistemológica e metodológica em torno das práticas de avaliação da educação superior relevam, no essencial, sua definição política. O paradigma dominante de avaliação contábil e gerencial, baseado numa epistemologia positivista, é justificado pelo papel atribuído à avaliação em termos de regulação da educação superior. É exatamente neste terreno que a estandardização, a lógica positivista e de competitividade servem aos propósitos dos novos modos de regulação emergentes, especialmente induzidos pela reforma do Estado. A tradicional regulação estatal das universidades é afastada a partir do momento em que o Estado passa a ser definido como um “parceiro” que contratualiza com as instituições, já não as controlando diretamente, mas antes as supervisionando. A transição do Estado-regulador para um Estado-supervisor, isto é, do modelo de controle estatal para o modelo de supervisão estatal (…), exige a criação de instâncias de intermediação entre as universidades e o Estado, capazes de oferecer um primeiro nível de regulação e controle, a partir da avaliação e da “prestação de contas”, necessariamente referenciados a indicadores padronizados de performance (…). (Lima, Azevedo e Catani. pág. 20, 2008)
 A transferência do papel de avaliação e orientação para entidades supranacionais visa a esvaziar o papel dos governos nacionais no planejamento da educação superior. Tal deslocamento produz
 “um complexo processo de redução da autonomia relativa dos estados nacionais em matéria de educação superior; a direção supranacional de políticas, agora relativamente descontextualizadas; a uma deslocalização das arenas de debate e dos processos de discussão democrática de tipo tradicional, (…) a uma adaptação célere e por vezes sem discussão das legislações nacionais, assim sobre-determinados externamente (…) e frequentemente subtraídas do processo de deliberação democrática; (…) à definição externa e a priori de “problemas” a enfrentar e “soluções” a adotar, aparentemente universais (…) apresentados como imperativos racionais ou como exemplos incontornáveis de “boas práticas. (Lima, Azevedo e Catani, 2008)
             Nada melhor do que dar voz aos próprios agentes desse processo. Conforme o comissário europeu para educação, formação e cultura, Ján Figen
 “as universidades, que devem modernizar o conteúdo dos seus programas de estudo, criar campus virtuais e reformar os seus modelos de gestão. Devem igualmente profissionalizar a sua gestão, diversificar as fontes de financiamento e abrir as portas a novos tipos de estudantes”
 Esse processo tem objetivos políticos claros: tornar as universidades européias mais competitivas, especialmente em relação às universidades americanas, atraindo os estudantes capazes de arcar com os custos (da própria Europa e, sobretudo, os asiáticos).  O próprio texto da Declaração de Bolonha é claro na adoção de lógicas etnocêntricas e mercantis:
 “Em especial, deve-se ter em conta o objetivo de elevar a competitividade internacional do sistema europeu de educação superior, A vitalidade e a eficiência de qualquer civilização podem medir-se pela atração que a sua cultura exerce sobre outros países. Precisamos assegurar que o sistema europeu de educação superior consiga adquirir um grau de atração mundial semelhante ao das nossas extraordinárias tradição cultural e científica.” (Declaração de Bolonha, 1999)
  O Conselho Europeu, reunido em Lisboa, em 2000, definia como meta para o ano de 2010 que a EU
  “deveria converter-se na economia mais competitiva e dinâmica do mundo, baseada no conhecimento”. Na reunião do Conselho Europeu, em 2002, declarou-se que “a educação européia deverá ser uma referência mundial para 2010”  (Hortale e Mora, 2004, pág 945)
 A reforma do ensino superior no Brasil
             A síntese dos marcos institucionais e do desafio que nos é proposto é colocada com precisão por Hélgio Trindade: 
Na história da República no Brasil, as duas leis gerais sobre educação superior que tiveram uma longa vigência foram promulgadas: a primeira, em 1931, por Francisco Campos durante o Governo Provisório de Vargas pós-Revolução de 19302; a segunda, em 1968, pelo Ministro da Educação, Tarso Dutra, durante a ditadura militar instaurada em 1964 que ainda está em vigor. A legislação em que provavelmente desembocará a nova reforma será a primeira a ser construída num período democrático, o que implica em amplo debate com os segmentos representativos da comunidade universitária e da sociedade.

Infelizmente, a previsão feita pelo autor na última frase da citação não se realizou. Como sabemos, o debate democrático acerca dos rumos da Universidade foi novamente negado à sociedade brasileira.  A forma como a adesão ao projeto Reuni foi aprovada nas universidades é um exemplo claro: a portas fechadas e com proteção policial.
            Estamos vendo, sob nossos olhos, a implantação de mais uma “idéia fora de lugar” por nossas elites deslumbradas com modelos estrangeiros. “A primeira vez como tragédia, a segunda, como farsa”: estamos importando características dos colleges americanos e das universidades ango-saxônicas, que balizaram a reforma européia, sem, no entanto, contar com as mesmas condições. Como escreveu Naomar Filho, reitor da UFBA, universidade pioneira na implantação dessas reformas,

é imprescindível que, nas relações complexas de trocas internacionais, tenhamos sistemas educacionais que sejam valorizados e compatíveis com os centros intelectuais e econômicos do mundo contemporâneo” (ALMEIDA FILHO, 2007a, p. 293)


  1. Os processos de avaliação institucional promovidos pelas universidades brasileiras operam na mesma lógica produtivista e positivista, negligenciando aspectos de difícil mensuração e quantificação.     
Evidentemente, nada ocorre por acaso. A pressão exercida pelas instituições internacionais e a “atração mágica” que as modas da metrópole exercem nas nossas elites nada mais é do que a materialização de interesses econômicos poderosos. Quem se beneficia na transformação da educação em um grande mercado mundial? As universidades públicas brasileiras, com todos os eventuais problemas que tem, ainda são ilhas nas quais é possível fazer pesquisa. O projeto Reuni transformará a maioria das universidades em “universidades de ensino”, nas quais a graduação será dissociada da pesquisa. Ou parece crível que um bacharelado interdisciplinar forneça condições para o envolvimento nesse tipo de atividade? Além do mais, as universidades criarão egressos de 2ª e 3ª classes (os que completarem somente o 1º ou o 2º ciclo).  Basta observar a como funcionará o sistema de ciclos para ter dimensão dos efeitos e também o porquê da expansão tremenda que algumas universidades estão passando: à boa parte dos ingressantes será reservada apenas uma formação genérica, a do ciclo básico.
 Educação superior pública no Brasil nestes tempos de crise: entre a cruz e a espada
 Em nossa opinião, entender o desenrolar do processo de reformas pelas quais passa o ensino superior no Brasil deve levar em conta a restrição orçamentária que deverá pressionar os orçamentos públicos no próximo período. De fato, no início do corrente ano, em decorrência da crise econômica, foram anunciados diversos cortes nos orçamentos ministeriais. A educação foi a pasta da área social com maior corte de verbas: 1,2 bilhões no orçamento previsto. 
O desenho geral da crise econômica já é conhecido. A solução encontrada pelas empresas foi cortar postos de trabalho, transferir custos e recorrer aos governos em busca de amparo. A solução encontrada pelas instituições financeiras foi buscar, da mesma forma, auxílio financeiro nos Estados Nacionais, a quem venderam “ativos tóxicos” que tinham encalhados (por exemplo, contratos de venda de imóveis que certamente não serão pagos pelo comprador, como os títulos sub prime). Isso marca o ocaso da ideologia neoliberal, que varreu continentes e empolgava as elites políticas e empresariais de países como o Brasil.  
Ora, é evidente que os custos da má-gestão das empresas estão sendo transferidos para os cidadãos, que além de serem pressionados pela inflação e pelo desemprego, terão seus impostos usados na salvação dos grandes capitalistas financeiros.
 E a educação? 
Quando o cinto aperta a forma mais fácil de diminuir a restrição orçamentária é o corte de programas governamentais. Governar não é aplicar uma fórmula matemática, o que há são escolhas políticas acerca do que são prioridades. No Brasil, não restam dúvidas de que a educação superior pública esteve e está longe de ser prioridade. Por isso mesmo, o Reuni nos parece cada vez mais um “canto das sereias” para atrair as combalidas universidades federais. Se por um lado oferece, basicamente, algumas vagas para concursos docentes, por outro aprova resoluções como a que obriga os mestrandos bolsistas a darem 40h de aulas. Ora, se isso não é precarizar o trabalho docente e as condições de estudo, sobretudo nos cursos de graduação, então não sabemos.
Na contramão dos processos globais, o Reuni e a Universidade Nova representarão o início da desobrigação do Estado para com os custos do ensino superior brasileiro. O próprio decreto é objetivo ao dizer (CITAR O ARTIGO QUE DIZ QUE SE NÃO TIVER GRANA A UNIVERSIDADE DEVE BUSCAR FORA).  Em seguida, virão os ataques aos dispositivos legais e constitucionais que asseguram educação gratuita. A Universidade Brasileira dobrará a cabeça ante o capital internacional e as ambições dos países centrais, ao invés de formular seu próprio sistema de ensino superior que sirva a um projeto de soberania nacional e inclusão social.
 referências
 ALMEIDA FILHO, Naomar. Universidade nova: textos críticos e esperançosos.
Brasília: UnB; Salvador: EDUFBA, 2007a.
BOLONHA, Declaração de. Disponível em:
Declaracao_de_Bolonha.pdf> Acesso em 7 de maio de 2009.
HORTALE, Virginia; MORA, José-Ginés. Tendências das Reformas da Educação Superior na Europa no Contexto do Processo de Bolonha. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 25, n. 88, p. 937-960, Especial – Out. 2004. Disponível em Acesso em 7 de maio de 2009.
LIMA, Licínio C.; AZEVEDO, Mário Luiz Neves de; CATANI, Afrânio Mendes. O processo de Bolonha, a avaliação da educação superior e algumas considerações sobre a Universidade Nova. Avaliação (Campinas),  Sorocaba,  v. 13,  n. 1, mar.  2008 .   Disponível em Acesso em 7 de maio de 2009
SGUISSARDI, Valdemar. Reforma Universitária no Brasil – 1995-2006: Precária Trajetória e Incerto Futuro. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 27, n. 96 – Especial, p. 1021-1056, out. 2006 Disponível em Acesso em 7 de maio de 2009.
TRINDADE, Hélgio. Reformas e avaliação da educação superior no Brasil. 2004. Disponível em Acesso em 7 de maio de 2009.

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