25 de out. de 2010

Brasil, EUA e a sanidade

Olá a todos,

Achei que poderia ser de interesse comum ...
Ygor Ricardo Saraiva de Aragão

Brasil, EUA e a sanidade (BBC Brasil, 25 de outubro de 2010)

Brasileiros e americanos irão às urnas nas próximas semanas. Três dias depois de o Brasil escolher um novo presidente da República, os Estados Unidos terão seu Congresso renovado e novos governadores eleitos. Os chefes das duas nações estão preocupados. Luiz Inácio Lula da Silva, que a esta altura do campeonato acreditava já poder estar opinando sobre o ministério de Dilma Rousseff, sabe que existe uma real possibilidade de ter de devolver a faixa presidencial ao PSDB. Barack Obama também pode receber o troco dos seus adversários, caso perca o comando das duas casas do Congresso para os republicanos, após apenas dois anos na Casa Branca.

Mas as semelhanças entre as duas eleições não se restringem aos desafios dos dois presidentes. Manifestações políticas vistas recentemente parecem dar razão ao humorista Jon Stewart, que convocou para o próximo dia 30, em Washington, a Passeata para Restaurar a Sanidade. O alvo do sarcasmo de Stewart é o radicalismo de posições políticas que misturam preceitos morais, religião e preconceito e prejudicam aquilo que se espera da função pública: bom senso. O movimento conservador Tea Party tem sido destaque nas campanhas americanas, catapultando candidatos com pouca ou nenhuma experiência política. O conservadorismo do movimento vai muito além das posições de George W. Bush. A candidata republicana ao Senado em Delaware, Christine O'Donnell (foto acima), é conhecida por anos atrás ter combatido a masturbação. Ela também já disse em entrevistas que os Estados Unidos gastam excessivamente em prevenção e tratamento da Aids e que seu país tem hoje u ma economia "socialista".

O'Donnell não tem, aparentemente, chances de vencer o democrata Chris Coons na disputa em Delaware. Mas, em Nova York, outra criação política do Tea Party, o empresário Carl Paladino, ainda pode conseguir o posto de governador do Estado. Já apresentado aqui na BBC Brasil por Lucas Mendes como um político no mínimo polêmico, Paladino teve de se desculpar recentemente por ter criticado a Parada Gay novaiorquina e o homossexualismo, que, pare ele, "não é uma opção igualmente válida ou bem-sucedida", em comparação com a formação de uma família tradicional. Talvez indicativo do sucesso de Paladino em parte do eleitorado, o jornal britânico The Observerinformou no domingo que têm crescido os ataques a gays em Nova York, incluindo o recente sequestro e tortura de um homossexual.

O Brasil é, como os Estados Unidos, um país jovem e de muita diversidade. Também é, como a superpotência do norte, um país em que a religião tem papel importante na condução da vida de cada indivíduo e na organização social de suas comunidades. Meses atrás, a campanha presidencial de 2010 parecia ser marcada por certa calmaria, diante de um país em um ótimo momento econômico e com os dois principais candidatos oriundos do movimento de centro-esquerda pela democracia e contra o autoritarismo. As indicações, porém, de que argumentos morais e de natureza religiosa poderiam garantir votos extras, caso fossem trazidos para o debate eleitoral, deram outra cara à campanha. O aborto passou a ser discutido a partir de crenças pessoais, em vez de ser analisado como uma questão de saúde pública ou mesmo sob o ponto de visto do custo financeiro (a morte de milhares de jovens mulheres tem um preço econômico alto para o país). Se a realidade nacional atual lev a cidadãs brasileiras à morte, há um problema que a socieade precisa resolver, de forma racional e equilibrada. O problema concreto, entretanto, é deixado de lado para dar lugar a discussões subjetivas, como a própria crença pessoal de um político. A comunhão ou não de um candidato acaba tendo quase o mesmo peso das suas propostas para a ensino médio (o que, diga-se de passagem, ainda não foi detalhado por nenhuma campanha).

Quem investirá mais em saúde, Dilma Rousseff ou José Serra? Os dois pretendem ou não reduzir os gastos públicos a partir de 2011? Nas disputas americanas, o que defendem os candidatos ao Senado para melhorar as relações econômicas com a China? O que acham que deveria ser feito para reduzir a violência na fronteira com o México? No Brasil e nos Estados Unidos, perguntas importantes estão ficando sem respostas, enquanto crenças religiosas e discussões sobre estilos de vida tomam o tempo dos eleitores. Diante dos caminhos do debate político, é compreensível que um comediante esteja se mobilizando em favor da volta da sanidade.



Fonte:http://www.bbc.co.uk/blogs/portuguese/

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