25 de mar. de 2010

[Textos] Dom Romero, Mártir

DOM ROMERO, MÁRTIR
"Tenho sido freqüentemente ameaçado de morte.
Devo dizer a eles que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição: se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho".
(Dom Óscar A. Romero)

Neste mês de março de 2010 a Igreja da América Latina celebra os trinta anos do martírio de Dom Oscar Romero († 1980), Arcebispo de El Salvador, assassinado pela repressão de extrema-direita que oprimia a nação após um execrável golpe de estado. El Salvador tinha um governo ditatorial, que foi derrubado por outro golpe de extrema-direita, realizado por uma "junta governativa", composta por militares e civis, e apoiada pelos Estados Unidos. Como a opressão e a injustiça aumentaram, o Arcebispo Romero se insurgiu contra esse estado de coisas, que esmagava o povo, composto em sua maioria de pobres, índios e pequenos lavradores.

Enquanto padre, Oscar Romero era um burocrata, homem mais de sacristias e bibliotecas do que de uma atuação pastoral propriamente dita. Tanto que, por conta de seu perfil tímido e pouco combativo é que foi designado pelo Vaticano para ser bispo, porque o que menos as cortes romanas queriam naquele momento era a ascensão de alguém que postulasse a causa dos pobres e dos oprimidos, pois a Igreja da América Latina era, em sua maioria, naquela década, aderente à Teologia da Libertação.

Apesar de ameaças, perseguições e boicotes, o bispo tornava suas palavras, em homilias, pregações e discursos, cada vez mais candentes, dirigidas e corajosas, denunciando tudo o que era feito no país, como uma violação aos direitos do povo e à ética nacional. Dom Oscar Romero revestiu-se de uma coragem profética que faltou à maioria dos bispos da América, inclusive no Brasil, também dominado pelo tacão de uma ditadura militar, onde se destacou o destemor de Dom Helder, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Maria Pires e poucos outros que tiveram coragem de dizer que aquilo (prisões, cassações, expurgos, tortura e mortes) era um crime, contrário ao projeto de Deus.
Um grupo de bispos latinoamericanos, em março de 1980, na cerimônia dos funerais de dom Romero, assinou um documento que dizia: "Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade [...]. Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça [...]. Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados".

Em 12 de maio de 1994 a Arquidiocese de San Salvador pediu permissão ao Vaticano para iniciar o processo de canonização de Dom Oscar Romero. O processo diocesano foi concluído em 1995 e enviado à Congregação para a Causa dos Santos em 1997, no Vaticano, que em 2000 o transferiu à Congregação para a Doutrina da Fé (então dirigida pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI) para que analisasse os escritos e homilias de Dom Oscar Romero. Terminado a análise, em 2005, o postulador da causa de canonização, Dom Vicenzo Paglia, informou aos meios de comunicação as conclusões do estudo: "Romero não era um bispo revolucionário, mas um homem da Igreja, do Evangelho e dos pobres". O processo seguirá novos trâmites burocráticos, que poderão elevar oficialmente Oscar Arnulfo Romero à honra dos altares como o primeiro santo e mártir de El Salvador.

Enquanto o processo de canonização segue em passos de tartaruga em Roma, para a indignação de muitos cristãos, o povo salvadorenho, da América Central e de todo Mundo já considera Romero um santo, mártir e profeta das Américas e do Mundo. Ao seu túmulo, sob a catedral de San Salvador, acorre diariamente muita gente peregrina agradecendo a ele graças recebidas e buscando forças e inspiração para seguir sendo discípulo dele na luta por justiça e paz.
Ao visitar o túmulo de Dom Oscar Romero, dia 16 de abril de 2009, fui tomado por uma emoção muito grande. De repente, chegou um senhor, aparentando uns 60 anos de idade, que de joelhos, rezava sem parar. Após uns 15 minutos de oração, quando ele se levantou, eu me aproximei dele e o cumprimentei dizendo que era brasileiro, discípulo de Romero. Perguntei, após saudá-lo, "o que significa Dom Oscar Romero para o senhor?" Luiz Alonso começou a dizer:
"Monsenhor Romero é um santo, um mártir, um profeta, já reconhecido por todo o povo salvadorenho e pelo mundo todo. Somente o Vaticano ainda não o reconheceu como santo. Venho diariamente ao túmulo de Monsenhor Romero rezar, agradecer e renovar inspiração para seguir a luta que ele enfrentou na defesa dos pobres perseguidos pela elite deste país. Monsenhor era um verdadeiro pastor. Em uma perna, dava acolhida a uma pessoa que estava chorando porque a Guarda Nacional tinha matado seu filho, na outra perna acolhia outra pessoa que desesperada procurava um parente desaparecido. Em suas homilias, Monsenhor era a voz dos sem voz. Ele teve a coragem de enfrentar o sistema de morte que imperava aqui no país. Com Romero, podemos dizer: Agora, podemos! Ele está vivo, ressuscitado no povo salvadorenho!".

(Texto de Frei Gilvander, carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica; assessor de CEBs, CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

Abraços
Marcel S. Gutiá

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