texto interessante...
Os Estágios Interdisciplinares de Vivência (EIV´s) e a Construção da Opção de Classe pelos Trabalhadores
1) O Movimento Estudantil de Esquerda e suas várias referências: resgate histórico.
Apesar de no imaginário geral da sociedade ainda prevalecer uma visão de que o movimento estudantil é algo mais identificado com "posições de esquerda", nem a visão de "pertença" à esquerda é um uníssono no interior do movimento estudantil, como entre aqueles que se identificam como "de esquerda", aonde existe uma diversidade de entendimentos sobre como exercer esta sua "posição".
Dentre esta diversidade, é bem delimitada historicamente uma perspectiva no interior do movimento estudantil, que acredita e defende a via revolucionária como fenômeno histórico capaz de transformar radicalmente a sociedade, mas que na construção desta trajetória revolucionária estabelece como pilar o seguinte tripé de acumulação de forças:
1) O trabalho de base junto à extração social a mais excluída e marginalizada no interior da classe trabalhadora;
2) A luta através dos movimentos populares de massa como experiência pedagógica e força pulsante na construção da perspectiva de transformação social junto às camadas populares
3) A construção de instrumentos políticos na perspectiva de se constituírem como a direção coletiva e compartilhada das lutas de massa, agregando os quadros forjados no trabalho de base cotidiano no seio da classe trabalhadora e amadurecidos na experiência da luta de massas.
Podemos dizer que durante as décadas de 10, de 20 e de 30 do século anterior tivemos as ditas experiências precursoras desta perspectiva histórica. Membros da "Academia" com uma maior sensibilidade social" entendiam o papel das massas no rumo da revolução e buscavam caminhos de socialização da cultura e do conhecimento para serem utilizados a serviço destes processos. Surgiram aí as famosas Universidades Populares, que nestas épocas funcionavam mais como "aulões públicos" onde principalmente estudantes se colocavam perante operários, trabalhadores urbanos e em algumas localidades camponeses. Manaus, Paraíba, São Paulo e muitas outras localidades tiveram experiências como estas.
Da década de 20 à década de 50 temos um maior desenvolvimento político-ideológico no seio da classe trabalhadora do país, num primeiro momento impulsionado pelo avanço das idéias anarquistas, mas posteriormente com forte apelo das idéias marxistas-comunistas, e no final da década de 50 também com o crescimento da esquerda católica radical. Comum nestas épocas o papel dos estudantes que conviviam com operários nas fábricas, se inseriam no meio rural, sendo facilitadores dos processos de formação de núcleos de base de trabalhadores nestes espaços. Estes estudantes, além da militância nas entidades e grupos do ME, compreendiam que a luta da juventude ia mais além do que o "disputismo" destes espaços, se comprometendo decisivamente no processo de organização política que seria capaz de dar sustentação das lutas em prol da emancipação dos trabalhadores. Além do papel destacado da Juventude Comunista e da Federação Vermelha dos Estudantes (FVE), na década de 50 com o advento da Teologia da Libertação principalmente a partir da sistematização de Teillard de Chardin, ganha importante espaço a Juventude Estudantil Católica, a JEC, e a Juventude Universitária Católica, a JUC, precursoras de importante experiência histórica na vida do ME que foi a formação em 1961 da Ação Popular (AP).
Tendo compreensão muito próxima a que o cardeal sandinista Ernesto Cardenal expressou já na década de 70 que " A Teologia da Libertação é a Teologia da Revolução", estes jovens da esquerda católica, almejando maior independência perante aos entraves da estrutura eclesiástica, constituíram no início da década de 60 seu instrumento político, clandestino assim como a experiência do Partido Comunista (PCB), mas que tinha como princípios os seguintes requisitos na definição de um partido verdadeiramente revolucionário:
1) existência de uma ideologia verdadeiramente revolucionária;
2) "ação de presença" constante entre as massas;
3) real participação no partido de militantes da extração social dominada.
Faziam assim críticas a muitos grupos e militantes de esquerda, inclusive diversos dentro da tradição comunista (apesar de reconhecerem que nem todos) que não conseguiam dar uma constância mais cotidiana às ações de agitação, propaganda, formação e organização no seio da classe trabalhadora. Que não conseguiam estabelecer uma coerência entre os discursos, que muitas vezes com tamanha inflamação se referiam o tempo todo a "um povo" que, na prática, era muito distante destes diversos militantes de esquerda no seu cotidiano de lutas. Buscava assim a AP constituir mais dialeticamente a relação entre "vanguarda" e "base" dentro da classe trabalhadora, numa perspectiva de horizontalidade e interpenetração na estruturação desta relação. Assim seu discurso se imbuía de toda uma corrente crítica que apontava as limitações e a acomodação reformista pequeno-burguesa que cada vez mais vinha tomando conta do principal instrumento político da classe trabalhadora durante este exato momento histórico, que era o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A crítica a esta postura de distanciamento de muitos militantes de esquerda e o cotidiano das massas não foi só exclusividade da AP. Esta crítica esteve entre outros diversos elementos nas bases das várias divergências no interior do PCB, como aquele que em 1962 gerou a formação do PC do B (que é MUITO, MAS MUITO MESMO, diferente do PC do B de HOJE!!!!), que inclusive antes de sua ação guerrilheira no final da década de 60 desenvolveu um intenso trabalho de base e de (com) vivência junto ao povo da região do Araguaia antes de desenvolverem suas ações, precipitadas e comprometidas pela descoberta destas atividades organizativas no meio popular pelo aparelho repressor da ditadura.
A Ação Popular foi a força política hegemônica no Movimento Estudantil brasileiro até o Golpe de 64. Surge naquele contexto inicial de ascenso do movimento de massas, logo se engajando nas bandeiras das reformas de base. Sua influência foi fundamental na constituição de experiências como o Movimento de Cultura Popular (MCP), com epicentro na cidade do Recife e iniciado a partir das bases destas novas idéias da esquerda católica em 1959. A riqueza de suas atividades foi campo fértil na geração de novidades, que dentre suas conseqüências inspiraram indivíduos como Paulo Freire, Paulo Rosas e outros a sistematizarem "um jeito de agir educativamente junto ao/com o meio popular", conhecido no Brasil como Educação Popular. Entidades estudantis, como o DCE-UFPE, tiveram importante papel em experiências como o trabalho alfabetização de jovens e adultos que buscavam avanços pedagógicos numa perspectiva de constituição de consciência crítica dos indivíduos e coletividades.
Nesta época, a partir do protagonismo do ME, surge em 1961 uma das mais expressivas manifestações de socialização e valorização da cultura popular no Brasil, conhecida como o Centro Popular de Cultura da UNE, o famoso CPC, que numa demonstração desta "opção de estar junto ao povo" organizava a experiência da "UNE Volante", que andou diversas léguas nos grandes centros e interiores de nosso país. Um marco no histórico de agitação e propaganda no interior da classe trabalhadora brasileira.
O potencial de formação de militantes a partir deste trabalho de base junto ao meio popular é de pronto identificado pela ditadura civil-militar, que responde energicamente para o desmonte destas atividades. A UNE é colocada na clandestinidade, e seu prédio, onde funcionava a sede do CPC, incendiado. Diversos intelectuais do MCP foram presos, interrogados e até mesmo exilados. Paulo Freire em entrevista inclusive relatou como foi seu aguardo de interrogatório, cercado de soldados e fuzis.
Numa perspectiva de tentar canalizar o ímpeto da juventude de estar no meio "do povo" e frear impulsos revolucionários desta, entendendo o papel de formação de quadros de esquerda que este trabalho de base tinha, é que a ditadura militar desenvolve experiências como o Projeto Rondon, os CRUTAC´s, o Projeto Mauá, e apoio a incentivas outras como o projeto Bandeira Científica, que buscavam "manter os estudantes debaixo do braço", buscar a legitimação do sistema político a partir do trabalho social assistencialista nos interiores do país, promover a propaganda das Forças Armadas junto ao meio universitário (tudo era feito em instalações, estrutura e supervisão de militares) e garantir uma justificação ideológica a partir de um "debate social" das Forças Armadas, com base na sua doutrina de "Segurança Nacional" e patriotismo ufanista de direita, seguindo a linha do "Brasil: Ame-o ou Deixe-o".
Mas apesar de todo o aparato de repressão e ideológico que buscava garantir esta nova ordem política estabelecida pelo Golpe, as contradições e fraturas no sistema começavam também a surgir. A Igreja Católica a partir de setores mais progressistas de seu corpo eclesiástico, começam a lentamente, de forma sutil a organizarem espaços de organização e formação da consciência da população oprimida do país, que vai ser o embrião de diversos movimentos sociais que vão se constituir a partir da segunda metade da década de 70. Contestam o regime, através de experiências conhecidas como as Comunidades Eclesiastícas de Base. Diversos militantes leigos, perseguidos pela ditadura ou desbaratados de suas organizações clandestinas durante os anos de chumbo começam a se agregar e contribuir junto a estes espaços. Além de termos outros setores da esquerda que se aproveitando de brechas dadas por aquela "legalidade autoritária", conseguiram desenvolver experiências institucionais que somavam neste processo de organização popular. Possibilitaram a gestação de vivências cincuscritas que foram ensaios de construções sociais maiores a partir do momento fragilização da ordem político-militar estabelecida em 64.
Dentre estas experiências teve papel destacado dois setores estudantis: os estudantes da área de agrárias e os estudantes da área de saúde.
Os estudantes de agrárias, principalmente aquele da Agronomia, resgatam própria experiência histórica que tinha bases no período anterior ao golpe civil-militar, onde estudantes desta área buscavam se inserir no meio popular e constituir vivências junto ao povo, entendendo como este vivia, como ele se organizava politicamente, quais os elementos de sua cultura contruídos cotidianamente, contribuindo também para aquele esforço de diversos setores da esquerda que se engajavam no difícil trabalho de base diante de tanta repressão.
Já na área da saúde, com destaque para os estudantes de Medicina, surgiram diversas experiências baseadas na matriz teórica da Medicina Social da época, com o impulso internacional de intelectuais que ocuparam alguns lócus dentro da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), como Juan César García.,que tendo o aporte de financiamento internacional, começaram a se apropriar "à esquerda" de projetos que surgiam numa perspectiva de "manejar as tensões sociais no Terceiro Mundo", aproximando-se também dos grupos populares e também se engajando em todo este esforço de mobilização. Surgem a partir de alguns departamentos de Medicina Preventiva e de Saúde Pública experiências como Projeto Paulínea, projetos em Marília e Londrina, Projeto Vitória de Santo Antão, Projeto Casa Amarela em Recife, Projeto Montes Claros, Projeto Sobradinho-DF. A partir da iniciativa de jovens trabalhadores da saúde surge na metade da década de 70 o Projeto "Ida ao Povo" no Rio Grande do Sul. Importante ensaios pré-SUS surgem a partir destas iniciativas. Por exemplo, o projeto Montes Claros foi fundamental para a constituição de uma das mais importantes experiências inicias pré-SUS, o PIASS (Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento).
Tais trabalhos vão formar diversos militantes e resgatar uma cultura de movimento a partir da juventude e dos estudantes que havia sido desarticulado pela iniciativa da ditadura. Diversos destes quadros e novos militantes vão ter participação decisiva na estruturação deste novo momento de ascenso dos movimentos sociais brasileiros.
E as iniciativas de "vivência junto ao povo" ganham espaço dentro da agenda de setores do movimento estudantil em reorganização. No final da década de 80, na cidade de Dourados-MS, a partir da experiência de companheiros como Pardal, se organiza o 1º EIV - Estágio Interdisciplinar de Vivência, por iniciativa da FEAB - Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil. A idéia é agregar estudantes de diferentes áreas, numa perspectiva interdisciplinar como o próprio nome ressalta, a partir da práxis de esquerda já esmiuçada em outros momentos deste texto. Lembremos que este é o momento de pleno ascenso organizativo do movimento camponês, principalmente a partir do papel do MST, que busca se aproximar de diversos segmentos de lutadores para além do campo. Na Paraíba, em 1987, a partir de experiência de companheiros como Falcão, surge o 1º Estágio de Vivência em Comunidades, na praia de Costinha, município de Lucena-PB. No final da década de 80 o movimento estudantil de Medicina começa a organizar as Frentes de Trabalho (FT), que buscavam inserir quando estudantes e com caráter permanente depois de formados no meio popular, indivíduos que buscam compartilhar do cotidiano de diversas comunidades populares, se envolvendo intrinsecamente nos processos de organização e lutas sociais locais. Diversas experiências autônomas de trabalho social transformador começam a acontecer permanentemente pelo Brasil, como a experiência do NAC - Núcleo de Ação Comunitária, na cidade de João Pessoa, e o projeto Quatro-Varas, na periferia da cidade de Fortaleza.
Em 1987 surge também o Fórum Nacional de Pró Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, espaço fundamental na aglutinação de intelectuais que buscavam romper com o paradigma de extensão assistencialista, aprofundado durante o regime militar. Estes intelectuais, a partir de suas vivências e análises sobre as experiências de trabalho social de resistência durante os anos de chumbo e de crise da ditadura militar, buscaram construir os princípios de uma política de extensão que pudesse acolher estas diversas práticas marginais. Formulam e incentivaram a institucionalização destas experiências, como estratégias de construção de uma "Universidade Cidadã".
Daí surgem diferentes compreensões dentro desta viés de militância. Algumas experiências, como os Estágios de Vivência em Comunidades da Paraíba, optam pelo processo de institucionalização pela Universidade, de garantia, apoio estrutural e acadêmico para poder aprofundar suas iniciativas, sendo considerados como projetos de extensão pela instituição universitária diante da necessidade de se adequar ao tripé alicerçador desta. Outras experiências como os EIV´s buscaram manter uma autonomia do movimento estudantil e dos movimentos populares na condução do processo, apesar de sempre buscar taticamente parcerias para garantir as atividades, negando o título de "extensão", por se compreender para além de atividades previstas por uma instituição que tem a sua natureza burguesa, como as atuais Universidades Brasileiras. Buscam assim não serem engessados por estas e manterem o espírito radicalmente transformador que sempre
norteou o caráter de trabalho de base destas iniciativas.
Já no final da década de 90 e início do ano 2000 surge a partir de um aprofundamento da reflexão sobre estes diversos caminhos de militância, a construção pelo professor José Francisco de Melo Neto de uma categoria histórica que referencia mais fielmente todo este conjunto de práticas. Surge aí o conceito de extensão popular, que a partir da compreensão do popular como um método radicalmente produtor da participação coletiva e compartilhada, tendo como horizonte estratégico a construção de um novo projeto de sociedade, com bases na concepção marxista de socialismo.
O debate da extensão popular considera que não é "monopólio" da instituição universitária a capacidade de estruturar experiências de extensão. Na verdade busca resgatar que trabalhos sociais radicalmente transformadores têm um histórico a partir de diversos lugares, como as iniciativas autônomas de movimentos de trabalhadores e de estudantes.
Este debate é muito recente, e ainda de disseminação progressiva dentro de toda esta cultura de militância. Talvez este conceito seja capaz de dialogar com as diversas vertentes, e assim possibilitar uma maior possibilidade de identificação e articulação destas experiências.
2) O Que É Um EIV? Como Ele Acontece?
Toda a construção e ocorrência do EIV são pautadas por objetivos e princípios comungados e acordados por todos os movimentos construtores do Estágio. Dentre os diversos movimentos construtores entendemos: movimentos que compõem a Via Campesina, com discussões que partem desde a direção até a base do movimento, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CPT (Comissão Pastoral da Terra), MPA (Movimento de Pequenos Agricultores), MAB (Movimento de Atingidos por Barragens), FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil); organizações e coletivos de juventude, como os diversos Coletivos de Jovens do Campo e da Cidade; entidades estudantis como as Executivas e Federações de Curso, Diretórios Centrais dos Estudantes (DCE´s), Centros e Diretórios Acadêmicos, coletivos independentes de estudantes (como coletivos e espaços saúde, etc) afins de se envolverem com a construção da proposta, compreendendo sua
intencionalidade histórica, princípios e metodologia.
Os EIV´s partem também de uma metodologia própria, adaptada de métodos utilizados pelos Movimentos Sociais para compreender uma intencionalidade pedagógica que se tem para com os estagiários e seus processos de formação. Esta intencionalidade busca seguir uma coerência com o debate histórico exposto anteriormente, numa perspectiva de não somente "sensibilizar" o estudante, mas também constituir toda uma provocação e amadurecimento progressivo para que este após a vivência, no retorno para sua localidade, possa estar inserido cotidianamente na luta dos movimentos populares de cunho classista junto aos trabalhadores de nosso país.
O EIV é divido em quatro fases:
Oficinas: é a preparação dos estagiários nas suas próprias escolas, com o intuito de apresentar e explicar o Estágio, e incentivar os estudantes a participarem, para se desafiarem a descobrir novas possibilidades de compreensão e atuação na sociedade. Não é parte obrigatória do EIV, e em algumas escolas não é possível a sua realização. Dentro da perspectiva de formar os estudantes que seriam os "facilitadores" da apresentação, discussão e mobilização em cada escola, até mesmo porque temos nas "bandas de cima" do Nordeste poucos estudantes que tiveram a possibilidade de ter vivido o que é um EIV, é que estamos buscando promover para este público loco-regional o Seminário de Formação sobre os EIV´s, a acontecer em João Pessoa entre os dias 11 a 14 de setembro de 2008. Seria um potencializador para a ocorrência desta 1ª fase dos EIV´s.
Preparação: é um seminário concentrado de cinco dias em que os estagiários participam de espaços políticos, teóricos e práticos, que vão incitá-los a refletir sobre a sociedade e os valores nela presentes, e prepará-los para a fase de vivência. A metodologia utilizada é a divisão dos estagiários em brigadas, em que, coletivamente, irão realizar os debates, as reflexões e as tarefas. Esta etapa é imediatamente anterior às vivências nas áreas propriamente ditas.
Vivência: é a fase em que os estagiários vão viver, por cerca de pelo menos oito dias, com os trabalhadores rurais em alguma assentamento ou acampamento, ficando na casa de alguma família que os receberão. É importante lembrar que essa fase é caracterizada pela não-intervenção ativa, ou seja, os estagiários irão vivenciar a realidade do povo, e não interferir nela além de sua presença e de seu diálogo junto a este, não buscando aplicar as técnicas da universidade ou os seus valores culturais, políticos e sociais que não sejam daquela realidade.
Retomada e Luta: nesta fase, os estagiários voltam das áreas em que fizeram a vivência e socializam as experiências por eles passadas num caráter avaliativo e reflexivo, pensando formas de atuação na organização, enquanto juventude estudantil, na sociedade, participando de painéis, debates e atividades culturais e políticas. Construindo a mística para envolvimento nos processos de lutas dos trabalhadores após o retorno para seus locais de origem.
Ou seja, a proposta do EIV é construir um estágio que possua um caráter de mútuo intercâmbio político, cultural e profissional entre a Universidade e os Movimentos Sociais Populares do Campo e que contribua para o avanço na construção de um novo modelo de sociedade. A proposta é que nesta cerca de 15 dias a 01 mês (a depender da duração de cada EIV) que os estudantes estejam na atividade, que este possa intensamente, de diferentes formas, ressignificar nossas lutas diante de todo um processo de reconfiguração e enfrentamento que os setores mais avançados dos atuais movimentos populares tem travado no contexto de construção de uma nova sociabilidade.
3) Os Estudantes de Medicina e o Histórico de Vivências com os Movimentos Populares.
Já descrevemos diversas experiências históricas que envolveram estudantes de Medicina no trabalho de base junto ao meio popular, como a questão dos projetos de Saúde Comunitária da década de 70 e início da década de 80, a experiência das Frentes de Trabalho e outras experiência de trabalho social autônomo e transformador do movimento estudantil junto ao meio popular.
Tivemos algumas interessantes experiências que se perderam na história e precisam ser resgatadas. No 1º EIV ocorrido em Dourados-MS, foi expressiva a participação de estudantes de Medicina, engajados em todo o espírito que impulsionava o debate interno sobre as Frentes de Trabalho. No ano de 1995 tivemos a experiência de parceria entre DENEM e FEAB, que marginalmente à linha que era predominante no conjunto da gestão da DENEM da época, mas que foi bancado pela Sede Administrativa do Mato Grosso, organizou o Estágio de Vivência em Defesa da Vida nos primeiros dias de janeiro deste ano, em diversas localidades do interior da Paraíba. Tal experiência foi alicerçada a partir da síntese entre as experiências de Estágios de Vivência em Comunidades que ocorriam na Paraíba desde 1987 e dos EIV´s que eram tocados pela FEAB, cada um com sua perspectiva metodológica. Fundamental foi a mediação de importantes
parceiros, como Emmanuel Falcão e a militante estudantil de medicina do DCE-UFPB Conceição Queiroz, que pelo seu empenho possibilitaram toda esta articulação.
A pauta das Frentes de Trabalho e os Estágios de Vivências já desde o ano de 1992 não se configuravam como prioridades predominante na maioria da direção da DENEM desta época, ficando paralisada até o final da década de 90, onde com a crise que vinha passando a discussão estritamente focada no debate sobre Educação Médica que a Executiva se propunha a fazer, começa a surgir os anseios de maior penetrância de outras pautas. Importante foi a participação de estudantes como Taís Lobo, da UFC e Leila Fransciscelle, da UFSC, que no resgate do diálogo junto á Emmanuel Falcão também resgataram o acúmulo histórico que o movimento em tempos anteriores havia construído nestas questões. Incentiva diversas iniciativas pontuais e pessoais de estudantes que vem à Paraíba realizar estágios de vivência em comunidades, e a partir de uma maior diversificação da pauta da DENEM na gestão de Hêider Pinto, em 2000,
realiza-se em 2001 um grande Estágio Nacional de Vivências em Comunidades da DENEM, que aglutina também na Paraíba diversos militantes do Movimento Estudantil de Medicina, entre eles muitos novos.
A DENEM delibera no COBREM POA, em 2001 a construção da política de estágios em comunidades da Executiva, e a partir de diversas reflexões de que não adiantava só realizar vivência e se sensibilizar, deveria-se ter uma proposta concreta dos estudantes no retorno para suas localidades de poderem desenvolver ações permanentes junto com os movimentos populares locais.
Surge a partir das gestões na Assesoria de Extensão Universitária de 2001 e 2002, onde estava presente o movimento estudantil de Medicina da UFPB, a proposta de construção, além dos Estágios de Vivência em Comunidades de 20 dias, também dos ENEC´s (Estágios Nacionais de Extensão Comunitária). A idéia da Assessoria de Extensão nas gestões de Carol Amaral e André Sassi foi de sistematizarem uma metodologia de trabalho que pudesse orientar projetos de extensão junto aos movimentos populares em diversas localidades do país, onde os estudantes que tivessem realizado o Estágio de Vivência em Comunidades na Paraíba (inclusive a DENEM fechou na época uma parceria formal com a UFPB) teriam uma referência político-metodológica para se comprometerem com a estruturação destes processos.
A Assessoria de Extensão de 2002 e 2003, nas gestões de André Sassi e Adelle Nóbrega organizam na Paraíba o 1º ENEC, que durante 01 ano desenvolveu atividades nas comunidades rurais de Massangana II, Oiteiro de Miranda e Novo Salvador. A idéia deste estágio foi ter um caráter de projeto-piloto, que renderia ao final a publicação de livros (que são os livros Met-MOCI e Um Novo Caminho) que sistematizariam uma proposta de metodologia de trabalho em comunidades. Muito importante neste processo de formulação a participação de Emmanuel Falcão e do professor de Antropologia da UFPB, José Maria.
Infelizmente todo este processo de mobilização construído em 2001 já mostrava no ano de 2002 que tinha tido um certo caráter de "fogo de palha". A Assessoria de Extensão, apesar de Extensão e Educação Popular quase sempre serem frentes prioritárias no planejamento da DENEM, não conseguem em vias de fato ver suas pautas terem a devida priorização na agenda do movimento. A partir do ano de 2002 assume nacionalmente o Governo Lula, num contexto onde o movimento estudantil órfão de pautas e bandeiras com a crise e retirada da CINAEM, acaba optando por priorizar a construção da agenda política, principalmente da saúde, apontada pelo governo Lula e o Ministério Humberto Costa, com pautas como os Pólos de Educação Permanente, o estágio VER-SUS, a ANEPS, o APRENDER-SUS, a discussão sobre Serviço Civil, etc.
A proposta de casamento entre Estágio de Vivência em Comunidade (EVC) e Estágio Nacional de Extensão Comunitária (ENEC) tinha um caráter muito similar ao que a FEAB realiza até hoje entre a proposta dos EIV´s e seu Plano Nacional de Formação (PNF). A diferença é que a FEAB, que não se coloca como uma entidade representativa clássica (agrega os estudantes de Agronomia que defendem a bandeira do socialismo...é estatutariamente uma entidade que defende o socialismo), consegue hoje apesar de todo o refluxo e toda a crise dos movimentos sociais, se colocar como uma entidade que tem um interessante respaldo de base, com diversos coletivos locais assumidos como FEAB, e que consegue com autonomia contruir seus próprios processos internos de formação de quadros e militantes.
Já a DENEM vive ainda hoje toda a sua dificuldade de construir um eixo organizativo-formativo que garanta uma unidade de luta sólido da direção à base da entidade. Apesar do seu histórico, tem sentido de uma forma mais intensa as dificuldades de renovação e formação de quadros, com muitas incógnitas de qual é a sua base real, que pode contar na luta do dia-a-dia, e com crises na garantia de conseqüência às linhas e deliberações retiradas durantes os fóruns da entidade pelos CA´s, DA´s, e coletivos locais autônomos de estudantes de medicina do país, que não se referenciam em muitas localidades pela entidade nacional.
Talvez se tivéssemos apostado na perspectiva EVC-ENEC como a FEAB apostou historicamente na possibilidade EIV-PNF, as coisas poderiam ser diferentes hoje. Mas a história não é construída a partir do se...
Cabe à nova geração que tem a responsabilidade de conduzir o movimento refletir sobre a história e criticamente escolher os caminhos que buscam seguir e avançar em relação ás gerações anteriores.
A aproximação da DENEM com os EIV´s pode ser uma possibilidade histórica de resgate de algo que foi compartilhado pelo movimento estudantil de Medicina, mas que se perdeu ou encolheu no tempo, além de aprender historicamente com experiências que tem apontado avanços interessantes diante da crise práticas e valores de militância que vivemos hoje, e que são experiências concretas e já em curso. Não precisamos entrar no equívoco de muitas vezes "queremos inventar ou reinventar a roda", e não sair do lugar.
Acredito que temos muito que aprender com os EIV´s.
Espero que o texto tenha contribuído para estas reflexões.
Vinícius Ximenes M. da Rocha
Coordenação de Extensão Universitária DENEM 2004
Presidente do DCE-UFPB 2005/2006