Oi oi!
Envio em anexo uma avaliação prévia que preparei sobre o "Novo ENEM".
Mais que uma mudança no processo seletivo das Universidades Federais, o "Novo ENEM" é parte de um grande projeto para a educação brasileira. Por isso a importância do movimento estudantil debater a fundo essa questão.
Espero que esse texto colabore para as reflexões sobre o assunto.
Abraços!
Kelem Ghellere Rosso
Representante Discente do Conselho Universitário
UFSC
“Novo ENEM” – uma pequena parte de um grande projeto
Kelem Ghellere Rosso
Representante discente do Conselho Universitário
Universidade Federal de Santa Catarina
O movimento estudantil historicamente defende o fim dos vestibulares. O motivo é simples: vestibular é inconstitucional e sua necessidade é a evidência da insuficiência de vagas oferecidas no ensino superior para todos os jovens brasileiros. Essa defesa não significa que ficaremos alheios a qualquer discussão sobre mudanças nos vestibulares. A proposta do MEC para o processo seletivo das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) trás questões que vão muito além da seleção para ingresso nas universidades, diz respeito a um projeto para a totalidade da educação brasileira. Com essa proposta o governo segue a linha de apresentar seu projeto em pedaços. Dessa vez é a proposta de centralização dos vestibulares. A proposta do MEC é de unificação dos vestibulares através da aplicação do novo Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). Para se adequar ao seu novo objetivo, o ENEM sofrerá alterações(1):
1) Estruturado por matriz de habilidades e conteúdos a elas associados. Essa matriz divide-se em quatro: a) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); b) Ciências Humanas e suas Tecnologias; c) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e d) Matemática e suas Tecnologias;
2) A prova será aplicada em dois dias: duas grandes áreas por dia com 50 itens de múltipla escolha cada uma (100 questões em 4 horas).
3) A prova conteria questões com níveis de dificuldade diferentes. Segundo o MEC, “é fundamental que o delineamento dos testes comporte um número razoável de itens de alta complexidade, capaz de discriminar alunos de altíssima proficiência daqueles de alta proficiência.” (MEC, 2009).
4) “Propõe-se a construção de quatro escalas distintas, uma para cada área do conhecimento. Cada escala será capaz de ordenar os estudantes conforme seu nível de proficiência, sendo possível às IFES estabelecer distintas ponderações ou pontos de corte para seleção de seus candidatos.” (Idem, ib.)
5) o candidato poderá candidatar-se a uma vaga em até 5 universidades com apenas uma prova. O novo ENEM possibilita que o candidato dispute uma vaga em até 5 universidades e 5 cursos (ambos listados em ordem de preferência do candidato). As justificativas que o MEC apresenta para essa mudança são: 1) reestruturar os currículos do Ensino Médio. Dizem que atualmente estão muito focados na apreensão de conteúdos sem a necessária reflexão. Com o novo ENEM o foco seria dado para o desenvolvimento de habilidades, preparando o estudante não só para sua formação profissional, mas também para a vida. 2) a descentralização do sistema atual favorece estudantes com mais condições de se deslocar para fazer as provas de universidades de outras regiões. A padronização das provas e a possibilidade de resolvê-la em sua cidade, disputando uma vaga em qualquer universidade do país, possibilitaria que estudantes sem condições de se deslocar teriam a mesma oportunidade de escolha dos outros candidatos. Além disso, a padronização torna o processo mais igualitário com relação ao mérito dos estudantes (não teriam provas mais fáceis ou mais difíceis, dependendo da universidade).
No final da proposta, o MEC deixa clara sua motivação principal: “Trata-se não apenas de agregar funcionalidade a um exame que já se consolidou no País, mas da oportunidade histórica para exercer um protagonismo na busca pela re-significação do ensino médio.” (Idem, ib.) Ao passo que vamos conhecendo os detalhes dessa proposta somos tentados a entrar na discussão dos seus pontos específicos, porém isso deve ser feito com cautela. Antes de se perder nas críticas pontuais, o movimento estudantil deve atentar para o sentido dessa proposta e suas conseqüências em longo prazo. O processo de decisão sobre essa proposta está respeitando a Autonomia Universitária? Não só o movimento estudantil foi pego de surpresa, mas parece que também os administradores das universidades. Essa forma de apresentar o projeto segue a mesma linha da que apresentou o REUNI: prazos curtos vinculados à oferta de recursos financeiros fáceis e rápidos. O processo que o MEC adotou para apresentar sua proposta às universidades não difere em nada do processo adotado para o REUNI. Aceitar esse processo é ferir um dos principais pilares da universidade: a autonomia universitária. O pior é que os administradores nas universidades nem pensam em questionar esse processo.
A seguinte declaração do Pró-Reitor de Ensino de Graduação da UFSC, Carlos José de Carvalho, é bem ilustrativa: “É o governo que distribui a verba para as universidades federais e eles já sinalizaram que o processo é nesse sentido que o MEC escolheu. (...) O que temos que fazer é nos preparar e ver o melhor jeito de implementar o novo método.” (2)
A aprovação do “Novo ENEM” sem nenhuma discussão foi capaz de levantar uma forte mobilização estudantil na Universidade Federal de Mato Grosso. Lá a reivindicação por mais discussões sobre as implicações do ENEM ganhou força visto o mau desempenho que o Ensino Médio tem nesse estado. Sendo assim, havia o risco da universidade receber predominantemente estudantes de outros estados e os estudantes
mato-grossenses ficarem sem universidade ou terem que se deslocar para universidades com qualidade inferior.
Outro projeto apresentado pelo MEC no início do mês de maio desse ano também segue com o mesmo processo de aprovação. Esse projeto diz respeito à mudança do currículo do Ensino Médio da divisão por disciplinas para a divisão por grandes áreas. O Conselho Nacional de Educação diz que a aceitação será realizada por estado e que estes terão autonomia para decidir se aderem ou não à mudança. Ao mesmo tempo, a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, diz: “Esperamos que haja adesão já a partir do próximo ano letivo. O MEC pretende dar suporte técnico e financeiro, num valor ainda não estimado, para os governos que adotarem as mudanças.”(3)
Detalhes do Novo ENEM
Modelo estadunidense: o MEC elaborou essa proposta com base no modelo estadunidense de seleção, justificando que é isso que possibilita que estudantes de todo país tenham mobilidade para ir de um estado a outro para estudar. Esse argumento desconsidera todo o contexto social estadunidense que é muito diferente do nosso. Provas serão realizadas em outubro: as provas serão realizadas antes do término do
ano letivo. As únicas escolas que terão condições de adiantar o conteúdo para melhor preparar os estudantes para o ENEM serão as particulares. Caso o estudante dessas escolas não passe na primeira tentativa, tem a possibilidade de ficar mais um ano se preparando, através de cursinhos pré-ENEM, para realizar a prova no ano seguinte. Essa possibilidade praticamente inexiste para estudantes de escolas públicas. Caso esses estudantes não passem na primeira vez, provavelmente desistirão do ingresso na universidade devido à pressão econômica para trabalhar. Quantidade de questões: serão 100 questões para responder em 4 horas, ou seja, menos de 3 minutos para responder cada questão. Isso é completamente incompatível com questões que se proponham instigar a reflexão e avaliar a capacidade analítica dos candidatos.
Mobilidade territorial: a justificativa do MEC é propor que haja mais circulação e mobilidade dos estudantes pelo país (a exemplo dos Estados Unidos). Isso seria possível com a possibilidade do candidato disputar uma vaga em até 5 universidades e 5 cursos (ambos em ordem de preferência do candidato) sem precisar se deslocar para realizar várias provas. Ao invés de possibilitar que estudantes de estados mais afastados tenham acesso à universidade de sua escolha, o que vai acontecer é a consolidação da separação entre “centros de excelência” e “centros de ensino”. A tendência é que as universidades preferenciais sejam as com maior concorrência, assim aquele que conseguir as melhores notas poderá optar pelas universidades e cursos de maior qualidade. Dessa forma, a separação será clara: os melhores estudantes (vindos das redes privadas de educação e com condições de se deslocar a outro estado) vão para as melhores universidades e cursos, e os estudantes com mais debilidades (vindos da rede pública e pobres) vão para as universidades e cursos de pior qualidade. Essa medida possibilita reforçar a divisão entre universidades para a elite e universidades para os pobres.
Assistência estudantil: a prova única tem como objetivo possibilitar que aquele estudante que não tem condições de viajar para prestar vestibular para a universidade que deseja, possa fazer a prova onde vive e disputar uma vaga em qualquer universidade do país de sua escolha. Porém, a proposta não contempla ações de assistência estudantil (por exemplo, residência universitária), uma vez que, o estudante que não tinha condições nem de viajar para prestar uma prova, tampouco terá para viver em outra região.
Além disso, as universidades têm a possibilidade de aderir ao ENEM como uma primeira fase do seu vestibular, assim aquele que passar pelo ENEM teria que fazer a segunda fase da prova na universidade que escolheu. O estudante pobre que não tinha condições de se deslocar para fazer a primeira fase, também não terá para fazer a segunda fase. Essa segunda fase do vestibular provavelmente será adotada pelas universidades de ponta e servirá como um crivo social dos candidatos. O grande projeto para a educação brasileira A relação entre o novo ENEM e a mudança de currículo do Ensino Médio não pára no processo como o MEC apresentou suas propostas. Além disso, essas medidas estão relacionadas com a divisão de todos os níveis do ensino público em grandes áreas.
A Reforma Universitária (Lei de Inovação Tecnológica, SINAES, etc.) e o REUNI foram as primeiras delas, agora se somam a seleção e o currículo do ensino médio. Assim fará sentido a formação rasa por bacharelados interdisciplinares para os professores da rede pública. Os “centros de ensino” – para onde irão os estudantes pobres - formarão professores por grandes áreas, de acordo com os moldes do REUNI e
do novo currículo do Ensino Médio. Assim dá-se formação mínima por meio dos bacharelados interdisciplinares para os professores da rede pública e impossibilita que os mesmos possam fazer pesquisa científica, deixando essa tarefa somente para os “centros de excelência”.
Em nome das “habilidades”: O novo ENEM coloca como uma vantagem a inversão do foco no conteúdo para as habilidades, como uma forma de também mudar o foco do Ensino Médio que acaba se pautando pela “decoreba” dos conteúdos sem nenhuma reflexão. De fato a crítica é válida, porém ela está sendo usada para esconder o real objetivo. O que pretendem com essa mudança é manter a precariedade do ensino médio da rede pública, pois a partir do momento que o foco está nas “habilidades” do estudante, individualiza-se a causa do mau desempenho no vestibular. Atualmente existe um abismo entre o que é cobrado nos vestibulares das IFES e o que é ensinado na rede pública de nível médio. O insucesso dos estudantes da rede pública nos vestibulares é usado como um dos principais indicadores do descaso com a educação
pública de nível médio. Sendo assim, desconstruir esse indicador é fundamental paramascarar a precariedade do ensino público.
Além disso, o ENEM se estruturará de acordo com grandes áreas. Parece que já ouvimos essa história antes, não é mesmo? É sim, é a mesma divisão que o REUNI trás para os bacharelados interdisciplinares e a que o MEC propõe para o Ensino Médio. Isso mostra que devemos ficar alerta a qualquer movimento do governo com relação à educação. As medidas estão vindo em pedaços, mas estão muito bem direcionadas.
Centros de excelência e centros de ensino: O Novo ENEM vem para reafirmar que o objetivo de todas essas medidas (Novo currículo do Ensino Médio, REUNI, Lei de Inovação Tecnológica, Bacharelado interdisciplinar, etc.) é dividir o sistema federal de ensino superior em duas partes: as universidades para a elite e a universidade para os pobres. Nos termos de Demerval Saviani (1986) (4) estaríamos falando de “universidades de produção”, aqueles centros de excelência destinados a produção científica e ao ensino de pós-graduação strito sensu (mestrado e doutorado); e de “universidades de consumo”, os centro de ensino para nível de graduação e pós-graduação lato sensu (especializações e aperfeiçoamento). Esse é o passo necessário para privatizar o que resta da educação pública. Percebemos que a tentativa de fazer essa separação já tem um tempo: o texto de Savianni é de 1980, e pode ser que existam outros autores que falem disso em décadas anteriores. Mas por que separar, para só depois privatizar? Pois é, isso é resultado da pressão feita ao Estado por parte, de um lado, dos capitalistas que trabalham com a produção de bens de consumo; e de outro, dos empresários da educação. Para os primeiros, é vantagem que a produção de ciência e tecnologia fique nas mãos do Estado: ela é altamente custosa, e para que pagar para produzir ciência e tecnologia se podemos recebê-la gratuitamente do Estado? Para os segundos, o Estado precisa logo liberar novos nichos de mercado para a mercadoria “educação”, afinal de contas, o mercado da venda de diplomas também está em crise (antes mesmo da crise estrutural mostrar sua cara) e precisa rapidamente se reerguer.
Em suma, o Novo ENEM era o que faltava para completar de vez a separação entre os “centros de excelência” e os “centros de ensino” e segregar socialmente os estudantes dessas instituições. O ENEM evita que estudantes pobres, só porque moram perto de universidades de qualidade, tenham mais chance de ingressar nelas. Além disso, a sua divisão em grandes áreas dá sentido aos bacharelados interdisciplinares ao
forçar a adequação do currículo do ensino médio também por grandes áreas.
1 Os dados referentes ao “novo ENEM”, aqui apresetados, estão baseados na proposta do MEC apresentada a ANDIFES, intitulada “Proposta: unificação dos processos seletivos das Instituições Federais de Ensino Superior a partir da reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”, de 30 de março de 2009.
2 Fonte: Jornal Zero, abril de 2009, publicação do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
3 Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1107804-5604,00-MEC+QUER+ACABAR+COM+A+DIVISAO+POR+DISCIPLINAS+NO+ENSINO+MEDIO.html>. Acesso em: 25/05/09.
4 SAVIANI, Demerval. Ensino público e algumas falas sobre universidade. São Paulo: Cortez Ed.: Ed. Autores Associados, 1984
Florianópolis, 29 de maio de 2009
(ENEM). Para se adequar ao seu novo objetivo, o ENEM sofrerá alterações(1):
1) Estruturado por matriz de habilidades e conteúdos a elas associados. Essa matriz divide-se em quatro: a) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); b) Ciências Humanas e suas Tecnologias; c) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e d) Matemática e suas Tecnologias;
2) A prova será aplicada em dois dias: duas grandes áreas por dia com 50 itens de múltipla escolha cada uma (100 questões em 4 horas).
3) A prova conteria questões com níveis de dificuldade diferentes. Segundo o MEC, “é fundamental que o delineamento dos testes comporte um número razoável de itens de alta complexidade, capaz de discriminar alunos de altíssima proficiência daqueles de alta proficiência.” (MEC, 2009).
4) “Propõe-se a construção de quatro escalas distintas, uma para cada área do conhecimento. Cada escala será capaz de ordenar os estudantes conforme seu nível de proficiência, sendo possível às IFES estabelecer distintas ponderações ou pontos de corte para seleção de seus candidatos.” (Idem, ib.)
5) o candidato poderá candidatar-se a uma vaga em até 5 universidades com apenas uma prova. O novo ENEM possibilita que o candidato dispute uma vaga em até 5 universidades e 5 cursos (ambos listados em ordem de preferência do candidato). As justificativas que o MEC apresenta para essa mudança são: 1) reestruturar os currículos do Ensino Médio. Dizem que atualmente estão muito focados na apreensão de conteúdos sem a necessária reflexão. Com o novo ENEM o foco seria dado para o desenvolvimento de habilidades, preparando o estudante não só para sua formação profissional, mas também para a vida. 2) a descentralização do sistema atual favorece estudantes com mais condições de se deslocar para fazer as provas de universidades de outras regiões. A padronização das provas e a possibilidade de resolvê-la em sua cidade, disputando uma vaga em qualquer universidade do país, possibilitaria que estudantes sem condições de se deslocar teriam a mesma oportunidade de escolha dos outros candidatos. Além disso, a padronização torna o processo mais igualitário com relação ao mérito dos estudantes (não teriam provas mais fáceis ou mais difíceis, dependendo da universidade).
No final da proposta, o MEC deixa clara sua motivação principal: “Trata-se não apenas de agregar funcionalidade a um exame que já se consolidou no País, mas da oportunidade histórica para exercer um protagonismo na busca pela re-significação do ensino médio.” (Idem, ib.) Ao passo que vamos conhecendo os detalhes dessa proposta somos tentados a entrar na discussão dos seus pontos específicos, porém isso deve ser feito com cautela. Antes de se perder nas críticas pontuais, o movimento estudantil deve atentar para o sentido dessa proposta e suas conseqüências em longo prazo. O processo de decisão sobre essa proposta está respeitando a Autonomia Universitária? Não só o movimento estudantil foi pego de surpresa, mas parece que também os administradores das universidades. Essa forma de apresentar o projeto segue a mesma linha da que apresentou o REUNI: prazos curtos vinculados à oferta de recursos financeiros fáceis e rápidos. O processo que o MEC adotou para apresentar sua proposta às universidades não difere em nada do processo adotado para o REUNI. Aceitar esse processo é ferir um dos principais pilares da universidade: a autonomia universitária. O pior é que os administradores nas universidades nem pensam em questionar esse processo.
A seguinte declaração do Pró-Reitor de Ensino de Graduação da UFSC, Carlos José de Carvalho, é bem ilustrativa: “É o governo que distribui a verba para as universidades federais e eles já sinalizaram que o processo é nesse sentido que o MEC escolheu. (...) O que temos que fazer é nos preparar e ver o melhor jeito de implementar o novo método.” (2)
A aprovação do “Novo ENEM” sem nenhuma discussão foi capaz de levantar uma forte mobilização estudantil na Universidade Federal de Mato Grosso. Lá a reivindicação por mais discussões sobre as implicações do ENEM ganhou força visto o mau desempenho que o Ensino Médio tem nesse estado. Sendo assim, havia o risco da universidade receber predominantemente estudantes de outros estados e os estudantes
mato-grossenses ficarem sem universidade ou terem que se deslocar para universidades com qualidade inferior.
Outro projeto apresentado pelo MEC no início do mês de maio desse ano também segue com o mesmo processo de aprovação. Esse projeto diz respeito à mudança do currículo do Ensino Médio da divisão por disciplinas para a divisão por grandes áreas. O Conselho Nacional de Educação diz que a aceitação será realizada por estado e que estes terão autonomia para decidir se aderem ou não à mudança. Ao mesmo tempo, a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, diz: “Esperamos que haja adesão já a partir do próximo ano letivo. O MEC pretende dar suporte técnico e financeiro, num valor ainda não estimado, para os governos que adotarem as mudanças.”(3)
Detalhes do Novo ENEM
Modelo estadunidense: o MEC elaborou essa proposta com base no modelo estadunidense de seleção, justificando que é isso que possibilita que estudantes de todo país tenham mobilidade para ir de um estado a outro para estudar. Esse argumento desconsidera todo o contexto social estadunidense que é muito diferente do nosso. Provas serão realizadas em outubro: as provas serão realizadas antes do término do
ano letivo. As únicas escolas que terão condições de adiantar o conteúdo para melhor preparar os estudantes para o ENEM serão as particulares. Caso o estudante dessas escolas não passe na primeira tentativa, tem a possibilidade de ficar mais um ano se preparando, através de cursinhos pré-ENEM, para realizar a prova no ano seguinte. Essa possibilidade praticamente inexiste para estudantes de escolas públicas. Caso esses estudantes não passem na primeira vez, provavelmente desistirão do ingresso na universidade devido à pressão econômica para trabalhar. Quantidade de questões: serão 100 questões para responder em 4 horas, ou seja, menos de 3 minutos para responder cada questão. Isso é completamente incompatível com questões que se proponham instigar a reflexão e avaliar a capacidade analítica dos candidatos.
Mobilidade territorial: a justificativa do MEC é propor que haja mais circulação e mobilidade dos estudantes pelo país (a exemplo dos Estados Unidos). Isso seria possível com a possibilidade do candidato disputar uma vaga em até 5 universidades e 5 cursos (ambos em ordem de preferência do candidato) sem precisar se deslocar para realizar várias provas. Ao invés de possibilitar que estudantes de estados mais afastados tenham acesso à universidade de sua escolha, o que vai acontecer é a consolidação da separação entre “centros de excelência” e “centros de ensino”. A tendência é que as universidades preferenciais sejam as com maior concorrência, assim aquele que conseguir as melhores notas poderá optar pelas universidades e cursos de maior qualidade. Dessa forma, a separação será clara: os melhores estudantes (vindos das redes privadas de educação e com condições de se deslocar a outro estado) vão para as melhores universidades e cursos, e os estudantes com mais debilidades (vindos da rede pública e pobres) vão para as universidades e cursos de pior qualidade. Essa medida possibilita reforçar a divisão entre universidades para a elite e universidades para os pobres.
Assistência estudantil: a prova única tem como objetivo possibilitar que aquele estudante que não tem condições de viajar para prestar vestibular para a universidade que deseja, possa fazer a prova onde vive e disputar uma vaga em qualquer universidade do país de sua escolha. Porém, a proposta não contempla ações de assistência estudantil (por exemplo, residência universitária), uma vez que, o estudante que não tinha condições nem de viajar para prestar uma prova, tampouco terá para viver em outra região.
Além disso, as universidades têm a possibilidade de aderir ao ENEM como uma primeira fase do seu vestibular, assim aquele que passar pelo ENEM teria que fazer a segunda fase da prova na universidade que escolheu. O estudante pobre que não tinha condições de se deslocar para fazer a primeira fase, também não terá para fazer a segunda fase. Essa segunda fase do vestibular provavelmente será adotada pelas universidades de ponta e servirá como um crivo social dos candidatos. O grande projeto para a educação brasileira A relação entre o novo ENEM e a mudança de currículo do Ensino Médio não pára no processo como o MEC apresentou suas propostas. Além disso, essas medidas estão relacionadas com a divisão de todos os níveis do ensino público em grandes áreas.
A Reforma Universitária (Lei de Inovação Tecnológica, SINAES, etc.) e o REUNI foram as primeiras delas, agora se somam a seleção e o currículo do ensino médio. Assim fará sentido a formação rasa por bacharelados interdisciplinares para os professores da rede pública. Os “centros de ensino” – para onde irão os estudantes pobres - formarão professores por grandes áreas, de acordo com os moldes do REUNI e
do novo currículo do Ensino Médio. Assim dá-se formação mínima por meio dos bacharelados interdisciplinares para os professores da rede pública e impossibilita que os mesmos possam fazer pesquisa científica, deixando essa tarefa somente para os “centros de excelência”.
Em nome das “habilidades”: O novo ENEM coloca como uma vantagem a inversão do foco no conteúdo para as habilidades, como uma forma de também mudar o foco do Ensino Médio que acaba se pautando pela “decoreba” dos conteúdos sem nenhuma reflexão. De fato a crítica é válida, porém ela está sendo usada para esconder o real objetivo. O que pretendem com essa mudança é manter a precariedade do ensino médio da rede pública, pois a partir do momento que o foco está nas “habilidades” do estudante, individualiza-se a causa do mau desempenho no vestibular. Atualmente existe um abismo entre o que é cobrado nos vestibulares das IFES e o que é ensinado na rede pública de nível médio. O insucesso dos estudantes da rede pública nos vestibulares é usado como um dos principais indicadores do descaso com a educação
pública de nível médio. Sendo assim, desconstruir esse indicador é fundamental paramascarar a precariedade do ensino público.
Além disso, o ENEM se estruturará de acordo com grandes áreas. Parece que já ouvimos essa história antes, não é mesmo? É sim, é a mesma divisão que o REUNI trás para os bacharelados interdisciplinares e a que o MEC propõe para o Ensino Médio. Isso mostra que devemos ficar alerta a qualquer movimento do governo com relação à educação. As medidas estão vindo em pedaços, mas estão muito bem direcionadas.
Centros de excelência e centros de ensino: O Novo ENEM vem para reafirmar que o objetivo de todas essas medidas (Novo currículo do Ensino Médio, REUNI, Lei de Inovação Tecnológica, Bacharelado interdisciplinar, etc.) é dividir o sistema federal de ensino superior em duas partes: as universidades para a elite e a universidade para os pobres. Nos termos de Demerval Saviani (1986) (4) estaríamos falando de “universidades de produção”, aqueles centros de excelência destinados a produção científica e ao ensino de pós-graduação strito sensu (mestrado e doutorado); e de “universidades de consumo”, os centro de ensino para nível de graduação e pós-graduação lato sensu (especializações e aperfeiçoamento). Esse é o passo necessário para privatizar o que resta da educação pública. Percebemos que a tentativa de fazer essa separação já tem um tempo: o texto de Savianni é de 1980, e pode ser que existam outros autores que falem disso em décadas anteriores. Mas por que separar, para só depois privatizar? Pois é, isso é resultado da pressão feita ao Estado por parte, de um lado, dos capitalistas que trabalham com a produção de bens de consumo; e de outro, dos empresários da educação. Para os primeiros, é vantagem que a produção de ciência e tecnologia fique nas mãos do Estado: ela é altamente custosa, e para que pagar para produzir ciência e tecnologia se podemos recebê-la gratuitamente do Estado? Para os segundos, o Estado precisa logo liberar novos nichos de mercado para a mercadoria “educação”, afinal de contas, o mercado da venda de diplomas também está em crise (antes mesmo da crise estrutural mostrar sua cara) e precisa rapidamente se reerguer.
Em suma, o Novo ENEM era o que faltava para completar de vez a separação entre os “centros de excelência” e os “centros de ensino” e segregar socialmente os estudantes dessas instituições. O ENEM evita que estudantes pobres, só porque moram perto de universidades de qualidade, tenham mais chance de ingressar nelas. Além disso, a sua divisão em grandes áreas dá sentido aos bacharelados interdisciplinares ao
forçar a adequação do currículo do ensino médio também por grandes áreas.
1 Os dados referentes ao “novo ENEM”, aqui apresetados, estão baseados na proposta do MEC apresentada a ANDIFES, intitulada “Proposta: unificação dos processos seletivos das Instituições Federais de Ensino Superior a partir da reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”, de 30 de março de 2009.
2 Fonte: Jornal Zero, abril de 2009, publicação do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
3 Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1107804-5604,00-MEC+QUER+ACABAR+COM+A+DIVISAO+POR+DISCIPLINAS+NO+ENSINO+MEDIO.html>. Acesso em: 25/05/09.
4 SAVIANI, Demerval. Ensino público e algumas falas sobre universidade. São Paulo: Cortez Ed.: Ed. Autores Associados, 1984
Florianópolis, 29 de maio de 2009
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