OS MENINOS
Eles eram irmãos, e na sua simplicidade explodiam de inteligência. Um já estava mais grandinho, já perdera um pouco da espontaneidade – o de seis anos, no entanto, ainda tinha a candura de um anjo, um moleton vermelho com capuz, uma cesta de Páscoa na mão, e uma falha no lugar onde um dente novo estava nascendo.
- Lá eu vou ter um cachorro novo!
Eu e alguns amigos dávamos-lhe corda:
- Lá tem passarinho...
- E tem lagarto...
- Tem cachoeira? – ele queria saber.
- Tem. E tem muito lugar para brincar.
- Tem dinossauro?
- Não, dinossauro não tem!
- Mas tem Tiranossauro requi!
- Também não tem tiranossauro. Onde ficou o teu cachorro?
- O vizinho vai cuidar dele. O nome dele é Tupi.
É difícil encontrar-se coisa mais autenticamente brasileira do que um menino de seis anos com um cachorro chamado Tupi. E também é difícil encontrar-se vizinhos tão solidários que cuidam dos cachorros alheios, como a gente encontra na solidariedade gerada pela pobreza. Penso que a pobreza extrema só consegue sobreviver, mesmo, porque existe a solidariedade. E é ela que vai ficando com os Tupis que ficam ao longo dos caminhos.
Sorrindo dentro do capuz vermelho, pura confiança diante da vida, o menino avisava:
- Eu sou valente. Sou homem. Não tenho medo. Sei fazer café.
- Sabes?
- Sei. Quando a minha mãe estava doente, quando a minha irmãzinha estava para nascer, eu aprendi a fazer café. E também sei fazer ovo. Cozido e frito.
- Sabes cozinhar arroz?
O desapontamento:
- Comida de sal eu não sei.
Ele não era um menino. Era ternura pura. Mal dava para crer que dali a poucas horas estaria sob a mira de um canhão, diante de um tanque do Exército pronto para disparar. Estaríamos na Palestina? No Iraque? Não. Era a Santa e bela Catarina, na chamada Europa brasileira, e esta história é de verdade, e faz só umas quarenta horas que começou a acontecer. E só umas trinta que os canhões começaram a ameaçar o menino. De verdade e para valer.
Blumenau, 16 de abril de 2007.
Urda Alice Klueger
Escritora
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